Advogada dos homens que foram
fotografados algemados considera que foram vítimas “de vários crimes” e vai
apresentar queixa contra quem os fotografou. “Os meus clientes sabem quem são”
A fuga dos gémeos Manuel e
Fernando Santos e do sobrinho, Hugo Saraiva, durou um dia e acabou num parque
de campismo de Gondomar com os três suspeitos algemados e sentados no chão. O
momento foi imortalizado em várias fotografias que foram parar à primeira página
do “Jornal de Notícias” e do “Correio da Manhã” e às redes sociais. A
publicação da fotografia pode constituir um crime de fotografia ilícita,
punível com um ano de prisão ou multa, e depende de queixa das vítimas.
“Os meus clientes foram vítimas
de vários crimes, alguns públicos, como devassa por meio informático, já que a
morada da casa onde alegadamente moravam foi divulgada numa televisão apesar de
eles nem sequer lá viverem. E vamos apresentar queixa pelas fotografias,
claro”, garante Cristina de Carvalho, advogada de um dos gémeos Santos e de
Hugo Saraiva. Contra quem? “Não posso dizer, mas os meus clientes sabem quem
tirou a foto e podem identificá-lo.” O Expresso sabe que os três homens,
suspeitos de vários roubos violentos a idosos, com penas por cumprir, um
cadastro pesado e autores de uma fuga rocambolesca do Tribunal de Instrução
Criminal do Porto, indicaram agentes da PSP como autores da fotografia.
A Inspeção-Geral da Administração
Interna (IGAI), o órgão de disciplina da PSP, já abriu um inquérito para apurar
as circunstâncias da fuga e da publicação da fotografia. O Ministério Público
(MP) abriu um processo-crime que “investiga as circunstâncias que rodearam a
fuga e posterior captura dos detidos”, diz o gabinete da PGR. “No âmbito deste
inquérito, o MP não deixará de investigar todas as factualidades suscetíveis de
integrarem infração de natureza pública, bem como todas as matérias dependentes
de queixa.” A IGAI impõe medidas disciplinares que, no limite, podem culminar
na expulsão da polícia. E o MP pode fazer uma acusação criminal contra os
autores da fotografia e os responsáveis pela sua publicação ou, caso fique
provado que houve negligência, contra os agentes que deixaram os suspeitos
fugir. “Só há crime se ficar provado que a publicação das imagens foi feita com
o propósito de humilhar os detidos. Caso contrário trata-se de uma questão de
direito há informação. Todos os dias os jornais publicam sem autorização fotos
de pessoas a entrar ou a sair dos tribunais algemados”, defende o advogado
penalista Gil Teixeira.
SEM ARREPENDIMENTO
A fotografia da detenção feita
num parque de campismo, a 19 de janeiro, começou por ser publicada quase em
simultâneo no Facebook de dois sindicatos da PSP. “Acho que primeiro foi no
meu”, diz Vítor Pereira, vice-presidente do Sindicato Vertical das Carreiras da
Polícia. “Fui buscar a foto ao site do ‘JN’ e partilhei-a. Não sei quem é que a
tirou”, garante o sindicalista que não mostra qualquer arrependimento pela
publicação da foto dos homens algemados: “Não foi para humilhar. A Polícia
estava a ser criticada por tê-los deixado fugir e num dia, ao contrário do que
aconteceu noutros casos, como o de Manuel Palito ou o de Pedro Dias, e eu quis
elogiar o trabalho dos colegas. O major Brazão, da PJM, foi fotografado
algemado e não houve qualquer polémica.” Peixoto Rodrigues, presidente do
Sindicato Unificado da Polícia, também partilhou a foto e garante não saber
quem é que a tirou: “Estão a dar como um facto adquirido ter sido um polícia,
mas eu não sei se foi. Partilhei uma foto de um amigo e não sei mais nada. Se
tenho consciência de que cometi um crime? Não sei se é crime. Acho que é no
mínimo discutível. Há o interesse público que se sobrepõe aos direitos
individuais e um alarme social que precisava de ser apaziguado e acho que a
publicação da fotografia contribuiu para isso.”
Antes de a foto da detenção ter
sido publicada foi a própria PSP a enviar para os jornais e televisões
fotografias dos três suspeitos, vulgarmente conhecidas por “clichés” (ver em
cima). De acordo com uma fonte policial, o comando da PSP do Porto pediu
autorização prévia ao MP e, de acordo com a lei, se for um órgão policial a
solicitar a publicação das fotografias de pessoas procuradas, não há crime. “Indivíduos
em fuga, considerados perigosos e potencialmente armados. Caso sejam
localizados deverá ser dado conhecimento imediato às autoridades policiais”,
dizia a legenda. Tinham fugido do TIC do Porto depois de terem conseguido
acesso à chave da cela onde estavam fechados. Saltaram pela janela e fugiram.
Quando foram apanhados estariam na posse de 40 mil euros e preparavam-se para
fugir do país.
Depois de terem sido capturados,
os dois sindicatos divulgaram as fotos da detenção perante a indignação geral e
a fúria do ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que ordenou a
abertura do inquérito da IGAI. “É absolutamente inaceitável a publicação de
imagens que não correspondem à forma de atuação da polícia portuguesa”,
protestou o governante.
Na ressaca destas afirmações, o
sindicato vertical publicou fotos de idosos agredidos em Inglaterra e no Brasil
o que levou a uma reação do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa,
que considerou “inaceitável” a montagem fotográfica. “Era meramente exemplificativa”,
defende-se Vítor Pereira. “Não quisemos enganar ninguém e nem sequer podíamos
estar a publicar as fotos verdadeiras que estão em segredo de Justiça”.
Num gesto de solidariedade, a
Associação Sócio-Profissional Independente da GNR, disse que não ficava
“indignada com as fotografias, expostas publicamente, pois considera que os
criminosos — nelas identificados como tal — não são merecedores do mesmo
respeito e consideração, por parte do Estado e da comunidade, atribuídos ao
cidadão comum”. Nenhum dos dois sindicatos da PSP ouvidos pelo Expresso
concorda com esta afirmação.
Rui Gustavo | Expresso
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