Em Portugal, ativistas da Guiné Equatorial alertam para as práticas de tortura e o perigo que ainda representa a vigência da lei de justiça militar, a qual pode colocar em risco a eliminação total da pena capital.
Tarde ou cedo, a pena de morte será abolida na Guiné Equatorial. É o que acredita Maria Jesus Bikene Obiang, advogada do projeto APROFORT, que apoia iniciativas para a abolição da pena capital naquele país da África central.
Mas, ela confirma à DW que o novo Código Penal ainda não foi sancionado pelo Governo e que o documento está pendente para ratificação pelo Presidente da República.
Na opinião da advogada equato-guineense, a aprovação do documento, no âmbito da justiça ordinária, não pressupõe a total abolição da pena de morte na Guiné Equatorial, "porque, como aconteceu repetidamente noutras ocasiões, o Código de Justiça Militar continua a contemplar a pena de morte".
Além de torturas, dá nota de ter dado assistência jurídica a vários cidadãos civis em processos nos quais foram julgados sob a jurisdição militar; ou seja, com recurso ao código de justiça militar. A advogada considera que, no âmbito da justiça ordinária, a pena de morte pode ser eliminada. Mas alerta que constitui um perigo o facto desta continuar contemplada no Código de Justiça Militar.
Tortura contra minorias
E, a propósito do Código de Justiça Militar, Trifonia Melibea Obono, da Organização Não-Governamental (ONG) "Somos Parte del Mundo”, contesta a pena de 6 meses a 6 anos de prisão aplicada àqueles soldados que cometam "atos desonestos com indivíduos do mesmo sexo".
"De tal forma que os homossexuais, sobretudo mulheres lésbicas e homens transgéneros, são as pessoas que mais problemas enfrentam no seio do coletivo em matéria de saúde, porque sofrem torturas", adverte.
Acrescenta que a lei de ordem pública define tais pessoas LGBTQIA+ como um perigo social e que, por isso, têm que ser combatidas. "Portanto, a nível jurídico, uma pessoa homossexual não é uma pessoa", adianta em tom de denúncia.
Trata-se de um grave problema de direitos humanos; "porque nem sequer temos direito a apresentar queixa se não tivermos uma advogada", refere em declarações à DW.
"A insegurança jurídica que vivemos nestes espaços é absoluta", diz Trifonia Melibea Obono.
A ativista lamenta, afirmando que "na Guiné Equatorial existem diferentes formas de morrer", não apenas pela via da pena de morte.
Debate em Lisboa
Estes cidadãos equato-guineenses estão em Lisboa, num grupo que inclui algumas organizações não-governamentais, para participarem num encontro de capacitação, no âmbito do projeto APROFORT, financiado pela União Europeia. Lucas Olo, coordenador do referido projeto, diz que a formação visa promover os direitos humanos.
"Para dar ferramentas aos ativistas e também às organizações [da sociedade civil] para o seu trabalho do dia a dia na Guiné Equatorial, particularmente aqueles que trabalham como ativistas dos Direitos Humanos, mas também aqueles que trabalham com artistas, com grupos de mulheres, incluindo representantes de associações cívicas", explica.
Durante a estadia em Portugal, o grupo é recebido por algumas ONG portuguesas para exporem a situação no seu país.
Adesão à CPLP
Lucas Olo quer ver implementadas as medidas inscritas no Memorando de Adesão à CPLP, mas com impacto direto na vida da população, que, entretanto, não foi antes ouvida sobre esta decisão política.
"O ideal seria que os cidadãos fossem ouvidos através de um referendo popular para dizerem qual a sua opinião. Mas já não estamos nesta fase. Já estamos na fase da integração, de acordo os princípios da CPLP. Então, o que temos que fazer agora é trabalhar para que as melhorias que a organização propôs ao Estado equato-guineense sejam uma realidade para os cidadãos", afirma.
Em julho próximo, a comunidade lusófona realiza mais uma cimeira de alto nível, em Luanda (Angola), e não se espera uma evolução em matéria de pena de morte na Guiné Equatorial.
Ana Lúcia Sá, professora de estudos africanos, disse à margem de uma mesa redonda com a participação destes ativistas, realizada no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa (IUL), que o quadro legal formal no país continua a ser o mesmo e não há perspetiva de mudança em relação à abolição da pena capital.
A investigadora portuguesa afirma ainda que, em matéria de direitos humanos, a CPLP deveria ter um papel mais interventivo na aproximação à sociedade civil de todos os países membros.
"Porque só assim é que é possível, de facto, haver uma CPLP forte perante os seus cidadãos. Uma CPLP que, de facto, dê uma imagem aos seus cidadãos, de inclusão, parcerias e significado, que vão além das cimeiras que se vão organizando ou de alterações de quadros legais", avalia.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle
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