domingo, 13 de novembro de 2022

INOCÊNCIO DE MATOS, UM "SÍMBOLO DA RESISTÊNCIA" EM ANGOLA

Passam dois anos desde que o estudante Inocêncio de Matos foi morto durante uma manifestação em Luanda. O caso continua por esclarecer. Jovens ativistas prometem continuar a protestar, em memória do jovem.

Há dois anos, o nome de Inocêncio de Matos passou a integrar a lista de cidadãos mortos por organizarem ou participarem em manifestações contra o Governo do  Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que está no poder desde a independência do país, há 47 anos.

Nessa lista constam também os nomes dos ativistas Isaías Cassule e Alves Camulingue, mortos em 2012.

Inocêncio de Matos era estudante de Ciências da Computação na Universidade Agostinho Neto. Foi morto durante uma manifestação por melhores condições de vida. Dois anos depois, é considerado um "símbolo da resistência" contra as "atrocidades" do poder político em Angola.

"A morte de Inocêncio foi um marco histórico e abriu [um novo capítulo] na revolução", afirma o rapper angolano UCM.

Jovens não se deixam intimidar

Depois de 11 de novembro de 2020, o dia da morte de Inocêncio de Matos, multiplicaram-se os protestos em Angola, seja para exigir o cumprimento de promessas do Governo ou para protestar contra a violação de direitos fundamentais. "Quem acompanha o percurso da revolução nos últimos tempos sabe que as ruas têm estado repletas de jovens, que perceberam que devem exigir os seus direitos. Porque não podemos viver onde não há direitos e garantias."

As forças de segurança reprimem estes protestos com frequência. Ainda em outubro, a polícia impediu uma manifestação em Luanda contra a imposição de cortes de cabelo nas escolas. Mas, segundo o ativista do Movimento Cívico Terceira Divisão, Mbonzo Lima, a violência policial não intimida os jovens — pelo contrário, incita-os cada vez mais a irem para as ruas.

Mbonzo Lima apela a mais protestos para que os autores da morte de Inocêncio de Matos sejam responsabilizados.

"O Inocêncio é o símbolo da resistência. A sociedade tem de fazer mais. Chega um momento na vida em que o pessoal fica saturado. Só precisamos de alguém que dirija o barco. Devia se criar uma situação como a que estamos a assistir no Irão, depois da morte da jovem Mahsa Amini . Aqui, faltou organização da nossa parte."

Silêncio das autoridades

Dois anos depois da morte do jovem Inocêncio de Matos, a equipa de advogados constituída pela família continua a trabalhar para o esclarecimento do caso. Mas as instituições do Estado mantêm-se em silêncio.

O presidente do partido Bloco Democrático critica a atitude das autoridades: "É uma violação do Estado de Direito, quando o próprio Estado, numa manifestação, chega ao ponto de matar alguém", comenta Filomeno Vieira Lopes.

"Uma vez que o Inocêncio não tinha arma, estava simplesmente a exercer um direito de forma pacífica, é uma profunda violação, que deve merecer uma profunda investigação, e os culpados devem naturalmente ser sancionados", defende o político da oposição.

As autoridades policiais não se pronunciam sobre o assunto. O rapper UCM não acredita que a Justiça angolana possa esclarecer as circunstâncias da morte de Inocêncio de Matos, dois anos depois. 

"Aqui em Angola existe injustiça na Justiça. Um exemplo prático é o caso de Inocêncio, e não é um caso à parte. Há milhares de casos semelhantes", afirma UCM. "Até hoje, ninguém consegue esclarecer quem matou Mfulupinga Landu Victor, antigo deputado e ex-presidente do Partido Democrático para o Progresso da Aliança Nacional Angolana (PDP-ANA). Não esperamos nada nesta Justiça, porque ela serve quem governa."

Nesta sexta-feira, 11 de novembro, foi realizada uma cerimónia de homenagem ao estudante Inocêncio de Matos. Os participantes no evento "juraram" continuar a exigir melhores condições de vida para os angolanos em memória do jovem.

Manuel Viana, ex-colega de Inocêncio de Matos na Universidade Agostinho Neto, lembra que o seu amigo era um dos defensores dos estudantes na instituição do ensino: "A recordação que tenho dele é a determinação de não aceitar a injustiça contra ele ou o seu próximo".

A família de Inocêncio de Matos pede a realização de um Fórum Nacional de Reflexão sobre todas as vítimas de violência com recurso a armas de fogo.

Borralho Ndomba (Luanda) | Deutsche Welle

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