quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Guiné-Bissau | Aristides Gomes condena "atos de violência" do PR guineense

Ex-primeiro-ministro da Guiné-Bissau acusa Presidente Umaro Sissoco Embaló de tentar manter-se no poder "de forma arcaica" e "muito pouco inteligente", através da violência, e alerta para perigo de revolta popular.

O ex-chefe do Governo guineense Aristides Gomes considera que "há um desrespeito pelos direitos humanos [na Guiné-Bissau] e isso é evidente, está patente em toda a atuação do regime e particularmente do próprio Presidente", Umaro Sissoco Embaló, que "fez vários discursos públicos de ameaças a jornalistas, aos deputados, a toda a gente".

Em entrevista à agência Lusa em Lisboa, dias depois de ter conseguido sair da Guiné-Bissau, o ex-governante lamenta que o chefe de Estado "confunda deliberadamente" críticas com insultos e que a resposta seja "atos de violência, de espancamento, através de raptos", considerando que se trata de "uma forma arcaica de tentar manter-se no poder, de intimidar toda a gente, de desestabilizar a oposição".

"Os principais responsáveis da oposição não devem ficar no país, se ficam no país, devem ficar calados. Portanto, quando se entra não se pode sair e quando se sai não se pode entrar. É uma lógica muito antiga, muito pouco inteligente, aliás, de conservação do poder e que nós temos só a lamentar, porque são técnicas mal copiadas" de outros países africanos, diz.

Aristides Gomes conseguiu sair recentemente da Guiné-Bissau depois de as autoridades guineenses o terem tentado deter durante o congresso do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), em novembro do ano passado, por suspeitas do Ministério Público guineense de alegado desvio de verbas do Fundo Florestal e de irregularidades na transferência de 50 mil euros para a sua família em França. 

Descrevendo esta ação como "tentativa de rapto", o ex-primeiro-ministro, que já tinha estado refugiado nas instalações das Nações Unidas em 2020, onde permaneceu mais de um ano, considera ser alvo de "perseguição política" no seu país e refuta as suspeitas, lembrando que ainda não há acusação formal nem sequer foi ouvido pelas autoridades.

"É uma posição política, é uma técnica antiga de desestabilização da oposição e das principais personalidades da oposição", diz.

"País empobrece cada vez mais"

A Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) tem feito várias denúncias sobre violações de direitos humanos na Guiné-Bissau e enviou há um ano uma carta ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, à presidente da Comissão da União Europeia, Ursula von der Leyen, e ao presidente da União Africana, Macky Sall, na qual considera que os alicerces do Estado de Direito democrático na Guiné-Bissau nunca estiveram tão ameaçados.

Na carta, a organização acusa as autoridades políticas de, com o apoio das forças de segurança e do poder judicial, recorrerem sistematicamente a "métodos ilegais, tais como violência policial, intimidações, detenções arbitrárias, raptos e espancamento de jornalistas, ativistas cívicos e opositores políticos".

Segundo o ex-primeiro-ministro, estas técnicas de manter o poder "podem levar a situações muito desagradáveis", porque "o país está a empobrecer cada vez mais".

"Apesar do desencadear de toda uma publicidade em como as coisas estão a andar bem, que tem havido obras [...] No fundo as populações estão a sofrer com uma inflação galopante, com falta de perspetivas para setores fundamentais da nossa sociedade, tais como a saúde, o sistema de ensino, enfim, há um processo de regressão global no país", considera.

Pobreza e revolta

Questionado sobre a possibilidade de uma revolta popular, Aristides Gomes alerta que "é possível" porque "o pano de fundo continua a ser um empobrecimento da população e a falta de perspetivas", sobretudo dos jovens. "Num país como a Guiné-Bissau, uma característica comum a grande parte dos países africanos, há uma franja da população que cresce, a população de jovens, que vai sendo educada, mas que em contrapartida continua sem emprego porque a economia confunde-se com o setor informal", refere.

De acordo com o ex-governante, "essa população vai-se concentrar nas zonas periféricas das grandes cidades, vai-se empobrecendo e vai-se acumulando o foco de uma certa desestabilização social e, se os regimes, ao invés de adotarem medidas inteligentes para tentarem acompanhar esse processo da sociedade, se viram para a repressão, tarde ou cedo há explosões".

A situação de pobreza leva ainda, alerta, a extremismos como o fundamentalismo islâmico e problemas religiosos, o que gera "todo esse 'cocktail' explosivo" que se verifica já em alguns países africanos, sobretudo no Sahel.

Tráfico de droga agrava situação

O ex-primeiro-ministro defende que o tráfico de droga na Guiné-Bissau enfraquece o Estado, já frágil, e potencia o risco de fundamentalismo islâmico no país. O ex-governante reconhece que "a questão do tráfico de droga não é exclusiva da Guiné-Bissau, é o resultado da fragilidade dos países" e que o país lusófono "faz parte desse conjunto".

"É verdade houve muita publicidade da Guiné-Bissau", sobretudo depois da guerra civil de 1998 neste país, que "aparece como um dos Estados ainda mais frágeis".

"O tráfico de droga acaba por fragilizar ainda mais esses Estados. [...] porque penetra no tecido fundamental desses Estados, deformando completamente" as suas estruturas, diz. Os traficantes, considera o ex-primeiro-ministro, escolhem estes países porque os custos são muito reduzidos.

Considerando que o tráfico de droga alimenta conflitos, sobretudo no Sahel, refere o risco de o fundamentalismo islâmico se alastrar aos países do litoral da região da África Ocidental como a Guiné-Bissau.

Além do tráfico de droga, o ex-governante cita também a questão política em que há forças "que têm mais escrúpulos e forças políticas que têm menos escrúpulos na utilização do fenómeno da religião para capturar indevidamente o eleitorado".

Neste sentido, deu o exemplo do Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, ao defender que os muçulmanos, por representarem 65% da população, "deveriam dirigir a Guiné-Bissau".

Deutsche Welle | Lusa

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