sexta-feira, 16 de junho de 2023

Angola | Os Supremos Ilusionistas da Justiça – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Um juiz britânico ameaça de cadeia o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi. Para os piratas esclavagistas, os negros não passam de mainatos ou caddies numa partida de golfe. São muitos séculos de racismo, escravatura, latrocínio e captura da dignidade dos povos submetidos ao colonialismo, o mais grave crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade. África tem que responder à letra e meter na cadeia todos os servidores dos estados terroristas e colonialistas como é notoriamente o caso do Reino Unido. O juiz Robin Knowles tem de ser julgado em Maputo, nem que seja à revelia, por atentar contra a soberania de um Estado e os seus símbolos. 

A mania de meter toda a gente na cadeia é marca dos colonialistas. Sou testemunha. Na nossa casa de pau a pique na Kapopa era recebida diariamente uma Vovó velhinha, desdentada, rosto sulcado de rugas. Levava pela mão dois netos ainda pequeninos, mais meninos do que eu. Minha Mamã colocava na quinda fuba, peixe seco, leite em pó Nutricia, azeite doce, óleo de palma, sal mais conhecido por mungua e nas épocas festivas também uns bolinhos que lá em casa chamávamos sonhos. Um dia a Vovó e seus netos não apareceram. Minha mãe mandou-me ao posto ver se estava presa. E estava. Ela e as crianças. 

Minha Mamã parecia uma fera. Vestiu uma saia gaiteira, uma blusa floreada, sapatos de sola e foi resgatar os prisioneiros. Fez uma maka tão grande que me assustei. Só saiu do posto com a Vovó e seus netos. Foram presos porque uma senhora chamou o sipaio. Tinham entrado no seu quintal para pedir esmola.

O retrato do colonizado tem um traço muito forte. O colonialismo deixou na mentalidade de alguns dirigentes africanos essa mania de meter toda a gente na cadeia, com ou sem julgamento. Condenação: Vais trabalhar na granja ou nas brigadas da estrada. O Morro das Pedras está cheio de ravinas. Esta introdução tem um nó de amarração à realidade que vivemos em Angola. Vou dar o meu exemplo favorito.

Os mialas do nosso descontentamento mandaram prender o empresário Carlos São Vicente. A coisa meteu acusação e tudo. Mas meras simulações. O pessoal de serviço conseguiu ao mesmo tempo a quadratura do círculo e parar o movimento de rotação da Terra. 

No espectáculo de ilusionismo montado à sombra do Poder Judicial conseguiram provar que Carlos São Vicente roubou o que era seu. Exigiram que o dono dos bens provasse que era o dono. Porque o recado era simples: Cadeia com ele! No final do espectáculo ainda exigiram que o empresário provasse a sua inocência em vez de provarem que é culpado. Inversão do ónus da prova é para quem odeia a liberdade e excrementa a Justiça.

O empresário Carlos São Vicente foi acusado de Peculato. E condenado, como estava escrito no papelito da ordem superior. Os ilusionistas se condenassem o Presidente João Lourenço por entrada ilegal no Palácio da Cidade Alta não faziam pior figura. Permitam-me que vos fale do Artigo 362º do Código Penal onde é definido o Crime de Peculato.

Comete Crime de Peculato o funcionário público que ilegitimamente se apropria de dinheiro ou coisa móvel do Estado. Azar dos azares. Carlos São Vicente nunca foi funcionário público. Nunca teve nas suas mãos dinheiro do Estado. Nunca teve na sua posse coisa móvel do Estado Angolano. É assim. E sendo assim não pode haver Crime de Peculato. 

Os ilusionistas mostraram o jogo por baixo da mesa e deixaram o patrão mal visto. O chefe mandou e eles cumpriram. Sem pensar. Sem sequer abrirem os livros. Sem consultarem o Código Penal. Sem cuidarem de saber o que é isso de Crime de Peculato. Péssimos ilusionistas. Juristas de trazer por casa. Juízes de sentenças encomendadas e premeditadas. Tudo péssimo. O espectáculo do julgamento e o produtor. Repitam as cenas com mais credibilidade e sobretudo obedecendo à Lei e não ao chefe.

A Acusação foi elaborada nos braços da liamba. E no julgamento nada foi provado. Mas neste ponto é justo dizer que não provaram nada porque não existem crimes nem provas. Carlos São Vicente nunca foi funcionário público. Nunca teve acesso a dinheiro do Estado. Pelo contrário, meteu muito dinheiro nos cofres públicos pagando os impostos pronta e pontualmente. Nunca teve na sua posse bens móveis do Estado. Impossível provar fosse o que fosse. No julgamento só dava ilusionismo ridículo.

O espectáculo de ilusionismo teve o seu clímax quando a vítima foi obrigada a provar em Tribunal que não cometeu qualquer crime. Inversão do ónus da prova. Um dos mais graves atentados ao Estado de Direito e Democrático. Mas ele provou. Estava em causa a sua vida. A sua liberdade. O seu futuro e o da sua família. O fruto do trabalho de toda uma vida.

Carlos São Vicente provou no Tribunal que era dono das acções da AAA Seguros. Mas provou mesmo! Exibindo as contas anuais auditadas. Senhoras e senhores ilusionistas: Sabem o que são contas auditadas? Isso mesmo. Não têm batota nem marteladas. São certinhas. 

Carlos São Vicente apresentou em Tribunal escrituras notariais das transacções das acções. Isto é, provou que era dono de 90 por cento da AAA Seguros. Apresentou a acta da Assembleia-Geral da AAA Seguros que deliberou o aumento de capital ao qual só ele foi. Os outros accionistas (minoritários) não quiseram. Não apostaram. Não investiram. Que se lixe a empresa. Quem trabalha lá que se chegue à frente. 

Carlos São Vicente apresentou documentos autênticos, indesmentíveis, que provam ser ele o dono da AAA Seguros. Um deles é a deliberação da Sonangol que aprova a venda das acções.

Em resumo: A vítima dos ilusionistas travestidos de magistrados judiciais foi atirado para a inversão do ónus da prova. O acusado teve de provar que é inocente. Não foram os acusadores que tiveram de apresentar provas do que acusaram. A “prova” foi um papelito anónimo, apócrifo e ridículo. Roubaram a Liberdade a um cidadão, sem provas. Despojaram-no de todos os seus bens por capricho e indisfarçada ambição do chefe.

Tem a palavra o Tribunal Constitucional. Não é fácil, temos de reconhecer. Porque fazer Justiça em Angola hoje é mais difícil do que um elefante passar pelo buraco de uma agulha. Mas alguém tem de pôr cobro a esta farsa. Alguém tem de dizer não à batota. O ridículo mata. E ai de nós se deixamos morrer o Poder Judicial. Lá se vai o Estado de Direito. Tem que ir a minha Mamã, em espírito, xingar o chefe de posto e libertar Carlos São Vicente. Eu vou com ela.

*Jornalista

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