Angola | A Festa do Dinheiro e os Problemas do Povo -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Hoje estou a transbordar porque passei o dia com amigos. Daqueles que dão a vida pela liberdade e despem a camisa para tapar os nus desconhecidos. Recebi uma mensagem de um amigo garantindo que me salvou da bancarrota. 

Hoje andei na feira, beberiquei um tinto do Douro, falei de tudo e nada, regateei o preço da fruta cristalizada e recordei aquele dia em que fui cobrir as festas de Nossa Senhora do Monte, passei a noite a jogar lerpa, perdi e quando cheguei à rua ia morrendo de frio. Passou-me pela memória o Lubango do Garibaldino de Andrade, do Leonel Cosme mas também – porque não? – do senhor Resende da Casa dos Cobertores e do Gata da fazenda de gado na Cahama.

O Papa Francisco é o único líder mundial digno desse nome. Se o Vaticano nos emprestasse sua excelência até 2027, tenho a certeza de que o Povo Angolano seria tão feliz como eu estou hoje. Porque esconjurou o neoliberalismo. Avisou a Humanidade, crente ou não, que este capitalismo mata. Se quiser partir para a luta armada de libertação universal pode contar comigo, mesmo a cair da tripeça.

A direcção do MPLA traçou o caminho. Temos de dar tudo na defesa do Presidente João Lourenço. Para já é obedecer. Lutar. Cumprir. Um dia conversamos. Sempre sob a Bandeira do MPLA vou empenhar-me na missão. Começo por alertar o Comité Central e o Bureau Político para sinais evidentes da preparação de um golpe de estado. Não sei se os golpistas estão alinhados com a UNITA. Mas atendendo aos graves problemas sociais que vivemos, a situação é mesmo muito perigosa.

O General Fernando Garcia Miala preparou meticulosamente um golpe de estado contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Quando decidiu medidas activas partiram-lhe o semieixo e acabou na cadeia. Até esse momento, o golpista fazia-se passar por protector das crianças abandonadas e por mecenas dos artistas de variedades. O “Kit Miala” era bem conhecido. As e os aspirantes a kuduristas e rappers recebiam quantidades generosas de dinheiro. Os consagrados eram agraciados com viaturas todo-o-terreno, carrinhas, casas, dinheiro à descrição. Na comunicação social espalhou os seus agentes que se vendiam (e vendem) baratinho. Procurem saber quem financiava os pasquins que nasceram em 1992. Miala!

O Chefe do Estado-Maior Geral das FAA, General da Força Aérea Altino Carlos José dos Santos, organizou uma cerimónia singela para despedida de alguns oficiais generais que passaram à reforma. Muita consideração. Muito respeito. Muita gratidão. Imenso reconhecimento. O grande chefe militar nada mais tinha para partilhar com os seus camaradas. Ontem vi uma reportagem na TPA sobre a cerimónia de despedida de mais generais. Miala lá estava não como reformado mas organizador. Grandes prendas aos reformados: Viaturas todo-o-terreno V8, carrinhas, relógios caríssimos e outras coisas valiosas. 

Fernando Garcia Miala quer limpar-se e acho muito bem, detesto ver caras mascarradas e mãos sujas. Mas fazê-lo à custa de Generais das FAA é uma infâmia. Se está a tentar comprar as suas consciências é uma falta de respeito. Os membros das Forças Armadas prezam a honra e a dignidade acima de tudo. Por isso ganhámos todas as guerras! O problema é se ele está a mobilizá-los para a golpada de estado, como fez com artistas e jornalistas. No cumprimento das instruções do Bureau Político do MPLA deixo o aviso. Uma vez golpista é para toda vida.

O dinheiro das Forças Armadas Angolanas há muito que serve para encher os bolsos das “mãos autorizadas”. Ainda bem que agora serviu para honrar e dignificar oficiais generais que passaram à reforma. Aplaudo e peço encarecidamente que a partir desta festa, seja sempre assim. As mesmas prendas e os mesmos sinais de respeito e consideração. Sem os militares hoje éramos todos súbditos dos karkamanos.  

Os cofres das FAA hoje estão a ser guardados pelo tenente general Fernando Zombo. Era melhor terem entregado essa missão a um ladrão de bairro. Esses não conhecem muitos zeros, contentam-se com umas notitas de mi Kwanzas. Pôr uma raposa a tomar conta das galinhas é que não passa pela cabeça de quem diz combater a corrupção. Até os sentinelas do serviço sabem que o dinheiro nas mãos do “financeiro” primo do Miala só da para grandes festas, grandes fortunas, grandes desvios, grandes cumplicidades. E por aqui fico.

O caso do vice-almirante Zengo é um escândalo ainda mais grave do que aquele em que se envolveu (ou foi envolvido) o major Lussati. Amigos de longa data puseram em causa o que escrevi. Obrigam-me a contar tudo.

Após 2017 elementos dos serviços do General Miala visitaram “de surpresa” as filhas do vice-almirante Zengo. Disseram-lhes que detectaram a existência de grandes quantias em dólares e Kwanzas que foram desviadas dos cofres públicos. As senhoras disseram que nada podiam fazer porque o pai estava gravemente doente (ainda está…) e o assunto era com ele. As “visitas de surpresa” (técnica do Miala) partiram mas voltaram. Disseram-lhes que o pai tinha desviado dinheiro de contratos para obras que nunca foram realizadas. Tinham que devolver o dinheiro a bem.

As senhoras foram aconselhar-se e receberam este conselho: Exijam os contratos em causa. Pagam todo o valor e mais os juros. Ponto final. As “visitas de surpresa” voltaram e receberam essa resposta. Ficaram zangados e partiram para a ameaça. Alguns dias depois foram chamadas à presença do General Miala que as ameaçou ainda mais. E lavrou a sentença: É melhor devolverem o dinheiro a bem! E os contratos pagos pelo nosso pai mas as obras não foram realizadas? Silêncio. Até hoje não apareceu um único contrato. O vice-almirante Zengo foi esbulhado. Roubado. Assaltado. A não ser que apareçam os tais contratos.

Poucos dias depois, as duas senhoras foram chamadas à presença de Eduarda Rodrigues. Estava acompanhada de um oficial dos serviços do General Miala. A vice-procuradora do SINSE ameaçou: Ou entregam a bem ou entregam a mal. E foi muito generosa: Para não ficarem sem nada, do total que foi desviado podem ficar com cinco milhões de dólares.

As duas senhoras foram de novo aconselhar-se. O conselheiro insistiu que tinham de mostrar os contratos cujas obras foram pagas e não realizadas. Mas como autoridades judiciais já tinham partido para a ameaça, o melhor era aceitarem os cinco milhões e devolverem o resto. “Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar”. Querem mais grave ainda? Neste processo de esbulho apareceu uma “procuração” assinada pelo vice-almirante Zengo dando poderes às filhas para tratarem da entrega do dinheiro. Falsa! Ele estava cego, surdo e fazia hemodiálise três vezes por semana. Não passou procuração nenhuma. O estilo Miala no seu pior!

Que Estado de Direito é este onde o chefe do SINSE ameaça cidadãos e manda-lhes a casa “visitas surpresa”? Que Estado de Direito é este onde uma Vice-Procuradora da República chama cidadãs à sua presença, ameaça-as e tem ao lado um oficial do Miala com cara de mau? 

As duas filhas do vice-almirante esbulhado pediram um documento onde constasse que as verbas entregues foram depositadas no Tesouro. Entraram mesmo nos cofres do Estado. Ninguém viu essa guia de entrega. Até hoje. Mas se quiserem apresento documentos abundantes sobre os “grandes desvios de dinheiro” dos cofres das FAA, feitos pelo Tenente General Fernando Zombo. Milhares de milhões. Continua no cargo. Protegido por Fernando Garcias Miala. Atenção! Esse dinheiro pode servir para o golpe de estado contra João Lourenço e o MPLA. Só um pormenor. Outro protector do desviador foi o General Disciplina! 

Assim se faz a recuperação de activos em Angola, O combate à corrupção faz-se com corruptos de alto coturno. Uma última pergunta: A que propósito o chefe do SINSE está presente na cerimónia de oficiais generais que passaram à reforma? Espero que não seja para garantir apoios e cumplicidades.

O Presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, continua nas bocas do mundo. Mão amiga enviou-me o som de um discurso do venerando conselheiro presidente do Tribunal Supremo na tomada de posse de juízes de Tribunais de Comarca. Tirem sua excelência imediatamente do lugar. Porque disse aos magistrados empossados que a Justiça tem de estar ao serviço dos cidadãos. Disse que quem entra num Tribunal só pode sair com os seus problemas resolvidos. Exigiu que as audiências sejam devidamente programadas para evitar adiamentos. Porque testemunhas e declarantes gastam dinheiro para se deslocarem aos Tribunais. Há que respeitá-los.

Pediu aos magistrados judiciais que tenham especial atenção às autoridades tradicionais porque são excelentes auxiliares da Justiça. 

Um dia Agostinho Neto reuniu com o grupo do DIP do MPLA. Estavam presentes, Hélder Neto, Rui de Carvalho, Bobela Mota, Luís Filipe Colaço e este vosso criado, em representação dos jornalistas da Emissora Oficial de Angola (RNA). Disse Agostinho Neto: -É preciso fazer passar esta mensagem a todos os camaradas. Quando alguém entrar numa delegação do movimento, seja ou não militante, se for apresentar um problema, só sai de lá com o problema resolvido. Ou com a garantia de que vamos resolvê-lo rapidamente. Só assim o MPLA É o Povo e o Povo É o MPLA.

O venerando conselheiro presidente do Tribunal Supremo disse aos magistrados judiciais: Se um cidadão entrar num Tribunal com problemas para resolver, quando sair o seu problema tem e estar encaminhado ou resolvido. É a doutrina Neto. Será por isso que querem derrubá-lo? Desde que vi uma bicicleta andar de porco, mais nada me surpreende.

*Jornalista