segunda-feira, 10 de julho de 2023

Angola | Revolta Popular Importada – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Um poema, dois simples versos, ensinaram-me que o teorema de Pitágoras pode ser tão belo como a Vénus de Milo sendo que esta era a Afrodite dos gregos, deusa do amor e da beleza. Só um poeta alinhado com a mais pura realidade consegue ser tão lúcido. O mesmo construtor de mundos viáveis garante que Jesus Cristo nada sabia de Finanças. Sendo a primeira grande figura da Humanidade que zurziu nos ricos (é mais fácil um camelo passar pelo buraquinho de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus) e defendeu os pobres, sinto-me muito próximo dele. Também porque sou absolutamente ignorante em matéria de Finanças.

Mas não sou tão burro como outros que tendo responsabilidades na matéria, desde a gestão de empresas às altas esferas governamentais, sabem tanto de Finanças como eu sei de otorrinolaringologia ainda que tenha aprendido a tocar dikanza de ouvido. Para disfarçar a ignorância e falta de jeito para os números, quando era miúdo apliquei-me a fundo no estudo da tabuada. Quem entregou o ouro do Corredor do Lobito aos bandidos, se fosse tão aplicado como eu, tinha disfarçado melhor a negociata. A preguiça é mãe de todas as crises políticas e financeiras.

Para o caso de além de preguiça existir distracção entre os ajudantes do Titular do Poder Executivo vou transcrever este período extraído de uma peça publicada no Jornal de Angola, assinada pelo economista José Cerqueira, um angolano da Banga (Caculo Cabaça) região de leões, pacaças e pacações, desde os morros de Samba Caju à terra sagrada dos Mubiris. 

“A encruzilhada onde se encontra a economia de Angola desfavorece o crescimento económico, o que empobrece rapidamente a população, pois ela atravessa uma explosão demográfica. Como mostram muitas experiências no mundo, a rapidez do empobrecimento em países subdesenvolvidos potencia a revolta popular”.

Como também sou do mato, ouso sugerir às deputadas e deputados da Assembleia Nacional que em vez de perderem o seu tempo a discutir a lei das manifestações, colaborem com o Titular do Poder Executivo para adoptar políticas que favoreçam o crescimento económico e travem o empobrecimento da população antes das revoltas populares.

Com o economista José Cerqueira (um sábio angolano!) aprendi isto que gostosamente partilho, com sua excelência o ministro de Estado para a Área Económica:

“Para evitar esta catástrofe em Angola (revoltas populares), é imperioso acelerar no longo prazo o crescimento económico per capita deste país para taxas superiores a 5,0 por cento. A condição necessária, embora insuficiente, para atingir este desiderato é dirimir, no curto prazo, os mecanismos perversos, quer da inflação importada, quer da depreciação cambial”. O sábio de Caculo Cabaça teve o cuidado de traçar “as linhas técnicas” que conduzem a esse bom sucesso. Por favor, se não sabem, leiam o texto de José Cerqueira, não precisam de ir fazer um doutoramento aos EUA. Ele explica cientificamente o que é isso de “inflação importada”. Posso desvendar o que percebi. 

A subida rápida dos preços “não é explicável pela teoria tradicional da inflação, segundo a qual as únicas causas deste fenómeno seriam, dum lado, a cobertura de défices fiscais com emissão de moeda pelo Banco Central e, doutro lado, aumentos de salários desacompanhados de aumentos proporcionais na produtividade do trabalho”. Perceberam? Não foi isso que aconteceu. 

José Cerqueira explica, cabalmente o fenómeno que nos trama a vida do quotidiano: “A alta de preços em Angola é a modalidade disfuncional da inflação importada, a qual resulta do regime cambial que vigora em países subdesenvolvidos”. O que é a inflação importada? “Os bancos procuram divisas emitindo depósitos bancários a favor dos ofertantes, em vez de lhes entregarem depósitos bancários pré-existentes. Ao mesmo tempo cancelam os depósitos bancários lançados pelos demandantes por divisas. É fácil mostrar como o regime cambial subdesenvolvido provoca inflação importada”. 

O nosso sábio também explica no Jornal de Angola como se resolve essa maka: “A supressão da inflação importada disfuncional implica a adopção do sistema cambial desenvolvido, no qual os bancos pagam aos exportadores com a liquidez monetária derivada da constituição de depósitos a prazo pelos depositantes, concomitantemente à reposição dessa liquidez com os depósitos com que os importadores procuram por divisas”.

O senhor ministro Massano sabe isto como ninguém. Ele esteve à frente de um banco que assim actua, até hoje. Também sabe isto:

“O novo esquema de pagamentos em divisas foi subvertido com dois procedimentos. Em primeiro lugar, o Tesouro público passou a oferecer sobre o mercado de câmbios apenas as divisas que lhe sobram depois de efectuar directamente em divisas seus pagamentos devedores a não residentes, principalmente, mas não só, os credores da dívida exterior pública. Em segundo lugar, aderindo, sob pressão do FMI, à ideologia da benignidade do desendividamento público, o Governo angolano passou a efectuar, desde há algumas semanas, reembolsos da dívida pública velha superiores à contratação de novas dívidas públicas. Ora bem, a dívida pública angolana é principalmente contraída em divisas, junto de credores estrangeiros”.

Eu sou muito burro mas percebi tudo. Afinal é fácil evitar as revoltas populares. Não nos atirem aos olhos com a areia do Corredor do Lobito.

*Jornalista

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