segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Primavera Sangrenta e Degoladores -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A Rota da Energia dos EUA foi desenhada e imediatamente implantada no terreno com cuidados e artimanhas, porque coincidia com a rota francesa, traçada décadas antes por uma potência colonial que domina a África Ocidental e Equatorial. Franc’afrique e Africom correm cada um por si mas acabaram por se aliar nos pontos mais problemáticos do trajecto. Se uma quadrilha armada rouba muito, duas roubam muito mais. As populações dos países africanos saqueados continuam mergulhadas na pobreza extrema. Os exemplos mais gritantes são Níger, Burkina Faso, Mali e Chade. Tão ricos em recursos e tão mergulhados na pobreza!

No início dos anos 90 os EUA e as potências do ocidente alargado conseguiram impor no continente africano o neoliberalismo. Eleições multipartidárias foram apresentadas como a solução padra todos os problemas causados por séculos de esclavagismo, colonialismo e latrocínio. Os eleitores escolhem um governo e fica tudo resolvido porque a globalização (unificação do mundo!) traz o desenvolvimento. Angola entrou no pacote. Pressões políticas e económicas empurraram os partidos da “oposição” para vitórias eleitorais.

Na África Ocidental e Equatorial só falharam em Angola e na República Popular do Congo. Ganhou o MPLA. Para minimizar danos, Angola impôs aos investidores estrangeiros parcerias com cidadãos angolanos que tinham de ser maioritários nas sociedades.

Este clima de “mudança” pela globalização começou no Iraque a ferro e fogo. No dia 2 de Agosto de 1990 os EUA e seus vassalos europeus invadiram o Iraque, na época a mais progressista e desenvolvida potência no Médio Oriente. Em 20 de Março de 2003 o crime foi consumado. Os invasores ocuparam o país militarmente e a ocupação foi concluída com o assassinato do Presidente Saddam Hussein. Imediatamente o petróleo do Iraque inundou os EUA e as potências falidas da União Europeia. Petróleo grátis quando o barril passava os cem dólares! Ao mesmo tempo os EUA ciaram o Estado Islâmico (ISIS ou DAESH)) para destabilizar todo o Médio Oriente e a África, desde o Sahel a Moçambique. 

A Rota da Energia progredia com a resistência dos países espoliados. Os EUA criaram então as Primaveras Árabes em 2010. Foi tiro e queda. A Tunísia ajoelhou, o Egipto sucumbiu e a região da Síria rica em energia foi ocupada militarmente em 2011 pelas tropas do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) e seus degoladores do Estado Islâmico (Uma espécie da UNITA dos racistas sul-africanos). Petróleo e gás grátis!

As intervenções militares no Médio Oriente passaram para a Líbia  em 13 de fevereiro de 2011. A imposição da Rota da Energia em África começava de uma forma sangrenta. O país foi destruído, o Presidente Kadaffi assassinado. Até hoje os EUA e as potências falidas da União Europeia roubam o petróleo líbio enquanto os degoladores tentam tomar o poder. O latrocínio só foi possível porque a OTAN (ou NATO) entrou na guerra com o apoio da ONU. Mas o rato de sacristia António Guterres ainda não era o secretário-geral. O criado de serviço era Ban Ki-moon, um desgraçado sul-coreano que recebia ordens directas do Pentágono! Guterres só consegue falar com os estafetas.

A Rota da Energia foi imposta nos países do Médio Oriente pelas Primaveras Árabes. Os amantes das teorias da conspiração defendem que a crise financeira de 2008 foi criada pelo estado terrorista mais perigoso do mundo para roubar o petróleo do Médio Oriente. Pode ser que sim. A verdade é que os presidentes Ben Ali e Mubarak, aliados de Washington, foram removidos e tudo ficou sob a pata dos EUA, do Magrebe ao porto petrolífero de Bassorá no Iraque.

O Congresso dos EUA revelou que o país investiu na guerra do Iraque 802 mil milhões de dólares. Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, desmente. As suas contas são outras. O estado terrorista mais perigoso do mundo desembolsou três triliões de dólares para roubar o petróleo iraquiano. Ninguém acredita que estejam a esbanjar dinheiro.

Entre o início da guerra e o assassinato do Presidente Saddam Hussein as tropas invasoras mataram mais de meio milhão de civis. Um milhão de iraquianos fugiu do país e há mais de dois milhões de deslocados. Números oficiais! Os degoladores ao serviço de Washington não brincam em serviço. Com a “democracia” imposta pelos EUA e seus vassalos, a guerra das “milícias” já causou, entre 2006 e 2011, dois milhões de refugiados ou deslocados. Este número é da Organização Internacional de Migrações. Uma tragédia.

Na Síria a imposição da Rota da Energia já fez 470.000 mortos, um milhão de feridos e dois milhões de refugiados ou deslocados. Os EUA ocupam militarmente a região rica em energia, auxiliados pelos degoladores do Estado Islâmico que neste teatro de operações são democratas e libertadores.

A ONU estima que 7,6 milhões de sírios estão deslocadas. Se incluirmos os refugiados (muitos morrem no Mediterrâneo como “migrantes”), mais da metade da população necessita de assistência humanitária urgente.

Na guerra da Líbia o quadro é ainda mais trágico. Causou um milhão de mortos civis e os refugiados continuam. Muitos morrem no Mediterrâneo. O banditismo mediático do ocidente alargado e do estado terrorista mais perigoso mundo chama-lhes “migrantes”

Quanto custa esta guerra? Números oficiais: Os EUA investiram 2,6 mil milhões de dólares. Canadá 26 milhões. Reino Unido 400 milhões. Turquia 300 milhões. Espanha 50 milhões. Suécia 50 milhões. A Itália apoia com as bases aéreas da OTAN (ou NATO). Quando consulto nos meus arquivos estes números fico com insónias durante alguns dias. Os cidadãos os países que fazem a guerra, matam, roubam, causam milhões de refugiados conseguem consumir à custa do petróleo roubado pelos seu governos? Ravachol tinha razão: Não há inocentes. Dos líderes mundiais só o Papa Francisco está inocente deste Holocausto à vista de todos, até dos moralistas que batem com a mão no peito invocando o seu deus.

O estado terrorista mais perigoso do mundo e as potências da União Europeia tinham o petróleo angolano debaixo de olho. Manobraram junto da oposição para derrubar o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN) e exigir eleições gerais. O Presidente José Eduardo dos Santos fez-lhes a vontade. Foram esmagados. As pressões políticas continuaram e nas eleições de 2012 os senhores da Rota da Energia Roubada voltaram e perder. O MPLA registrou 71,8 por cento, elegendo 175 deputados. A UNITA conseguiu uns espantosos 18,7 por cento. 

O Presidente José Eduardo, eufórico (o que era raro…) veio anunciar que “em Angola a primavera não pegou! Eles não conseguiram”. Mas a África Ocidental e Equatorial continuou sob a mira dos senhores da Rota da Energia Roubada. A Primavera Árabe e a guerra da OTAN (ou NATO) contra a Líbia, país africano, tiveram efeitos muito nefastos. Em 2014 estoiraram conflitos armados nos países do roteiro. Todos provocados. Serviram de pretexto para Paris criar a aliança militar “G-5 Sahel” que inclui Burkina Faso, Chade, Mali, Mauritânia e Níger.

Os degoladores criados pelos EUA (Estado Islâmico, Al Qaeda e Boko Haram) ajudaram a abrir as bases militares francesas de Gao (Mali), N’Djamena (Chade), Niamey (Níger) e Ouagadougou (Burkina Faso). Os EUA construíram uma base em Agadez, Níger (Air Base 201). Dali são lançados ataques com drones em todo o Sahel.

À boleia da presença dos terroristas armados e financiados por Washington, os EUA criaram em 15 países africanos, 29 bases militares! Nenhum outro país possui tantas bases militares em África.

As operações na Air Base 201 começaram em 2019 e são a plataforma central das operações dos EUA no Níger, longe da capital Niamey, que ficou à guarda dos franceses (mercenários da Legião Estrangeira). O estado terrorista mais perigoso do mundo tem igualmente bases militares (temporárias, dizem eles…) em Arlit, Dorkou, Diffa, Ouallam. O Níger já era uma base militar de estrangeiros até ao dia 26 de Julho passado! A Rota da Energia Roubada estava implantada e de repente tudo se esfumou. Até ver.

O Africom continua a pressionar para construir uma base naval no Ambriz, o sempre adiado porto de mar que pode desencravar a província do Uíge. A região mais rica de Angola (até culturalmente!) precisa de um porto em condições. Pode ser que seja a última inauguração (no final do mandato) do Presidente João Lourenço. Estarei lá a assistir mesmo que esteja morto.

Quando era miúdo ia com o meu Pai, na camioneta, levar os sacos de café ao Ambriz. Era muito movimento e ficávamos muitos dias à espera que os batelões levassem a mercadoria para o navio atracado ao largo. E dizia o velho Queiroz: Se tivéssemos aqui um porto como o de Luanda o Congo Português era a terra mais rica do mundo. O Africom quer colocar lá uma base nava. Faço uma maka mundial. Não se atrevam.

*Jornalista

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