terça-feira, 1 de agosto de 2023

SE PORTUGAL FOSSE UM BANCO

Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Dois milhões de famílias portuguesas com crédito à habitação viram aumentar os seus encargos em cerca de 80% nos últimos dois anos, em virtude de um corpete financeiro imposto pela inflação, primeiro, e pelo Banco Central Europeu, depois. Em sentido inverso, os maiores bancos acumularam lucros astronómicos e distribuíram dividendos chorudos: só no primeiro semestre deste ano, as cinco maiores instituições obtiveram um ganho líquido de 11 milhões de euros por dia, com a Caixa Geral de Depósitos, banco do Estado, a encabeçar o pelotão dourado, ao somar 607 milhões de euros de lucro.

Os mais afoitos na diabolização primária da Banca dirão que nada disto os comove, porque os banqueiros só olham para o seu quinhão. Sempre foi assim. O bom senso não nos impede, porém, de aceitar que a Banca, como qualquer atividade económica, busca o lucro e a saúde financeira. Mas o mesmo bom senso também não nos deve tolher a perspetiva, porque uma fatia muito generosa desses lucros deve-se a um único fator e aponta no mesmo sentido: a imparável subida das taxas de juro imposta pelo BCE de Christine Lagarde, a quem os bancos podem erguer estátuas diárias em bronze à porta das sucursais que ainda não fecharam.

A Banca portuguesa capitalizou como poucas na Europa, num contexto de enorme debilidade das famílias, as quais já estão a ser obrigadas a recorrer às poupanças para acomodar a subida dos custos com a habitação. É aqui que a distorção assume a face do despudor: entre aquilo que a Banca cobrou pelo dinheiro emprestado aos clientes e aquilo que pagou pelo dinheiro que os clientes depositaram, obteve um ganho de 4,2 mil milhões. E, enquanto isso sucedia, dispensou 439 trabalhadores e fechou 79 balcões. Se fosse possível gerir o país como os banqueiros gerem os seus ativos, seríamos uma Suécia com sol, boa comida e vinho de estalo.

*Diretor adjunto

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