domingo, 3 de setembro de 2023

Angola | Tempo dos Mortos e dos Golpes – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Jonas Savimbi e os seus sacerdotes da UNITA mataram milhares de pessoas que seguiam a seita. Algumas e alguns eram papisas e papas nomeados e acalentados pelo criminoso de guerra. Outros eram familiares do chefe e dos apóstolos. Altas figuras daquele vaticano criado pelos EUA e os racistas de Pretória na Jamba foram assassinados à paulada, enterradas vivas, baleadas depois de barbaramente torturadas. 

O vaticano da Jamba foi durante mais de uma década um antro de criminosos cruéis. Ali foram cometidos crimes contra a Humanidade. Comparados com estes, o tráfico de droga, diamantes e marfim foi uma coisa virtuosa. Ainda que os deputados portugueses João Soares (Partido Socialista) Luís Nogueira de Brito (CDS) e Rui Gomes da Silva (PSD) tenham ficado todos partidos. Como diria o meu mano Bafo d’Onça, malharam com os cornos no chão. Os meus são de estimação. Nunca me meteria num avião carregado de kamanga e droga. Um homem com os cornos partidos é mais triste do que um jardim sem flores.

Em comparação com os gravíssimos crimes contra a Humanidade cometidos na Jamba, instrumentalizar crianças para a guerra foi uma brincadeira de meninos traquinas. Recordo (a memória do que nos magoa é muito curta…) que alguns “guerreiros” juvenis de Jonas Savimbi foram castrados antes de atirados para os campos de batalha ao serviço dos racistas de Pretória. Todas as crianças são nossos filhos. Todas. 

A UNITA tentou tomar o poder pela força em Luanda quando foram proclamados os resultados eleitorais em 1992. Os golpistas foram esmagados depois de matarem centenas de civis inocentes. O Governo protegeu da fúria popular dirigentes do Galo Negro e seus familiares (sobretudo deputados eleitos). Muitos foram alojados na antiga messe de oficiais do Exército Português, junto ao Ministério da Defesa. Um luxo! Entre eles estava o médico Carlos Morgado. Perguntei-lhe se sabia dos combatentes castrados. Confirmou mas garantiu-me que não teve qualquer responsabilidade nas castrações. Os outros médicos que venderam a alma à seita de Savimbi que se acusem.

No dia 1 de Junho de 1991, Jonas Savimbi e os apóstolos da seita UNITA tinham o dever de entregar às famílias as ossadas de todas as vítimas dos seus crimes. Reabilitar os dirigentes assassinados. Honrar a memória das elites femininas e seus filhos ainda crianças queimados vivos nas fogueiras da Jamba. Não fizeram nada. Pelo contrário. De conluio com o chefe dos serviços secretos militares de Pretória esconderam milhares de homens e armamento em bases secretas, instaladas no Cuando Cubango, para tomarem o poder pela força caso perdessem as eleições como perderam.

A seita perdeu essa oportunidade de ouro para se integrar na sociedade. Ajudar na construção do regime democrático. Savimbi redobrou as suas acções criminosas e o pesadelo só terminou em 22 de Fevereiro de 2002. Os apóstolos ficaram livres do satã mor da seita. Podiam nesse momento colocar um ponto final na senda do extermínio dos próprios seguidores. Fizeram o contrário. Colocaram-se deliberadamente contra a democracia ao rejeitarem os resultados dos sucessivos actos leitorais, invocando fraudes nunca provadas.

Em Angola os argumentos da “fraude eleitoral” passam impunes. Nos EUA, Trump e seus apóstolos estão a levar pesadas penas de prisão. No Brasil, Bolsonaro está em vias de provar o mesmo tratamento. Savimbi e seus apóstolos prenderam, torturaram e mataram milhares de seguidores e dirigentes da UNITA. As direcções da seita depois da morte do satã mor, nada fizeram para reparar esses crimes hediondos. Pelo contrário. Esconderam. Negaram. E prosseguiram na senda do crime. São responsáveis por sabotagens de equipamentos sociais ou económicos. A mentalidade deles nunca saiu das matas e da sede da seita na Jamba.

O Executivo entregou à UNITA as ossadas do criminoso de guerra Jonas Savimbi. Os corpos dos chefes golpistas de Luanda. Um erro dramático porque as autoridades tinham o dever de defender os interesses das famílias das vítimas do chefe do Galo Negro. Se querem fazer os funerais de Savimbi, Salupeto, Mango e outros criminosos indiquem onde estão sepultadas as mulheres e os homens que assassinaram, para as ossadas serem entregues às famílias. O erro foi cometido e agora é tarde para lamúrias.

As entidades públicas, tantos anos depois e dada a inacção dos apóstolos da seita UNITA, decidiram procurar as ossadas das vítimas de Jonas Savimbi e seus sequazes. Os erros do passado começaram a ser corrigidos. A reacção da direcção do Galo Negro é revoltante. A comissão política (chefes do gangue) “condenou veementemente” as acções de recuperação das ossadas dos que foram assassinados pelo criminoso de guerra na Jamba e noutros locais de Angola! Os assassinos estão mesmo convencidos de que são impunes. Quem lhes dá essa garantia? João Lourenço que responda.

As Constituições (Lei Fundamental de um país) têm de ser respeitadas, cumpridas escrupulosamente e defendidas. Não é só defender. Alguém explique este pormenor ao Presidente João Lourenço. Ali Bongo rasgou a Constituição do Gabão. Espezinhou Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente protegidas. Os golpistas limitaram-se a imitá-lo. Angola e o Congo nada têm a ver com isso. 

O Níger é um dos países mais pobres do mundo. Da lista de pobreza também fazem parte a República Centro-Africana, Chade, Burundi, Mali, Burkina Faso. Têm todos em comum, o facto de serem antigas colónias francesas. Estarem na rota da energia é também comum a todos. Níger é uma potência em urânio. República Centro-Africana urânio, petróleo mais ouro e diamantes. Chade petróleo. Mas os lucros vão todos para França. Burundi muito urânio mais níquel, cobalto e cobre. Mali urânio e muito ouro. Burkina Faso ouro, calcário e cobre. O Mali até agora ficava com 10 por cento das explorações mineiras. Depois do golpe fica com 30 por cento. Melhorou em termos de respeito pelo Constituição.

Nenhum governo destes países respeitou, até aos golpes de estado, a Constituição. Nenhum presidente deposto defendeu, cumpriu e fez cumprir a Constituição. Nunca os que hoje condenam os golpes criticaram essas presidentes e seus governos. Os países africanos onde existiram os golpes militares recentes são dos mais pobres do mundo ainda que sejam riquíssimos em recursos naturais. Quanto mais não seja por isso, os autores dos golpes, à partida têm razão. Vamos ver se vão colocar um ponto final n latrocínio ou se colocam novos donos nos tronos. Um conselho ao Presidente João Lourenço: Entregue a faixa de campeão da paz em África. O ridículo também mata.

*Jornalista

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