sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Angola | Os Órfãos da Mentira – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A Coreia do Norte encerrou a sua embaixada em Luanda. Durante os anos da Luta Armada de Libertação Nacional este país apoiou o MPLA com firmeza. Forneceu material de guerra e formou muitos combatentes. Sem desprimor para outros, destaco os Comandantes Eurico Gonçalves, Mário de Almeida (médico guerrilheiro) e Rui Castro Lopo. Se a Argélia, Federação Russa e a República Popular da China seguirem o mesmo caminho, temos Angola reduzida ao Corredor do Lobito, ajudando o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) a roubar as matérias-primas da região, sobretudo cobre e cobalto. Quem nos viu e quem nos vê.

A direcção do MPLA reuniu-se no Futungo II para analisar a realidade social e económica. O repórter da TPA disse que “é o partido que governa Angola”. Jornalismo sem rigor é uma espécie de kalulu sem peixe. O MPLA ganhou as eleições com maioria absoluta. Essa vitória retumbante (sozinho contra todos e uma taxa assustadora de abstenção!) permitiu que o seu cabeça de lista fosse eleito Presidente da República e Titular do Poder Executivo. João Lourenço é que governa Angola. O partido apoia esse governo com uma maioria parlamentar. Querem mesmo deitar abaixo o MPLA de Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos. Vai tudo para o Corredor do Lobito! 

Os “órfãos das vítimas do 27 de Maio” fizeram prova de vida com mais um comunicado. Quanto ao paleio, nada de novo. A questão é saber quanto receberam desta vez. Afinal a CIVICOP do golpista Francisco Queiroz é apenas isso, balcão bancário onde as “vítimas” recebem os 30 dinheiros da praxe. Ele ficou com a parte de leão. A Francisca bebe do fino e vai receber mais acima, no Palácio da Cidade Alta. É assim no Corredor do Lobito. Tudo farinha do mesmo comboio.

Os órfãos das “vítimas”, atrevidos, escrevem isto: “Nunca compreendemos como foi possível (os nossos pais) serem presos, torturados e sumariamente executados, sem direito a um julgamento justo e imparcial, na Angola independente que ajudaram a construir… Há seguramente ainda muito por desvendar sobre o que aconteceu no dia 27 de Maio de 1977, sobre os acontecimentos que o precederam e sobre a barbárie que se lhe seguiu”. 

Isto é mesmo paleio de boçal. No meu tempo do MPLA era assim: Quem não está informado, não tem direito à palavra. Como estamos no Corredor do Lobito, essa parte caiu. Agora até a Dona Vera Daves fala pelos cotovelos e tem presença permanente na TPA”.

Comigo não passarão! Os “órfãos” escrevem o que lhes meteram na cabeça. Eles próprios reconhecem que mal conheceram os pais. E são machistas! Para este boçais atrevidos, os golpistas são todos machos. Mas estão enganados. Também há mulheres golpistas. Os que tomaram de assalto a IX Brigada tinham lá dentro apoiantes que facilitaram. Os que tomaram de assalto a Rádio Nacional de Angola tinham lá dentro os seus agentes. Mas a Virinha, do Destacamento Feminino das FAPLA, foi arrombar o portão da prisão de São Paulo sem conivências no interior. Corajosa! 

Ponto de ordem. Os membros da direcção política e militar do golpe de estado militar em 27 de Maio de 1977 fizeram depoimentos escritos, que assinaram. Presentes a um tribunal marcial instalado no Ministério da Defesa, todos confirmaram o que escreveram e saiu o veredicto: Fuzilamento. É falso que tenham sido “torturados e sumariamente executados”. 

Na época existia em Angola a pena de morte. Angola estava em guerra contra a coligação mais agressiva e reacionária que alguma vez se formou no planeta. Dirigir e executar um golpe de estado nestas circunstâncias só podia dar o que deu: Fuzilamento. Os golpistas decapitaram a cúpula das FAPLA, assassinando os comandantes Eurico, Bula, Dangereux e Nzaji. 

O comandante Xyetu chefe máximo das FAPLA, escapou à morte por muito pouco. André Pitra (Petrof), comandante da Polícia Nacional (CPPA) foi preso pelos golpistas. Graças a um ardil conseguiu fugir da morte. O comissário político da Polícia Nacional, Comandante Tetembwa, andou a fugir aos golpistas nas ruas de Luanda. Ele usava o rádio da corporação porque não sabia que os golpistas tinham tomado de assalto a unidade de rádio da polícia. Era logo localizado. A sorte dele é que conhecia bem Luanda e deitou fora o rádio. O ministro da Defesa, comandante Iko Carreira, escapou in extremis, saltando de quintal em quintal. 

Eu li os depoimentos das e dos golpistas, excepto de Sita Vales e José Van-Dúnem porque foram presos mais tarde. Mas li o de Nito Alves, que estava arquivado noutra pasta, sem outros documentos. Depois de descrever os factos, assinou. Uma outra folha foi acrescentada e começa assim: “Perguntaram-me quem mandou matar os comandantes das FAPLA. Não respondi por esquecimento. Respondo agora: O José Van-Dúnem e a Sita Vales mandaram matar os comandantes”. Façam um favor a estes boçais atrevidos e mostrem-lhes os documentos escritos. Fechem o negócio das “vítimas” do 27 de Maio.

O problema do 27 de Maio é outro. Para fazer a contensão do golpe, as forças das FAPLA que combateram os golpistas, prenderam toda a gente que andava na rua. Maioria jovens mesmo muito jovens. Para mim eram mirones. O comandante Ludy disse-me que o passo seguinte era ouvir, um por um, todos os detidos. Se fosse detectado qualquer facto que os ligasse ao golpe, continuavam presos. Caso contrário iam para casa. Isso não foi feito. Mandaram os detidos para a Quibala, para o antigo CIR do Cazaje (Dala) e outros centros de detenção.

Durante o cacimbo, as temperaturas no Leste de Angola, à noite, são muito baixas. Sem abafos nem cobertores, mal alimentados, muitos morreram. Esta é a grande tragédia do 27 de Maio. Levou à extinção da DISA e à demissão dos seus responsáveis. Angola dava os primeiros passos. O Estado praticamente era as FAPLA. O edifício da Justiça estava nos alicerces. 

A contensão do golpe resultou em tragédia mas a responsabilidade é exclusivamente dos golpistas. Dos papás e mamãs dos órfãos boçais atrevidos. Só foram fuzilados os membros da direcção política e militar do golpe que reconheceram a sua participação. Jugados e condenados em tribunal marcial. Alguns reclamaram inocência e andam por aí a sacar kumbu das CIVICOP. Esses foram ouvidos por uma comissão constituída por civis que os ilibou.

Os órfãos boçais atrevidos dizem que “45 anos é tempo suficiente para se encarar a VERDADE e para o País enfrentar os seus traumas. A VERDADE ilumina e reconcilia. A VERDADE não é apenas um direito nosso enquanto filhos, ou um direito das famílias. A VERDADE é um imperativo nacional. Não conseguiremos ultrapassar esta tragédia e aprender com ela se continuarmos a recusar-nos a enfrentar verdadeiramente os factos”. A VERDADE, meninas e meninos, é que os vossos pais e mamãs desencadearam um golpe de estado militar. Por isso foram fuzilados, conforme as leis em vigor na Justiça Militar e Civil. 

Agora leiam esta parte do meu livro 27 MAIO 77: “A 25 de Fevereiro de 1977, Agostinho Neto teve um encontro com os embaixadores acreditados em Angola. Alertou-os para aquilo que considerou muito grave: “Mobutu está a preparar um dispositivo militar que ameaça Angola. A FNLA, a FLEC, o ELP (Exército de Libertação de Portugal, organização de extrema-direita portuguesa) e mercenários, vão participar numa operação de grande envergadura contra a República Popular de Angola no último trimestre deste ano. A invasão tem como nome ‘Operação Cobra77’ (também denominada Operação Natal em Angola) com o envolvimento de meios aéreos e terrestres e que está marcada para Setembro ou Outubro a partir de um ataque contra Cabinda dirigindo-se depois para o Sul. O responsável pelas operações militares é o coronel Georges, especializado em Saint-Cyr, França. Participam também no comando, os coronéis Mike Brown, Johnson e Thompson. Brown e Johnson, militares norte-americanos, foram oficiais dos ‘boinas verdes’, forças especiais dos Estados Unidos na década de 1960. Thompson foi oficial da 82ª Divisão Aerotransportada dos Estados Unidos da América”.

As vossas mamãs e papás tinham pressa de ir ao caldeirão do funje. Cometeram muitos erros. De tal forma que Nito Alves e José Van-Dúnem foram expulsos da direcção do MPLA, na sequência de um inquérito, destinado a apurar se existiam actividades facccionistas no seio do partido. José Eduardo dos Santos conduziu o inquérito, por indicação de Nito e Zé Van-Dúnem. Conclusão: Sim, esses camaradas são fraccionistas! Leiam o inquérito urgentemente para não escreverem aldrabices.

Com a cabeça do golpe fora das estruturas dirigentes, os golpistas não esperaram pela “Operação Cobra” ou “Natal em Angola” e avançaram em 27 de Maio de 1977. Por pouco ganhavam. O Comandante Onambwe e outros combatentes valorosos derrotaram os golpistas. Nessa parte ninguém cometeu erros.  

As vítimas dos golpistas, além dos comandantes assassinados mais o ministro das Finanças, Saidy Mingas, o nacionalista Hélder Neto, do Ministério da Defesa e o diplomata Garcia Neto, foram esses miúdos que nada tinham a ver com as actividades golpistas e acabaram por morrer. Depois de aturada investigação concluí que morreram 172 pessoas. 

Os órgãos dos golpistas podem dividir o kumbu que sacam da CIVICOP com familiares dessas vítimas inocentes. É um acto de justiça. O Estado Angolano devia fazer o mesmo mas não faz, dinheiro é só para o banditismo político. O pessoal da orfandade não queira fazer-se passar por elefantes porque não passam de formigas mal cheirosas.  

Tomem nota. Os apoiantes do golpe de 27 de Maio de 1977, em 1992 fizeram um partido (PRD) que serviu de guarda-chuva aos restos da Revolta Activa e aos maoistas de cátedra que antes eram dos Comités Amílcar Cabral e outras instituições. Sabem o que deu? Um deputado eleito. Nas eleições seguintes, o partido foi extinto por falta de votos. Vocês não representam nada. São apenas beneficiários dos golpistas que agora se governam no Corredor do Lobito.

* Jornalista

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