sexta-feira, 24 de novembro de 2023

AS DIREITAS RADICAIS NO PARLAMENTO EUROPEU

Riccardo Marchi* | Diário de Notícias | opinião

A vitória inesperada do partido PVV de Geert Wilders nas eleições holandesas de 22 de novembro trouxe à tona novamente o debate sobre o crescimento da direita radical na Europa. O resultado holandês segue-se à conquista da liderança do governo italiano por Giorgia Meloni, em setembro de 2022 e à consolidação, no pódio das sondagens, de partidos congéneres como o Rassemblement National de Marine Le Pen em França, a AfD na Alemanha, o Chega em Portugal. A dinâmica geral não é travada por resultados menos favoráveis como a derrota do Vox nas legislativas espanholas de julho de 2023 ou a perda do governo pelo PiS, nas legislativas polacas de outubro de 2023.

Tudo indica que as próximas eleições europeias de junho de 2024 possam replicar o êxito da direta radical de 2014, só parcialmente atenuado em 2019. O Parlamento Europeu foi sempre um dos palcos privilegiados de crescimento da direita radical. Se nas primeiras eleições europeias de 1979, um único partido de direita radical acedeu ao hemiciclo de Estrasburgo - o Movimento Social Italiano (MSI), com cinco deputados -, as últimas europeias de 2019 viram a eleição de 135 deputados radicais, equivalentes a 18% dos assentos disponíveis. Contudo, este conjunto de eurodeputados em crescimento constante nunca representou um bloco monolítico. Na última década, os partidos afetos a esta família política deram vida a três grupos diferentes, com composição variável e em concorrência mútua. Atualmente, dois são os grupos europeus da direita radical: o grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) e o grupo Identidade e Democracia (ID). Fundado pelos conservadores britânicos em 2009, o ECR passou a ser dominado pelos polacos do PiS, após a saída dos deputados do Reino Unido com o Brexit e a ter como pontas de lança os Irmãos de Itália de Meloni e o Vox de Santiago Abascal. Impulsionado pelos franceses do Rassemblement National e pelos italianos da Liga, o ID hospeda partidos em ascensão como o holandês PVV, o alemão AfD e, desde junho 2020, o Chega. Os dois grupos têm pontos em comum, mas também diferenças que não permitem falar de uma agenda unívoca e que dificultam a criação de um grupo único. As semelhanças entre ECR e ID assentam em três pontos: a rejeição do projeto federalista europeu, em defesa das soberanias nacionais; a mudança de paradigma nas políticas migratórias da UE, rumo à defesa concertada das fronteiras externas da Europa; a oposição à agenda progressista em matérias polémicas como as alterações climáticas, os direitos das minorias sexuais, as políticas de género, o multiculturalismo.

Fortes são, contudo, as diferenças. O ECR guia-se pelo chamado eurorrealismo: a necessidade de dialogar com atores e instituições europeias, com o intuito de desarticular o eixo entre Partido Popular Europeu (PPE) e Sociais-Democratas (S&D), em prol de um novo eixo entre PPE e ECR que modifique o rumo de Bruxelas em temas relevantes. O ID, pelo contrário, mantém ainda uma retórica de confrontação com Bruxelas, contestando até a legitimidade democrática de instituições como a Comissão Europeia. Após o Brexit, o ID moderou o tom acerca da saída da UE ou da moeda única, mas mantém um euroceticismo mais acentuado que o ECR.

Em política europeia, ECR é favorável ao alargamento da UE aos países de Leste, através do mercado comum e as suas políticas económicas liberais. O ID, pelo contrário, opõe-se ao alargamento, por considerá-lo um instrumento de PPE e S&D para controlar o projeto europeu através da dependência dos novos Estados membros e um agravar financeiro ulterior para os países contribuintes líquidos da UE.

Na política internacional, o ECR apoia claramente o atlantismo: colaboração com os Estado Unidos e fortalecimento do papel da UE na NATO, inclusive para o seu alargamento a Leste. Emblemático disso é o apoio incondicional do ECR a Kiev, na guerra russo-ucraniana. O ID, pelo contrário, alberga sensibilidades críticas da subserviência da UE à política norte-americana. Desde o começo da invasão russa, o grupo moderou as declarações de proximidade ao regime de Putin, mas afasta-se também da solidariedade incondicional de Bruxelas com o regime de Kiev. A recente crise israelo-palestiniana esmoreceu a divergência entre ECR e ID, graças ao apoio tradicional ao Estado de Israel.

No Parlamento Europeu, os dois grupos votam frequentemente em conjunto sobre os temas mais polémicos e colaboram pontualmente em eventos comuns. Contudo, a hipótese de um grupo europeu único entre todos os partidos de direita radical continua bastante improvável. A história avança e algumas crises recentes corroboram esta ideia. A guerra russo-ucraniana, por exemplo, enfraqueceu a aliança entre o PiS polaco e o Fidesz húngaro no Grupo de Visegrado e as críticas de Viktor Orbán à posição de Bruxelas perante o conflito resfriaram os entusiasmos em relação ao seu papel de unificador dos partidos soberanistas europeus.

*Professor e investigador no ISCTE

Ler/Ver em Diário de Notícias:

Chega recebe partidos de direita radical em Lisboa. Le Pen é grande destaque

O encontro tem o mote "Em direção a uma Europa de Cooperação", e é promovido pelo grupo político europeu Identidade e Democracia (ID).

Esta não é a primeira vez que a responsável de extrema-direita estará com o Chega ou numa ação de apoio ao partido. Em 2021, dizia ao DN (aquando da vinda a Portugal para apoiar a candidatura presidencial de André Ventura), que o presidente do Chega - e à altura único deputado - era alguém com "capacidade para unir o povo português", alguém "corajoso". (Ler mais)

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