terça-feira, 21 de novembro de 2023

Eu Vi Gaza em Angola -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As milícias de colonos israelitas foram armadas pelo ministro da Segurança Interna e matam palestinos na Cisjordânia. Destroem ou incendeiam as suas casas. Expulsam-nos das suas terras. Angola 1961. O mesmo quadro horripilante. O governador Hélio Felgas armou os colonos e começaram a matança dos negros numa punição colectiva às acções dos guerreiros da UPA, nas fazendas e pequenas vilas do interior. Eu vi Gaza no Uíge! Rever esses massacres causa-me profundos vómitos. O mesmo racismo, o mesmo ódio em espuma.

A aviação israelita já destruiu meia cidade de Gaza. Reduziu o norte do território a escombros porque Israel tem o direito de se defender. Nos últimos dias, o número de mortos civis saltou paras 15.000 (cadáveres contados) dos quais 5.000 crianças e 8.000 mulheres. Estes números não incluem os corpos soterrados nos escombros. Angola 1961. A aviação portuguesa destruiu as aldeias do Norte, à bomba. Civis que fugiam dos massacres dos colonos eram bombardeados e seus corpos destroçados. Eu vi Gaza no Uíge. Tenho vómitos constantes.

As autoridades coloniais diziam que foram apanhadas de surpresa com o 15 de Março de 1961. Mas tiveram em 1958 a revolta do Bungo, liderada por activistas da UPA. Tiveram a revolta de Catete. A revolta da Baixa de Cassanje. A Revolução do 4 de Fevereiro. Eles sabiam de tudo. Por isso no ano de 1958 começaram a construir a base aérea do Negage. Criaram no Toto um aeródromo com aviões de reconhecimento (Dornier) e aviões de guerra T-6. 

Em 1960 o Toto recebeu uma companhia de “caçadores especiais”. Os soldados vestiam camuflados. Aquela unidade protegia as grandes fazendas do Vale do Loge. Ainda decorriam as primeiras operações na Grande Insurreição de 15 de Março de 1961, sob o comando do meu amigo Margoso, já estava instalado em Luanda (Belas) o Regimento de Caçadores Paraquedistas. Eles sabiam de tudo. O governo nazi de Telavive sabia do 7 de Outubro!

Os aviões bombardeiros PV2 levantavam voo da base do Negage, inaugurada poucos meses antes, e despejavam bombas sobre as aldeias e as multidões que fugiam da guerra em direcção ao Congo (Kinshasa), independente um ano antes. Os bombardeamentos só paravam quando acabavam as bombas. Mas rapidamente os EUA forneciam mais aos colonialistas e fascistas de Lisboa, hoje de novo no poder. O Afilhado Célito vinga seus ancestrais! Fazem-me vomitar. O governo nazi de Telavive faz a mesma coisa. Os mesmos argumentos. As mesmas aldrabices para justificar o genocídio na Palestina. Tenho vómitos permanentes.

Passados os primeiros 40 dias de massacres no Norte de Angola a força aérea portuguesa começou a bombardear com aviões de guerra a jacto. Mais rápidos, mais eficazes, mais mortíferos. Os helicópteros entraram em acção com os seus canhões e metralhadoras. Transportavam pequenas unidades de paraquedistas, tropa da OTAN (ou NATO) .

O chão dos massacres foi os Dembos. Mas logo subiram mais e cada vez mais. Negage, Bungo, Mucaba, Damba, Alto Cauale, Milunga (Santa Cruz/Macocola), Puri, Quimbele, Quitexe, Sanza Pombo, Songo, Buengas, Maquela do Zombo. Aviação portuguesa e tropa terrestre fizeram desse chão sagrado da Pátria, imensos cemitérios. Continuo a vomitar. Hoje a força aérea israelita e as tropas terrestres fazem o mesmo mas numa franja com 40 quilómetros de comprimento e dez no ponto mais largo. O nosso município de Viana é quatro vezes maior. A área metropolitana do Porto é oito vezes maior mas tem metade da população!

Os Media em Angola mentiam desalmadamente. Publicavam fotos de pretensos massacres da UPA. Alimentavam a raiva e o ódio dos colonos. Mostravam fotos de negros estendidos no chão, corpos destroçados pelas bombas, apresentados como “bailundos” (contratados), também vítimas dos guerreiros da UPA. E eu que vi tudo sentia vómitos.

O Jornal Haaretz, israelita, acaba de pôr ordem nas mentiras. Helicópteros “Apache” israelitas dispararam sobre civis que fugiam dos combatentes do HAMAS, que nem sabiam do festival de música. Em Angola aconteceu o mesmo. Pequenas vilas do interior, ocupadas pelos guerreiros da UPA, foram bombardeadas impiedosamente pela aviação portuguesa. Mataram os civis reféns. Só o ódio os guiava, mais ninguém. Depois choravam as “vítimas dos terroristas”. E eu vomito, até hoje. Estava a preparar tudo para me despedir em grande da vida e puseram o genocídio na Palestina no meu caminho. Vou vomitar até morrer.

A Organização Mundial de Saúde entrou no Hospital Al Shifa, na cidade de Gaza, e um dos seus peritos fez esta declaração: É uma zona de morte! Os médicos e outros técnicos de saúde foram obrigados a abandonar as instalações com armas apontadas à cabeça. Ficaram 190 doentes e algumas dezenas de bebés prematuros. Todos destinados a morrer. Continuo a vomitar. Em Angola os genocidas visíveis eram apenas os colonialistas portugueses. Na Palestina é o mundo todo. Não aguento tanto vómito.

O ministro das relações exteriores de Israel (antes era ministro da “Inteligência”) declarou: No final da guerra Gaza é um deserto sem ninguém. Anunciou que a limpeza étnica vai até ao último palestino. Ninguém se indignou. Ninguém reagiu. E eu a vomitar.

Netanyahu gaba-se do genocídio e garante que vai continuar até ao fim. O dono em Washington diz que no final da guerra, Gaza tem de ser administrada por palestinos. Ele diz que não. Isso de Palestina acabou. Ele anunciou este genocídio na ONU, quando mostrou um mapa da região só com Israel. Apagou a Palestina. Agora extermina os palestinos. O trio assassino Biden, Blinken e Austin esfrega as mãos de satisfação. Manda mais bombas. Mais armas. Mais dinheiro. Em Angola, ano de 1961, os EUA fizeram exactamente a mesma coisa. E eu a ver. Continuo a vomitar.

Os Media do ocidente alargado já dizem que o HAMAS não pode entrar na equação dos dois estados (Israel e Palestina) porque é radical. O governo nazi de Telavive também não admite a existência da Palestina. Extermina os palestinos. Mas pode entrar em todas as equações. Os nazis são os matadores de serviço. Nada de novo. O general Spínola encontrou-se com o presidente Nixon na Base das Lajes, Ilha Terceira, Açores, Tomaram uma decisão: O MPLA não pode fazer parte do processo de descolonização porque é comunista. Radical! 

Algum tempo depois, o mesmo Spínola encontrou-se com Mobutu na Ilha do Sal, Cabo Verde, e combinaram todas as acções políticas e militares para afastar o MPLA do processo que ia levar à Independência Nacional. Eu vi Gaza em Angola. Continuo a vomitar.

* Jornalista

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