sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Lugar das Crianças É na Prisão -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O xis é como o imperialismo, tem várias leituras, muda de pele como a cobra surukuku. O colonialismo é igual. Em criança descobri as suas mais horrendas faces: Racismo, trabalhos forçados, brutalidade insana, desumanização dos angolanos. Na adolescência o sistema refinou-se. Passou da brutalidade à hipocrisia. Mudaram as moscas mas a porcaria era a mesma. Quando aprendi (obrigado, meu caro Mesquita Brehm) que só existimos se existir o outro, lutei com unhas e dentes para existir. E isso só era possível se os outros tivessem pelo menos o que eu tinha. A Justiça é a força da Liberdade. Sem igualdade até a Lua fica triste.

Ainda miúdo andava com meu Pai de aldeia em aldeia na “permuta”. Como não tinha casa comercial aberta, a camioneta fazia de loja. Percorríamos todas as picadas e “estradas” entre o Negage e a fronteira de Kimbata. Fazíamos a “corda” do Negage ao Puri e depois Kangola, Makokola e Kalandula, onde havia o melhor bombô do mundo, artisticamente embalado em “salalas”. Em Sanza Pombo era o arroz. E na estação da Chuva o que viam estes olhinhos com quatro ou cinco anos? Vou contar.

Entre o Negage e o Uíge a picada tinha o Morro das Pedras. Os aguaceiros esventravam a faixa de rodagem. Então as “autoridades” faziam rusgas nas sanzalas com o pretexto de cobrar impostos. Pagou o imposto do cão? Não pagou. Filhas e filhos menores vão trabalhar na brigada da estrada. Pagou o imposto da filha? Não pagou. Todas as crianças da família vão tapar os buracos da picada. Pagou o imposto da comida com molho? Não pagou. A família toda vai tapar buracos e “ravinas” abertas pela chuva. Tem máquina de costura? Paga imposto. Não tem dinheiro? Vai trabalhar na estrada.

As crianças eram amarradas com cordas, pela cintura, e partiam em fila para as picadas, devidamente vigiadas pelos sipaios. Uma kinda na mão para carretarem pedras e terra. Se ficavam cansadas e paravam, levavam chicotadas. Os adultos tinham o mesmo tratamento. Assim os colonialistas tratavam as nossas crianças. Escola para negros só nas missões. 

O mundo ficou a saber que os nazis de Telavive têm crianças palestinas reféns nas suas masmorras. Como os palestinos são semitas, eis a prova mais repugnante de antissemitismo. Um adolescente palestino com apenas 14 anos foi preso pelos ocupantes. Tem 23 anos e continua na prisão. Se tudo correr bem, o refém que passou a adolescência enclausurado pelos sionistas, vai ser trocado por reféns israelitas.

O HAMAS troca os seus reféns pelos reféns de Israel. Na primeira troca só quer mulheres e crianças. Isso mesmo. Os nazis de Telavive têm crianças palestinas na prisão! O mundo exultou com a trégua que vai permitir a libertação de reféns. Mas ninguém questionou a repugnante realidade. A potência ocupante da Palestina tem crianças palestinas reféns nas suas prisões. Mundo asqueroso que não merece as mulheres e homens que lutaram e ainda lutam pela Liberdade. Pela Dignidade. Pela honra da Humanidade.

A agência da ONU UNICEF acaba de declarar que a Faixa de Gaza é o lugar mais perigoso do mundo para crianças. Tem razão. Mas é uma verdade parcial. Toda a Palestina ocupada pelos nazis de Telavive é um perigo para seres humanos. São todos reféns! O nazismo sionista é mais cruel e desumano do que o nazismo hitleriano. Muito mais!

No ocidente alargado, as lideranças políticas garantem com os olhos em alvo que Israel é uma democracia. Um país que ocupa outro é democrático. Um país que prende crianças e as mantém reféns na cadeia anos e anos é um oásis da democracia. Um país que pratica o racismo e o apartheid é um exemplo de democracia. O parlamento de Israel está em vias de aprovar uma lei que pune com pena de morte os palestinos que não se submetem aos ocupantes! Em Angola era assim: Morte aos pretos que não se deixam roubar, escravizar, humilhar. Eu vi. Eu senti. Eu vivi o racismo dos ocupantes colonialistas. 

A África do Sul continua a honrar a solidariedade do Povo Angolano, desde Agostinho Neto à estrondosa vitória na Batalha do Cuito Cuanavale, sob o comando supremo de José Eduardo dos Santos. O parlamento acaba de aprovar o corte total de relações com Israel enquanto não parar o genocídio na Palestina. O ocidente alargado chama “guerra” a uma limpeza étnica. Ao assassinato de civis indefesos.

Na bianal (Neto Júnio/João Lourenço) de Luanda o Chefe de Estado falou do “alcance da independência” e do “conflito entre filhos da mesma pátria”. Sua excelência estava ligeiramente distraído. A independência de Angola não foi “alcançada”. Foi conquistada a ferro e fogo. Um pouco de respeito por quem se bateu na Luta Armada de Libertação Nacional e na Guerra pela Soberania e Integridade Territorial, não fica mal a ninguém. Nem aos bianais.

Quanto ao conflito entre filhos da mesma pátria, era bom que a bianal passe rapidamente a bienal e chamem os Generais Kianda e Zumbi para eles falarem dos agressores. Dos invasores estrangeiros. E se eles se sentem filhos da pátria dos karkamanos. Dos racistas da África do Sul. Perguntem aos Generais Mbeto Traça, Luís e António Faceira se na Grande Batalha do Ebo lutaram contra invasores estrangeiros ou filhos da mesma pátria.

Chamem o General Nando Cuito e ele que fale dos invasores estrangeiros. Que diga como milhares de angolanos tombaram na defesa da integridade territorial e da soberania nacional. Se o exército invasor tinha filhos da nossa pátria. Não tinha. Apenas ajudantes de segunda linha para fingirem que o conflito era entre irmãos. Porque a UNITA foi isso, um pretexto para esmagar o Povo Angolano e submeter Angola ao regime racista de Pretória. 

Na bianal parece que estão artistas oriundos do Leste de Angola. A TPA diz que representam o “povo tchokwe”. Os burlões do Protectorado Português da Lunda Tchokwe agradecem a ajuda. Para o canal público de televisão não somos um só Povo, uma só Nação. Isto não é incompetência. É traição.

Uma artista que está na bianal foi destacada porque produziu um retrato tipo passe de João Lourenço, com umas manchas coloridas na rosto. Está salvo o sucesso da organização. E como morreu António Moreira, rei do Chingolo, para a bianal acabar em grande, a organização devia encerrar com uma petição: João Lourenço a rei do Chingolo! Quando acabar o seu mandato em 2027 temos rei. O mobutismo no Zaire era uma brincadeira de crianças comparado com o nosso que estamos com ele. 

* Jornalista

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