sábado, 23 de dezembro de 2023

Angola | As Vaporosas e o Espírito de Natal -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Luanda era uma cidade de extremos. Entre os musseques e a cidade de asfalto existia um mundo de segregação racial e social, injustiça, dominação, desumanização. De um lado as vítimas do colonialismo, do outro os beneficiários do sistema que tinha muito de apartheid. Até mesmo entre os privilegiados do asfalto existiam diferenças. No Miramar, Bairro do Café e depois de 1961 no Alvalade estavam as elites colonialistas. No Bairro Madame Berman ou nas duas versões do Bairro Popular, os brancos pobres. Até os cabarés reflectiam essa sociedade doentia e concentracionária.

No Rex, o mais rosqueiro cabaré de Luanda, num largo escondido do Bairro de São Paulo, paraíso de mestiços e brancos desclassificados, as empregadas eram putas. Na Tamar eram vaporosas. No Bambi e no Marialvas as meninas que se despiam eram bailarinas frívolas. Na Tamar eram estrelas internacionais. Rex e Copacabana não tinham estatuto para o espectáculo da madrugada com strip-tease. Não havia espaço para orquestra nem palco. O Rex só tinha um trio que tocava mambos, boleros, rumbas e chá-chá-chá. O líder era marreco e muito meu amigo. Tocava bateria como ninguém. Noite doce noite só eu sei quanto custa viver.

Por altura do Natal a música era mais para o “slow” e os pares dançavam coladinhos. Uma noite entrei no cabaré Bambi, mesmo no momento em que o chefe do conjunto musical anunciava: E agora, senhoras e senhores, variedades! 

Entrou no palco uma cantora desafinada. Depois um cantor canastrão. E por fim a bailarina frívola começou a despir-se ao som de um tango de Gardel. A minha dama de companhia comentava cruelmente a falta de jeito da bailarina. E o seu corpo: Já viste, é uma pançuda! Olha para aquilo, parece paralítica! 

Quando o espectáculo acabou, fiquei a saber que a menina aspirava ser bailarina frívola. E fez-me um desafio: Se me queres tirar desta vida (fazia essa promessa a todas mesmo fora da quadra natalícia), arranja-me um contrato para fazer strip-tease!

Sou homem de desafios. Na noite seguinte fui ao Rex e propus ao marreco jazzbandista que criasse condições para um espectáculo de “strip”. O estrado  era pequeno, só cabia lá o guitarrista, o baterista e o contrabaixista. Mas com jeito arranjava-se um espaço para a menina se despir. Assim me tornei agente artístico.

A minha protegida gostava muito de beber. E quando estava bem aviada tinha imprecisões ao nível do gesto. Depois de muita luta ela foi contratada. Os músicos foram encostados à parede e a frente do estrado ficou livre para a dança erótica. Como o espectáculo começava à uma da manhã, a essa hora ela já tinha pelo menos dez grãos nas asas e abanava um pouco. Ia contra o contrabaixo, batia nos pratos da bateria, mas emendava muito bem. Com graça e elegância!

O problema veio donde não esperávamos. Os clientes tinham tão baixo nível que mexiam na bailarina enquanto ela se despia. E ela varria-os com chapadas sonoras. Insultos soezes. Cada cena de “strip” acabava em guerra civil. Lá se foi o espírito de Natal e a minha protegida ficou sem trabalho. Desafios são desafios! Falei com o senhor Coutinho, gerente da Tamar, e consegui convencê-lo a contratar a minha protegida. Estreou-se, faz esta noite muitos, muitos anos. Já era uma vaporosa e de bailarina frívola foi promovida a estrela internacional. Sempre fui assim, perco-me por fazer boas acções. Acho que dava um bom escuteiro. 

Imbuído no espirito de Natal, vou oferecer informações preciosas a quem dirige o Jornal de Angola, a Rádio Nacional e Televisão Pública de Angola.

A regra fundamentalíssima no audiovisual é esta: Se o som ou a imagem não estão em perfeitas condições, não vão para o ar. Porque são ruído e não informação. A TPA Notícias emite diariamente com graves problemas técnicos. O som e a imagem não batem certo, estão escandalosamente dessincronizados. É ruído permanente. O Estado investiu milhões na reconversão tecnológica e agora temos erros insuportáveis. O produto final não tem condições para ser consumido. Se não estivesse rendido ao espírito de Natal avançava já para a denúncia de gigantesca corrupção. Quem torrou tanto dinheiro para nada? 

Ontem, 22 de Dezembro, passou mais um aniversário do Acordo Global de Paz, assinado em Nova Iorque, por Angola, Cuba e África do Sul. Foi um dos mais importantes acontecimentos da História de Angola Contemporânea. Mas também da História Universal. Contributo inestimável do Povo Angolano para a Libertação da África Austral. Primeiro derrotando o regime de apartheid na Batalha do Cuito Cuanavale. Depois com a assinatura do acordo que foi mais uma capitulação dos racistas de Pretória. Libertação de Nelson Mandela. Libertação da maioria negra da África do Sul. Independência da Namíbia.

Nos Media existem as secretarias de Redacção, órgãos fundamentalíssimos na produção quotidiana. Só jornalistas seniores, de larga experiência, dão conta dos desafios que se colocam a estes serviços. São os profissionais que constroem a Agenda. Mas não é uma agenda de recados, auxiliar de memórias. A Agenda nos Media é elaborada na perspectiva da antecipação do acontecimento, previsão da notícia. Se o Jornal de Angola, a RNA e a TPA tivessem uma Agenda digna desse nome, não tinham ignorado o 22 de Dezembro, como ignoraram. Esta falha é mais grave, porque alguns protagonistas angolanos que participaram nos Acordos de Nova Iorque ainda estão vivos e, espero, de boa saúde.

Se este vosso criado não estivesse imbuído no espírito de Natal dizia já que os Media públicos e privados sói ignoraram o 22 de Dezembro, o Acordo Global de Paz assinado em Nova Iorque há 35 anos, porque não podem atribuir esse aconteciment6o ao Presidente João Lourenço. Angola só existe desde que ele chegou ao Palácio da Cidade Alta em 2017. 

Os efeitos da reunião entre João Lourenço e o assassino de crianças e Mamãs, antigamente angolanas agora palestinas, Joe Biden, estão bem visíveis nesta quadra natalícia. Ontem foram distribuídos os prémios Angola Education Awards. Imbuído no espírito de Natal informo os mobutistas de serviço que Angola é um país que tem o Português como língua oficial. Se não vos chega, usem uma Língua Nacional. Kimbundu: Ngola Milonge ia Musendu. Kikongo: Ngola Malongi  ma Nsendu. Mas a língua do assassino de crianças e Mamãs, não.

Mais um efeito da conversa na sala oval. Angola abandona em Janeiro a OPEP. Diamantino Pedro Azevedo, ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, anunciou ontem o desenlace, com uma pose de quem os tem no sítio: “Foi uma decisão ponderada e reflectida!” Senhor ministro, isso é o óbvio ululante. Dos ministros espera-se que sejam ponderados e capazes de reflectir. Nós queremos saber porquê! O que levou a essa medida radicalíssima e altamente penalizadora para Angola.

 Se não explicar, corre o risco de entrar para a minha lista dos corruptos. Se eu não estivesse imbuído no espírito de Natal dizia já que João Lourenço recebeu ordens do assassino Joe Biden para abandonar a OPEP, organização que faz frente aos interesses dos EUA. Washington sonha impor aos produtores e exportadores de petróleo os preços e as regras que convêm aos seus negócios e às suas guerras. Angola abandona a companhia, em África, da Argélia, República do Congo (Brazzaville) Gabão, Guiné Equatorial, Líbia e Nigéria. De prémio, João Lourenço em 2024 volta a ter cinco minutos de fama na sala oval com Joe Biden, o assassino de crianças e Mamãs, primeiro em Angola e agora na Palestina. Haverá corrupção nisto? 

O Executivo aprovou o Acordo de Subvenção Visando Metas de Desenvolvimento entre Angola e os Estados Unidos da América (EUA) durante a última sessão ordinária do Conselho de Ministros, “orientada” pelo Presidente da República, João Lourenço. Estando este vosso criado imbuído no espírito de Natal não vou dizer que o protectorado Angola está de pedra e cal sob a pata do estado terrorista mais perigoso do mundo. Em 2024, sua excelência o Presidente da República e a Primeira-Dama vão participar na entrega dos prémios Angola Submission Awards. 

Feliz na tola e boas festinhas no corpo todo. Eu passo. Não tenho jogo para isso.

* Jornalista

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