quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Angola | Corrupção em Versão Pornográfica -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Calma aí. Não pensem que passei para a turma dos que fazem as piores patifarias em nome do combate à corrupção. Continuo a pensar que o sistema capitalista (economia de mercado) é uma maquineta infernal que só funciona se tiver no depósito o combustível formado por três componentes: exploração de quem trabalha, corrupção (todas as grandes fortunas resultam de um qualquer conluio com o Estado) e o roubo que pode ir até às formas violentas de latrocínio. Este quadro horrendo é pintado com a democracia representativa. As vítimas escondem-se numa cabine, colocam uma cruz num papelito, dobram-no muito bem e colocam-no numa urna. Assim escolhem os seus carrascos!

Combate à corrupção onde impera a economia de mercado é uma forma de nos atirarem areia aos olhos. Ajustes de contas entre clientelas que suportam os políticos de turno no poder. Confisco das liberdades, direitos e garantias. Triunfo do banditismo político. Amarrar os cidadãos à trela de salários miseráveis, prestações sociais insultuosas. Justiça Social reduzida à expressão humilhante da caridadezinha. Combate à corrupção num regime de economia de mercado uma forma der anestesiar revoltas e confiscar o direito à desobediência civil. 

Em Angola o combate à corrupção entrou em modo de pornografia. Bem vistas as coisas, já não estamos no mobutismo. Muito, muito longe desse regime criminoso. Estamos mais próximos das ditaduras de opereta protagonizadas pelo imperador Bokassa ou Idi Amin. Em alguns casos até ultrapassámos esse limite. 

Querem mesmo combater a corrupção? Chamem à pedra o Doutor Tuti Fruti, o Aguinaldo Jaime, o Álvaro Sobrinho, os mentores do Carrinho e tantos outros serventuários de quem domina o poder económico, que submete os políticos aos seus caprichos e negociatas. Só o MPLA tem condições para travar essa batalha.

Fundação Gianni G. Martins, constituída a 24 de Janeiro de 2020, com o “objectivo fomentar o gosto pela leitura e pela escrita, defender e valorizar a Língua Portuguesa, incentivar a criação literária, premiar novos autores e divulgar as obras com o nível de excelência que se exige”. O fundador é Gianni Gaspar Martins, filho do presidente do Conselho de Administração da SONANGOL, o Pai Querido. Corrupção pornográfica.

A Comissão da Carteira e Ética continua sem autonomia financeira. O Ministério das Finanças condiciona as actividades deste importantíssimo instrumento para regular e valorizar o Jornalismo Angolano. A jornalista Luísa Rogério, presidente da instituição, garante que não vai desistir. Haja quem lute contra a corrupção pornográfica. Mas há muita falta de comparência da classe. Querem o Jornalismo amestrado.

Televisão Pública de Angola. Ontem, o jornal das 20 horas abriu com uma “reportagem” na Jamba onde a CIVICOP anda à procura das ossadas de altas figuras da UNITA e seus familiares, assassinados por Jonas Savimbi. Durante 29 minutos fomos brindados com o mais nojento exercício de falsificação do Jornalismo. Propaganda pornográfica pensada por Fernando Garcia Miala e executada pelos seus serventes que usurpam o título de jornalistas.

Hoje no jornal das 13 horas repetiram a dose mas foi prolongada com mais três minutos de paleio de um tal José Paquissi Mendonça, agente de quinta classe do Miala. Um nojo.

Habilidosamente mostraram imagens de Nito Alves, Zé Van-Dúnem ou Bakalof, golpistas do 27 de Maio de 1977, com as de Tito Chingunji e Wilson dos Santos mais as esposas e filhos menores. Corrupção e pornografia inqualificável. Aquela coisa nojenta encerrou com um pedido de desculpas de João Lourenço, “em nome do Estado”. Mobutu, Bokassa, Idi Amin não faziam melhor. Pornografia abjecta.

Entre os assassinados por Jonas Savimbi estão pelo menos dois angolanos de excelência. António Vakulukuta, que conheci em Grenoble. Um nacionalista excepcional. Quem o conheceu sabe o que Angola perdeu quando o criminoso de guerra o assassinou. Uma perda irreparável. Wilson dos Santos. Integrou o Governo de Transição em 1975. Entrevistei-o e ficámos amigos. Um jovem inteligente, com uma formação política muito acima da média. Um dia disse-lhe que se todos os membros da UNITA fossem como ele, Angola numa década entrava na lista dos países mais desenvolvidos do mundo. Seguiu Savimbi e foi assassinado. 

Por favor, não façam pornografia à custa dos hediondos crimes de Jonas Savimbi e seus matadores. Nem digam que são os familiares dos dirigentes e militantes assassinados que querem estas agressões aos nossos sentimentos. Isso é corrupção em modo pornográfico.

Corrupção abaixo de sarjeta está hoje estampada num artigo de opinião no Jornal de Angola. Um tal Venceslau Valente Mário assina um texto onde endeusa Henry Kissinger. Sim, esse que causou banhos de sangue, do Vietname ao Chile, do Brasil a Timor-Leste, da Operação Condor (extermínio de democratas na América Latina) a Angola. Kissinger é um dos responsáveis pela morte de milhares de civis angolanos. 

No texto hoje publicado na página de opinião do Jornal de Angola, o autor escreve isto: “ Após a independência em 1975, o MPLA do Presidente Neto, firmou alianças com União Soviética e Cuba, instaurando assim o sistema comunista em Angola. Portanto, nos primeiros anos a Administração Kissinger, demostrava apreço e simpatia pela FNLA do nacionalista Holden Roberto, mas, posteriormente, considerou a UNITA de Jonas Savimbi, o aliado na luta anti-comunista em Angola.” 

Angola independente declarou-se um país não-alinhado. É verdade que o Governo da República Popular de Angola tinha relações estreitas com a União Soviética (Federação Russa) e Cuba. Mas também com a Jugoslávia do Marechal Tito. Com a Somália de Siad Barre. Com o Peru do General Alvarado. Com a Índia de Indira Ghandi. Movimento dos Não-Alinhados, Angola estava lá. O quer foi escrito no Jornal de Angola é corrupção. Pornografia abjecta. E não me venham dizer que a mentira e a falsificação têm a ver com “liberdade de expressão”. Isso é ainda mais abjecto.

Agostinho Neto e o seu ministro das Relações Exteriores, José Eduardo dos Santos, logo após a Independência Nacional fizeram a paz com o vizinho Zaire de Mobutu. Ao mesmo tempo fizeram tudo para estabelecer relações diplomáticas com os EUA. Venceslau Valente Mário publica uma mensagem de Kissinger em resposta a outra do Presidente Agostinho Neto. Só publica a resposta, mas não a mensagem que foi enviada pelo Presidente Agostinho Neto e o seu ministro daas Relações Exteriores. Isto ultrapassa largamente a corrupção dos valores do Jornalismo e da decência. Mas leiam a resposta de Kissinger, em Setembro de 1976:

Os EUA valorizam o desejo do Presidente Neto de melhorar as relações. Buscamos uma Angola independente e estável e expressamos preocupações sobre a presença militar estrangeira que dificulta a paz. Esclarecemos nosso não envolvimento no apoio aos dissidentes e esperamos a entrada de Angola na ONU, considerando a retirada das forças cubanas. Agradecemos as indicações recentes sobre as atividades das forças cubanas estarem confinadas a Angola. Uma política de não intervenção nos territórios vizinhos alinha-se com nosso objetivo de uma transição pacífica na África Austral. Congratulamo-nos com os pontos de vista do Presidente Neto para um engajamento construtivo e estamos ansiosos por relações amigáveis.”

Kissinger só apoiava a adesão de Angola à ONU se as tropas cubanas abandonassem o país. Não teve êxito na chantagem. Angola entrou na ONU e os militares cubanos continuaram a combater os invasores estrangeiros, sobretudo os racistas da África do Sul com o apoio total dos EUA. 

Agostinho Neto garantiu a Washington que as tropas cubanas não actuavam fora de Angola, nomeadamente no Zaire, Namíbia ocupada ilegalmente, Zimbabwe em luta pela sua libertação do regime racista de Ian Smith e África do Sul. Kissinger agradeceu. Mas quando escreveu que “estamos ansiosos por relações amigáveis” mentiu. Enganou. Manipulou. Como era e é norma do estado terrorista mais perigoso do mundo. Basta olhar para a História. Os EUA só se afastaram do regime de apartheid e dos seus ajudantes da UNITA quando levaram uma tareia militar no Triângulo do Tumpo. Façam as contas aos anos que vão de 1976 a 1988.

Querem combater a corrupção? Mudem o regime. Acabem com as aventuras do Miala. Ele está a passar todas as marcas. Se não tem mais que fazer, que vá gozar os rendimentos. Mas poupem-nos à pornografia que ele impôs aos Media públicos. 

* Jornalista

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