quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Crise dos sem-abrigo em Portugal afeta imigrantes africanos

João Carlos (Lisboa)* | Deutsche Welle

A situação dos sem-abrigo em Portugal atinge ponto e há receitas que se agravam com o inverno. Apesar dos esforços, as crises internacionais levaram cidadãos, incluindo os PALOP, a viver nas ruas.

A Estratégia Nacional para a Integração dos Sem-Abrigo, em vigor desde 2017 e que encerra no final deste ano, revelou-se insuficiente para dar uma resposta eficaz a essa realidade. Estimativas oficiais indicam que mais de 10 mil pessoas vivem nas ruas de Portugal, apresentando motivações diversas para a falta de abrigo.

Na movimentada Estação Oriente, em Lisboa, a capital portuguesa, a ala norte do piso interior abriga um número específico de pessoas sem casa, entre os cidadãos originários dos países africanos de língua portuguesa (PALOP). Um dos poucos que chegaram em falar connosco foi Luís, um jovem guineense de 20 anos que está na rua há cerca de quatro meses.

Luís prefere não revelar os motivos pessoais que o levaram a essa condição, mas é com reserva que explica as razões de estar agora na condição de sem-abrigo.

"Isso já é mais pessoal, mas foi [devido] a situações complicadas de família. É uma situação que eu não quero estar a explicar. Peço desculpas", diz.

Luís abrevia a conversa porque ia de seguida, com os outros companheiros de rua, recebendo o cabaz alimentar de uma instituição de cariz social. Um apoio que lhes é dado todos os dias.

"De comida só. Deviam ajudar-nos mais a nós do que as pessoas que vêm. Porque há muitos mais estrangeiros que têm mais ajuda do que nós", critica.

Aumento da migração e da crise interna

Luís é um dos muitos cidadãos originários dos PALOP que ficaram sem abrigo por motivos diversos. Celso Soares, líder associativo que acompanha a comunidade imigrante africana, confirma a existência de outros casos gritantes entre os que chegaram a Portugal ao abrigo dos vistos CPLP.

Faz referência a alguns: "Temos conexões de parcerias de organizações que trabalham diretamente no campo dos sem-abrigo que nos confirmam essa situação. Por exemplo, jovens na zona do Oriente que ao cair da noite vão se recolhendo sentados ao relento. Temos, na zona de Fetais, dois jovens [são-tomenses] que vieram ao abrigo deste acordo [de mobilidade da CPLP] que, a dada altura, são apoiados por familiares que, momentos depois, os deixam na rua."

A Assistência Médica Internacional (AMI), que acompanha pessoas em situação de sem-abrigo, nota um aumento nos casos, especialmente de imigrantes africanos, devido à crise habitacional em Portugal. No primeiro trimestre de 2023, a AMI registou um aumento de 53% nos novos casos em comparação com o mesmo período de 2022, incluindo imigrantes de várias origens.

Apesar dos esforços da AMI e de outras organizações, as respostas institucionais têm sido lentas, variando de acordo com cada caso.

Ana Nascimento, diretora do Departamento de Ação Social da AMI, conta: "Atualmente, temos sentido um aumento de imigrantes, não exclusivamente de África, também de muitas pessoas da Ásia; mas temos encontrado aqui um boom de imigração que vai parar a uma situação de rua. É uma situação que os colegas que estão no terreno nos passam constantemente."

Um novo plano?

No entanto, a situação sócio-económica em Portugal levanta dúvidas sobre soluções a curto e médio prazo. A AMI, que dispõe de dois centros de alojamento temporário em Lisboa e no Porto, permite que as medidas adotadas até agora não sejam suficientes para atender a todas as necessidades.

Mas Luís, o sem-abrigo de origem guineense, mostra-se incrédulo: "Não sei, mas há tantos anos que as pessoas vivem aqui, duvido que isto avance para a frente. Nada acontece. Não vai adiantar nada."

O Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, revelou publicamente que a estratégia governamental falhou e apelou à urgência de um novo plano (2024-2026) para evitar o agravamento da crise.

Com mais de 10.700 pessoas a viver nas ruas de Portugal por diversas razões, uma crise dos sem-abrigo persiste como um desafio complexo que exige acção imediata e estratégias mais eficazes por parte das autoridades e organizações envolvidas.

* Correspondente da DW África em Portugal

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