terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Massacre do Natal e o Menino Chinês -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Maysa cantou em Luanda, na boate do Hotel Universo. Eu estava lá, jovem repórter atrevido, implorando à estrela uma entrevista para a página dos espectáculos. E ela distante. No pequeno palco ela cantava um barquinho a deslizar no macio azul do mar. É hoje? Não. Insiste rapaz, berrava o Acácio Narradas. E eu insisti até que a artista me deu dois dedos de conversa. Um estrondo!  

Nos dias seguintes falámos em particular. E já nem me lembro porquê, Maysa disse que os brasileiros não se importavam nada de ser colonizados desde que os senhores fossem norte-americanos. E todos falassem inglês. Sinto um baque no coração e vejo que os angolanos estão a ser empurrados para o mesmo caminho. Os portugueses já lá estão. Coitados. Rebentaram com a Língua Portuguesa ao adoptarem o “novo” acordo ortográfico. E no audiovisual fala-se mais inglês do que português. É para acabar de vez com a Cultura num país que tem das mais ricas Literaturas do mundo.

Aqui que entra o Menino Chinês. Fernão Mendes Pinto é um escritor português extraordinário, escreveu A Peregrinação, obra de referência na Literatura Universal, de caris claramente anticolonialista. Um grupo de portugueses andava na ladroagem e rapina nos mares da China. A operação correu mal e perderam o barco. Os fugitivos foram dar a uma praia onde estava uma sampana daquelas onde vive a família inteira do pescador. Entraram na embarcação e partiram. Já longe da costa ergueram as mãos ao céu e agradeceram a Deus ter-lhes posto no caminho o meio de fuga.

O Menino Chinês, filho do pescador dono da embarcação, dormia no abrigo, entre redes e cobertores. Quando viu aquela cena fez mais ou menos este discurso (cito de memória, não tenho o livro à mão):Mas que Deus é esse que vos permite tão desvairada maldade? Roubaram o barco que é o ganha-pão e a casa de meus pais. Roubaram-lhe o filho. Graças ao vosso Deus!

Hoje, dia 25 de Dezembro, Natal, foi anunciado que já morreram na Faixa de Gaza 8.663 crianças. Joe Biden, Blinken, Austin e João Lourenço exultam. Úrsula von der Leyen, Scholtz, Macron, Sunak e outros chefes do ocidente alargado (Angola alargou!) elevaram as mãos aos céus e agradeceram a Deus. Missão cumprida. O Papa Francisco, no Vaticano, com ar pesaroso e contristado implorou por uma solução que trave “uma situação humanitária desesperada na Palestina”. E pediu a libertação de todos os reféns.

Hoje, dia 25 de Dezembro, os nazis de Telavive bombardearam o campo de refugiados de Maghazi. Um massacre. Morreram 95 pessoas, na maioria crianças e Mamãs. Joe Biden, embrulhando as palavras, cuspindo imoralidade, revelou que teve uma longa conversa pessoal com o nazi Netanyahu “mas não lhe pedi um cessar-fogo na Faixa de Gaza”. Os líderes do ocidente alargado ergueram as mãos ao céu e agradeceram a Deus! Obrigado por nos permitires matar palestinos até onde for preciso. João Lourenço entra no coro: Que se lixem esses da Palestina, eu só quero salvar tartarugas!

As bombas de Israel entraram numa nova fase. Agora estão a destruir os campos cultivados da Cisjordânia. E os assassinos do ocidente alargado agradecem a Deus essa graça. Números oficiais: Até hoje, dois milhões de pessoas foram deslocadas à lei da bomba na Faixa de Gaza. Do Norte para o Sul. Do Sul para lado nenhum. Todo o território era uma prisão a céu aberto. Hoje, dia do vosso Natal, é um imenso cemitério, sobretudo de crianças. Joe Biden rege o coro dos assassinos que governam no ocidente alargado: Obrigado Deus por tudo o que nos dás na Palestina.

Hoje, dia 25 de Dezembro, o vosso dia de Natal, da família, do amor ao dinheiro, da glorificação da morte, foram revelados os números do genocídio na Faixa de Gaza. Tomem nota: 20.424 mortos e 54.036 feridos. Desde o dia 7 de Outubro passado, na Cisjordânia foram mortos 303 palestinos e 4.668 foram levados para as prisões dos nazis de Telavive. Até hoje foram assassinados pelos sionistas 142 funcionários da ONU. 

O governo de Israel deu ordens para a soldadesca matar deliberadamen5e quem trabalha para as Nações Unidas. Os técnicos da saúde também. Já foram abatidos 310, mais dezenas de presos! Professores mais de 400 mortos. Israel tem o direito de se defender. E Joe Biden rege o corro dos assassinos: Obrigado Deus por nos ajudares a matar palestinos até onde for preciso. João Lourenço diz ámen!

Cisjordânia. O território é governado pela Autoridade da Palestina. Os nazis de Telavive já fizeram 800 ataques ao território, desde o dia 7 de Outubro. O deus deles é grande e mata que se farta. Um santo Natal!

Hoje, dia 25 de Dezembro de 2023, o jornalista Samer Abu Dakka foi assassinado deliberadamente pelas nazis de Telavive. Estava abrigado das bombas numa escola que foi bombardeada. Poucos sobreviveram. Joe Biden afina o coro dos assassinos: Obrigado Deus por nos ajudares a matar jornalistas. Não queremos testemunhas do genocídio. 

Desde 7 de Outubro até ao vosso santo Natal os sionistas já mataram 103 jornalistas. Israel tem o direito de se defender! Mas é mentira. Sendo a potência ocupante da Palestina não tem esse direito. Os palestinos, sim, têm o direito de lutar pela sua libertação. O HAMAS é um movimento de libertação. Não devia enveredar pelo terrorismo, mas provavelmente os nazis sionistas só conhecem essa linguagem. É pena. Os israelitas mereciam melhor.

Mas de quem é a culpa? Dos ocupantes! Que rejeitam a existência do Estado da Palestina. Oficialmente, pela voz dos seus ministros de extrema-direita. Biden afina o coro dos assassinos que mandam no ocidente alargado: Obrigado Deus por nos deixares riscar a Palestina do mapa. O MPLA apoia o Povo da Palestinas mas não condena o extermínio, os massacres, o genocídio! Ordem de João Lourenço que, por sua vez, recebe ordens do trio Biden, Blinken, Austin. Chefe João, o máximo que te deixamos fazer é salvar tartarugas.

O Pai Querido já agradeceu a Deus a saída de Angola da OPEP. Os seus olhinhos brilham de cifrões e dólares. O Pai Grande também vai ficar com as contas recheadas. E o Povo Angolano? Se ainda tem presentes as lições do MPLA e de Agostinho Neto vai reagir. Um Só Povo Uma Só Nação na luta contra os imperialistas. Não esqueçam: A luta do Povo é invencível e Angola é a melhor prova. Os angolanos derrotaram os EUA e seus aliados entre 1961 e 2002.

* Jornalista

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