sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Angola | A Queda de um Pilar Anticorrupção -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

As especulações sobre a demissão do inspector geral do Estado, Ângela Veiga Tavares, são propositadas. Areia atirada aos olhos dos cidadãos. Manobras de diversão. Os portais e “sites” controlados pelo chefe Miala disparam rajadas permanentes. Já o fizeram quando o Presidente João Lourenço fez a nomeação, em meados do ano passado. Imediatamente surgiram “notícias” que deitavam abaixo o nomeado, ainda que depois de ser exonerado do cargo de ministro do Interior, tenha ficado a trabalhar com o Titular do Poder Executivo como conselheiro. 

As “notícias” tinham como fim condicionar o inspector geral do Estado. Para continuar o festival dos contratos pagos mas não cumpridos, as despesas pagas sem que nada o justificasse, as compras feitas sem que se conheça o que foi comprado. Um problema antigo. Na mudança de regime, o Estado Angolano importou milhares de milhões em mercadorias. Nada chegou a Angola. Mas foi tudo pago com base em facturas proforma. Empresas que só serviam para desnatar dinheiro dos cofres públicos, ganhavam concursos de obras, pagas antecipadamente, mas que nunca foram construídas. Algumas ainda começaram (a terraplanagem no terreno da refinaria do Lobito) mas ninguém as concluiu.

A comunicação social portuguesa, ciclicamente falava da “dívida” de Angola a Portugal. O Presidente José Eduardo dos Santos nomeou um grupo técnico para verificar se Angola devia mesmo. E se devesse, pagava. Nove de cada dez processos eram falsas dívidas. Obras que nunca foram feitas. Bens de consumo, equipamentos, materiais de construção civil e outras mercadorias nunca chegaram a Angola. Quando foi exigido aos credores que apresentassem os documentos do embarque dos bens para Angola, nada. Foi exigida documentação da desalfandegação em Angola das mercadorias e equipamentos. Nada, apenas um papel “proforma”. 

A dívida caiu para menos de metade! Muitas facturas foram pagas mesmo sem os processos estarem completos e restarem dúvidas. O mesmo se passava com “fornecedores” angolanos, sobretudo construtores civis. Receberam e nada fizeram. Ângelo Veiga Tavares sabe melhor do que ninguém como tudo aconteceu. E uma vez investido como responsável máximo da Inspecção Geral da Administração do Estado, foi procurar os “gatos”. Encontrou dezenas. Talvez centenas!

Como lhe competia, pôs os inspectrores a trabalhar. Agiu com a máxima lealdade. Avisava os ministérios a inspeccionar com pelo menos dois meses de antecedência. E os titulares logo se movimentaram para que as inspecçóes não se fizessem. Contratos que chegavam à IGFAE para validar, eram escrutinados minuciosamente. Muitos voltaram para trás por estarem cheios de irregularidades. O inspector-geral em poucos meses pôs o Executivo em sentido.

O Ministério das Finanças fez “cativações” financeiras para estrangular os serviços do IGAE. Isto não é especulação. Ângelo Veiga Tavares, na cerimónia de transferência de pastas, disse calmamente, como quem não quer a coisa, que a IGAE foi vítima de “cativações”. O quadro orgânico da instituição foi “engavetado” no Ministério das Finanças! Para que os inspectores continuassem a ganhar 250.000 Kwanzas por mês e assim serem permeáveis à corrupção. 

O Presidente da República, pouco mais de seis meses após a nomeação de Ângelo Veiga Tavares, exonerou-o. E mandou-lhe um recado: Estava a intrometer-se na área do Serviço de Investigação Criminal e do Ministério Público! Mais um encobrimento. Mais uma cumplicidade. A verdade é que a IGAE estava a pôr o dedo na ferida da corrupção. E isso é intolerável. Só os filhos do Presidente José Eduardo dos Santos podem ser investigados. Só o empresário Carlos São Vicente pode ser preso sendo inocente e seus bens “privatizados”. Só o Manuel Rabelais pode ser crucificado na praça pública, para não ofuscar o Ernesto Bartolomeu e outros criados do chefe Miala na comunicação social.

A pedido de vários leitores vou fazer o que não gosto: Analisar a situação política em Portugal neste período de eleições. Partido Socialista vai a votos sob suspeitas alimentadas pela Procuradoria-Geral da República e agentes do Ministério Público. Conseguiram derrubar um governo apoiado por uma maioria absoluta no Parlamento!

O PSD vai a votos sob suspeita. O líder, Luís Montenegro, fez obras na sua casa. Foi tudo licenciado, tudo legalizado. O Ministério Público e os Media às ordens ventilam suspeitas sobre ele. Hoje entraram de rompante na Câmara Municipal do Funchal e na sede do Governo Regional da Madeira para “buscas”. Levaram com eles uma cáfila de “jornalistas” do continente. Já sabiam que ia acontecer o que está em segredo de Justiça. A CDU (Partido Comunista, Os Verdes) e o Bloco de Esquerda são silenciados. 

Campanha eleitoral nos Açores e a pré campanha no continente só têm um concorrente, o partido Chega, racista, xenófobo e nazi. Toda a comunicação social portuguesa é Chega, com especial destaque para o canal público de televisão, RTP. A PGR e os agentes do Ministério Público, Chega! Mas ainda é pouco. Os militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) e os agentes da Policia de Segurança Pública (PSP) estão em manifestações permanentes. Em Campanha eleitoral do Chega. Cinicamente dizem que não querem partidos nas suas manifestações. Só a polícia e Chega!

A extrema-direita portuguesa vivia protegida nas fileiras do PSD e do CDS. Até que abriram o Chega (fascistas feios porcos e maus) e a Iniciativa Liberal (fascistas engravatados). Pessoal político e votantes migraram imediatamente para os novos partidos. Nas últimas eleições já deram uma expressão significativa aos seguidores do fascismo/nazismo. Nas eleições de Março vai ser o dilúvio.

Nos 50 anos do 25 de Abril, Portugal corre o risco de ter um governo de extrema-direita. Não pensem que esse fenómeno só toca aos angolanos e portugueses. Todo o “ocidente alargado” é governado pela extrema-direita. Em Novembro Trump vai entrar triunfalmente na Casa Branca. Depois, quando João Lourenço for a Washington, não fica na lareira ao lado do chefe. Vai ser obsequiado com um banquete. É assim que são recebidos os amigos que perfilham a mesma ideologia.

* Jornalista

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