segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

O Portugal de André Ventura não é o de 2024, mas o de 1944

Salazar, seu séquito & André Chega

Teresa Pizarro Beleza e Helena Pereira de Melo* | Diário de Notícias | opinião

O anúncio de André Ventura no VI Congresso do Chega de que a escolha dos Portugueses, no próximo dia 10 de março, será “entre o Portugal de 2024 que é o do Chega e o Portugal de 74 que é o de Pedro Nuno Santos” que “quer voltar ao PREC, à ocupação de empresas, às Geringonças e aos PCP’s desta vida”, suscitou-nos perplexidade. Será que Pedro Nuno vai propor que o juramento de bandeira dos novos recrutas seja feito, no próximo ano, de punho erguido e de armas na mão, perante uma qualquer comissão de trabalhadores ou de moradores? Ressurgirá um grupo Okupa chefiado por um novo Camarada Pé-de-Cabra? Não nos parece provável.

As propostas eleitorais de André Ventura coincidem, em parte, com as do PS e com o desejo da generalidade das cidadãs e dos cidadãos: aperfeiçoar as políticas públicas de saúde, educação, justiça e segurança social. Melhorar o nível salarial dos trabalhadores e o poder aquisitivo dos pensionistas… O principal problema que suscitam é o da meta-narrativa que lhes subjaz, a de um Portugal excecional e conservador, próxima da proposta por António Ferro, através do Secretariado Nacional de Propaganda, para o Portugal dos anos trinta e quarenta. Propõe-se o regresso a um Portugal forte, assente numa identidade nacional expressa através dos seus símbolos nacionais, da sua Língua, História e Cultura. Propõe-se uma ideia transpersonalista do exercício do poder, “um Portugal que vença acima dos interesses particulares”, assente na autoridade das Forças de Segurança, onde o passado expansionista e colonial é sobrevalorizado: “Este povo soberano que nunca se agachou perante ninguém… Este povo enorme que somos teve sempre a coragem de nos momentos decisivos da História fazer o corte que era preciso fazer”. Um Estado forte, como proclamado na Constituição de 1933, assente nos valores de Deus, da Pátria e da Família. O Deus, a Pátria e a Família dos ‘portugueses de bem’, é claro: cristãos, de preferência brancos e devidamente hierarquizados e obedientes. “Manda quem pode, obedece quem deve”.

O regresso à nostalgia do Império (propor-nos-á, já agora, a invasão de Olivença, ou optaremos por Las Palmas, que tem melhor hotelaria para férias?) é conduzido pelo novo D. Sebastião: André Ventura. É, deste modo, retomado o mito do desejado retorno de um cavaleiro alvo e se possível louro, envolto em nevoeiro, reconstruindo-se desta vez o culto em torno da figura do Presidente do Chega, que salvará a Nação de todas as desgraças que a afligem: André vem fazer “fazer o corte”, “a limpeza”, “afastar a podridão” de Portugal. O Chega assume-se como “a nova esperança de que Portugal precisa”.

Esta esperança triunfante no novo mundo simbolizada por este retorno traz consigo a limitação acrítica de direitos fundamentais de largos grupos de cidadãos: os imigrantes e os membros de ‘minorias étnicas’, tantas vezes olhados como estrangeiros, ainda que sendo portugueses e até titulares de órgãos de soberania, que são convidados a partir ou a uma assimilação, quase súbita, a “amarem” Portugal e os seus símbolos nacionais; o das mulheres que são convidadas a identificar-se com o modelo das “mulheres conservadoras de Direita” (nas palavras de Rita Matias), a aceitarem um lugar de submissão perante os homens com o provável regresso, no plano jurídico, do chefe de família com o seu direito de correção moderada e, no dia-a-dia, ao papel de donas de casa e mães de família. Perante esta perspetiva, pensamos:

“- Já comprei a última edição do Pantagruel de Berta Rosa-Limpo, Maria Manuela Caetano e Jorge Brum do Canto. Os meus conhecimentos de Cirurgia serão fundamentais, agora que deixei de operar, para inserir as ameixas no local exato do pernil de porco que quero assar para o jantar. Uma vez terminada a luta com o pernil será tempo de envergar o vestido de seda às florinhas e de aguardar, tranquila, a chegada do meu marido. ‘Como foi o teu dia, querido?’ – repito interiormente – é pergunta que, no Portugal glorioso que se anuncia, não nos poderemos esquecer de colocar.”

O Portugal de André Ventura não é o de 2024, mas o de 1944. 

* Professoras da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

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