quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Angola | Os Mortos e a Liberdade de Imprensa – Artur Queiroz


 Artur Queiroz*, Luanda

A Liberdade de Imprensa em Angola é medida pelo relatório anual da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). O seu orçamento é superior a seis milhões de euros anuais e esse dinheiro vem, por exemplo, da União Europeia, cartel que apoia o nazismo na Ucrânia e o genocídio na Faixa de Gaza. 

O antigo líder da RSF, Robert Ménard, afirmou publicamente que em “algumas situações” a tortura é justificada. Foi denunciado em várias ocasiões como agente da CIA. Ao aceitar financiamentos da National Endowment for Democracy (NED) dos EUA e do Center for a Free Cuba mostrou a marca da “liberdade” que defende. Depois os 500 mil euros por mês dão muito jeito na elaboração da lista de “percepção” da Liberdade de Imprensa.

Dos 6,1 milhões de euros anuais, a RSF recebe 60 por cento de subsídios governamentais e doações públicas. Mas também de fundações que servem para fugir aos impostos nos respectivos Estados. Uma desnatadeira de dinheiro público decide em que lugarum país deve ser colocado na “percepção” da Liberdade de Imprensa. 

A lista da Repórteres Sem Fronteiras tem algumas singularidades que vale a pena conhecer. A Suécia vem em segundo lugar (o governo sueco paga o orçamento e não é pouco…) mas este país colaborou activamente na prisão do jornalista Julian Assange. Está preso ilegalmente há vários anos e se for extraditado do Reino Unido para os EUA vai ser executado com gás nitrogénio.

O Burkina Faso vem classificado em 41º lugar. EUA, para disfarçar a ligação da RSF à CIA, vem em 45º. Este é o país que mexe os cordelinhos parta Julian Assange estar preso em Londres desde 2019 após sete anos exilado na Embaixada do Equador, na capital do Reino Unido, que está em 40º lugar na lista, ao lado do Burkina Faso. A Justiça do estado terrorista mais perigoso do mundo diz que o jornalista cometeu o crime de espionagem, devido à publicação, em 2010, de 700 mil documentos secretos relacionados com as guerras no Iraque e no Afeganistão. 

A Ucrânia, onde não existe qualquer liberdade e muito menos de imprensa, está em 101º lugar. O Brasil ocupa a 102ª posição! Na minha percepção, o Brasil está muito acima dos três primeiros países da lista: Noruega, Suécia e Países Baixos que já foi Holanda. O problema é que Brasil não paga à RSF.

Portugal está em 14º lugar na lista. Porque os Media portugueses estão todos a trabalhar para o partido Chega, racista, xenófobo e fascista, ganhar as eleições. Alguém paga este lugar. Porque os patrões até cortaram os salários aos Jornalistas da rádio TSF e dos jornais mais antigos do país, Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Os jornalistas portugueses ganham pouco mais do que o salário mínimo nacional. Portugal está muito abaixo do Ruanda na Liberdade de Imprensa!

Em Angola a Liberdade de Imprensa é amordaçada pelos jornalistas. O Sindicato dos Jornalistas promove e protege crimes criminosos no exercício da profissão. Repito: Os crimes por abuso de Liberdade de Imprensa são antes de tudo crimes contra os jornalistas e o Jornalismo. Jornalistas em funções de coordenação, edição, chefia e direcção não têm o parecer dos Conselhos de Redacção. É tudo à vontade dos donos, seja o Estado ou privados. Nada é feito para promover nos Media os Conselhos de Redacção.

Direcções e chefias publicam permanentemente mensagens informativas com base em fontes anónimas. Mentiras deliberadas. Distorções notórias. Manipulações grosseiras. Insultos grosseiros e difamações. Ninguém reage, nem o Sindicato dos Jornalistas que tem um a quota de responsabilidade no cumprimento da ética e deontologia. A negligência impera e é geral. Um exemplo.

O Juiz Desembargador João António Francisco foi notícia. Primeiro, estava a ser perseguido pelo venerando presidente do Tribunal Supremo que lhe queria tirar a casa de função para dar à sua esposa. Face a um desmentido público, tudo mudou.

O Clube K regressou ao tema da casa de função do Juiz Desembargador João António Francisco nestes termos: “Fontes da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) acreditam que, nos termos da Lei de Imprensa, a TPA não deveria publicar uma Nota de Imprensa, em formato de Direito de Resposta, por uma Notícia que não difundiu ou publicou. Considerando tal acto como potencialmente ilegal, a OAA suspeita que a TPA possa estar a realizar uma forma de lavagem de imagem de Joel Leonardo”. 

Fontes da Ordem dos Advogados de Angola que não dão a cara. Anonimato. Muito grave. Mas mais grave ainda foi a OAA não ter vindo imediatamente a público demarcar-se de tão grave atentado, em seu nome, aos princípios éticos e deontológicos dos Jornalistas.

Querem mais grave ainda? Leiam: “A OAA também levanta a hipótese de que a disposição da TPA em relação ao Tribunal Supremo possa estar associada ao facto de que um administrador da TPA, Neto de Almeida Júnior Gaspar, desempenha simultaneamente o papel de assessor de imprensa de Joel Leonardo. Essas funções, consideradas incompatíveis, sugerem práticas de tráfico de influência e concorrência desleal por parte desse advogado em relação aos seus colegas. Fonte da OAA que acompanha o assunto, entende que a nova direção da Ordem dos Advogados de Angola tem diante de si um caso para investigar e resolver”.

A OAA primou pelo silêncio. O seu bom-nome é usado contra um administrador da TPA (Neto de Almeida Júnior Gaspar) e contra o venerando presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo mas não suscitou a mínima reacção. Nestas circunstâncias, é evidente que a Liberdade de Imprensa em Angola é amordaçada pelos Jornalistas, pelas instituições de classe, mas também por outras que têm especiais responsabilidades no Estado Democrático e de Direito. 

Hoje o Presidente da República disse aos jornalistas que as morgues existentes em Luanda estão num estado lastimável. Tinha marcado muitos pontos se acrescentasse: No meu papel de exonerador implacável, todas e todos os responsáveis por estas lástimas podem considerar-se demitidos”. Não disse.

Se tratam mal os mortos, ninguém pode esperar que sejam capazes de cuidar dos vivos. 

* Jornalista

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