domingo, 17 de março de 2024

Angola | Muito Feito e o Desfeito -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Angola ainda não fez 49 anos de Independência Nacional. Desde o dia 11 de Novembro de 1975 até ao dia 22 de Fevereiro de 2002 o Povo Angolano viveu em guerra. Primeiro contra os invasores estrangeiros e nos dez anos finais contra uma rebelião armada devidamente apoiada por todos os derrotados na Batalha do Cuito Cuanavale. Só aqui está muito do que foi feito. Independência. Guerra pela Soberania Nacional e Integridade Territorial.

A Independência obrigou à liquidação de todas as estruturas coloniais e a construir o Estado desde o zero. Tanto esforço. Tanto sacrifício. Tantas vidas consumidas. Tudo o que temos hoje foi criado a pulso, desde então. Há quem diga que é pouco. Quem esteve nesse combate exaltante sabe que é muitíssimo. No dia 25 de Abril de 1974, em Angola não existiam jornalistas negros na Rádio. Dois na Imprensa, grandes fotojornalistas, Lucas e Bernardo. Mestiços contavam-se pelos dedos das mãos. Em 1975, a Rádio já tinha 12 jornalistas negros. Um deles, Aldemiro Vaz da Conceição, atingiu o topo. Muito foi feito ainda no período da transição.

Logo após a Independência Nacional o Sindicato dos Jornalistas tinha registo de 23 jornalistas estagiários angolanos na Rádio e na Imprensa, sobretudo na Redacção do Jornal de Angola (oito). Um dirigente sindical era mestiço: Joaquim Castro Lopo, filho do jornalista e investigador do Jornalismo Angolano, Júlio Castro Lopo. Ninguém diga que nestes 49 anos nada foi feito.

No dia da Independência Nacional tínhamos meia dúzia de professores angolanos do ensino superior. Hoje temos centenas. Duas dezenas do ensino secundário. Hoje temos milhares. Algumas dezenas do ensino primário. Hoje temos muitos milhares. 

Na Independência Nacional a escola médica de Luanda, entre 1963 e 1975 tinha formado, o máximo, duas dezenas de médicos angolanos. Hoje temos milhares. A Ordem profissional tem inscritos quase dez mil médicos angolanos! Enfermeiros, em 1975, ninguém sabe exactamente quantos existiam mas eram centenas. Foram eles que responderam às necessidades da Guerra da Transição em todo o país. Hoje temos milhares. Abriram centenas de hospitais, centros e postos de saúde. Foi feito tanto!

Em 1955, 20 anos antes da Independência Nacional, o panorama da Educação em Angola era este. Dois graus, Primário e Secundário. O Ensino Primário tinha escolas para brancos e assimilados e escolas para “indígenas”. Total de alunos: 15.403 em toda a colónia.

O Ensino Elementar Profissional tinha 60 escolas e 3.944 alunos. A Escola do Magistério do Cuima formava “professores de posto” para as escolas dos “indígenas”. Em 1955 tinha 150 alunos.

O Ensino Rudimentar para Indígenas, a cargo das Missões Católicas Portuguesas, tinha 500 escolas para 17.114 alunos. Total da População Escolar no Ensino Primário, 20 anos antes da Independência nacional: 36.661 alunos

No Secundário existia o Ensino Liceal com duas escolas oficiais, Liceu Nacional de Salvador Correia (Luanda) e Liceu Nacional de Diogo Cão em Sá da Bandeira (Lubango). Mais19 escolas secundárias particulares. Total de alunos em toda a colónia, 3.174 alunos.

Ensino técnico profissional tinha a Escola Industrial de Luanda. Escola Comercial e Industrial de Nova Lisboa (Huambo). Escola Comercial e Industrial de Sá da Bandeira (Lubango).Escola Agro-Pecuária do Tcivinguiro. Escola Prática de Comércio e Pesca de Moçâmedes (Namibe) depois transformada em Escola Comercial e Industrial. Escola Comercial de Luanda, (pública).Escola do Magistério Primário de Benguela. No Ensino Técnico Profissional existiam 1.076 alunos em toda a Angola. No Magistério Primário existiam em 1955 apenas nove alunas.

Total da população escolar em 1955 era de 40.920 alunos! Muito ou pouco? Só a população universitária angolana mais que duplicou nos últimos dez anos. Em 2011 estavam inscritos no Ensino Superior 140.060 estudantes. Em 2021 já eram 308.309, um crescimento acima dos 120 por cento. A maioria está em Luanda, 149.801 alunos universitários que correspondem a 48,6 por cento do total nacional. Dizer que nestes 49 anos nada foi feito é desonestidade intelectual pura e dura. Ou ignorância criminosa. Escolham.

Em 1944, há 80 anos, existiam na colónia de Angola cinco advogados, três em Luanda e dois em Benguela. Antes da Independência Nacional não existia qualquer escola superior de Direito. Quem queria estudar tinha de ir para Portugal, Coimbra ou Lisboa. Hoje existem 200 cursos de Direito nas universidades angolanas com 10.000 estudantes nas escolas públicas e 21.000 nas privadas. A Ordem dos Advogados de Angola tem inscritos 6.000 advogados efectivos e 4.500 estagiários. Tudo foi feito depois da Independência nacional. 

Entre 11 de Novembro de 1975 e 22 de Fevereiro de 2002 Angola teve dois regimes políticos e duas guerras. Até ao Acordo de Bicesse existia a democracia popular e o socialismo. Hoje é a democracia representativa e o capitalismo com os seus combustíveis indispensáveis: Exploração de quem trabalha, corrupção e roubo que pode ir até ao extremo do latrocínio. 

Na vigência do socialismo, o Povo Angolano travou a Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. Triunfou esmagando o regime racista de Pretória e seus aliados, com os EUA à cabeça. Corria o ano de 1988, 13 anos de Independência sempre em guerra. Sucessivos governos à prova de guerra. Economia de guerra. Sociedade guerreira. O MPLA entregou essa vitória retumbante aos abutres do capitalismo mais ou menos selvagem mas sempre sangrento e predador. Hoje o derrotado estado terrorista mais perigoso do mundo é “parceiro estratégico” de João Lourenço.

No final de 1992 começou a guerra contra a rebelião armada. Acabou dez anos depois com mais uma vitória do Povo Angolano e do seu braço armado, as Forças Armadas Angolanas (FAA). Herdeiras das Gloriosas FAPLA, fundadoras da Nação Angolana.

O MPLA sempre soube que sozinho não consegue governar Angola. Após as eleições de 1992, que ganhou com maioria absoluta, fez um Governo de Unidade Nacional no qual participaram todos os partidos que elegeram deputados. O Galo Negro preferiu o banditismo armado contra Angola, como sempre desde a sua fundação. 

Em plena guerra contra os grupos criminosos armados de Jonas Savimbi, o MPLA partilhou o poder com todos, agora também a UNITA, no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN). A partir de 22 de Fevereiro de 2022, esse gabinete ministerial tinha todas as condições para conduzir Angola no caminho do desenvolvimento e da justiça social.

Apenas seis anos depois, o líder da UNITA, Isaías Samakuva, bateu com a porta e exigiu eleições que ocorreram em 2008. Resultados: MPLA 81,64 por cento dos votos. UNITA 10,39 por cento. PRS 3,17 por cento. Nova Democracia 1,20 por cento. FNLA 1,11 por cento. Os outros partidos e que faziam parte do GURN foram extintos, porque tiveram menos de meio por cento dos votos. Desconseguiram estrondosamente!

Até 2017 ninguém podia governar Angola sem o MPLA. Hoje a UNITA não consegue governar Angola nem com a ajuda divina. Mas o partido no poder caminha alegre e empolgado para a irrelevância política. Está a seguir o mesmo rumo da FNLA. 

A UPA era um movimento de libertação. Dirigiu a Grande Insurreição Popular no Norte de Angola em 15 de Março de 1961. A FNLA, herdeira da UPA, foi um movimento de libertação até à matança de Kinkuzu. A ala política tentou exterminar a ala militar! Desde então definhou e está reduzida à insignificância política.

O MPLA é imprescindível desde a sua fundação. Ficou sozinho na luta pela Independência Nacional e na Guerra da Transição. Graças à fundação das Forças Armadas Populares Libertação de Angola (FAPLA), no dia 1 de Agosto de 1961, ganhou e expandiu profundas raízes populares. A partir de 2017, os políticos de turno excrementam militares que ganharam todas as guerras. Dirigentes e militantes que dirigiram o processo praticamente desde a Independência Nacional. O partido está a caminho de ser um instrumento ao serviço exclusivo do seu líder. Devia ser o contrário.

Por fim informo os incautos que trabalhar ou ter trabalhado com João Lourenço não é currículo, é cadastro. Depois das eleições de 2027 vem o ajuste de contas.

* Jornalista

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