Marta Gonçalves, jornalista | Expresso (curto)
Começo por lhe fazer um convite:
hoje, às 14h00, "Junte-se à Conversa" com João Vieira Pereira e David
Dinis para falar sobre "A sondagem e as legislativas". Inscreva-se aqui.
Bom dia,
Sou mulher, tenho 30 anos e voto pelo círculo eleitoral de Lisboa. No domingo
vou à escola ao fim da minha rua para votar. Tal como eu, em Portalegre, haverá
uma mulher de 30 anos que, no domingo, também vai deixar o seu voto na urna. A
diferença? Apenas o distrito onde moramos. A consequência? Dificilmente o meu
voto será ignorado, o dela poderá ser.
A explicação de tudo isto está no sistema eleitoral. Lisboa e Porto, por serem
distritos com mais pessoas, são os que elegem mais deputados para a Assembleia
da República. São responsáveis por quase 40% das escolhas. Os restantes lugares
são distribuídos pelos outros 20 círculos eleitorais (além de Portugal
continental, as ilhas e ainda os emigrantes na Europa e os de fora da Europa).
Portalegre, por exemplo, é o que elege menos, apenas duas pessoas. Neste caso,
que não é único, matematicamente só é possível eleger deputados do primeiro e
segundo partidos mais votados.
Ou seja, todos os boletins com cruzinhas em partidos com mais votos de nada
valem, são desperdiçados. Mas como se fazem estas contas? O melhor mesmo é espreitar o novo episódio do 259 para explicar
o mundo, o guião é do jornalista Pedro Miguel Coelho e a magia do grafismo
animado do Carlos Paes.
Nas últimas eleições, 730 mil votos não serviram para eleger. Se somarmos o que
já se perdeu em todas as eleições, desde 1975,já foram desperdiçados mais de oito milhões - e
quando falamos em desperdício, referimo-nos exclusivamente à não conversão de
votos em mandatos e não às recentes acusações de fraude eleitoral e alegados
boletins deitados literalmente ao lixo. Estamos a pouco mais de 90 horas para a
contagem de votos, é preciso garantir que cada sorriso simpático, beijoca ou
abraço na rua vale mais um voto e isso pode ser decisivo (sobretudo, lá está,
se for nos distritos com mais peso). Na estrada, todas as caravanas continuam
em viagem pelo país. Foi entre Sintra e Lisboa que Pedro Nuno Santos passou o
dia de campanha, visitou um hospital e teve a seu lado Marta Temido,
ex-ministra da Saúde. O PS vai em busca dos indecisos com dúvidas sobre quem é e o que
traz a Aliança Democrática (AD), escreve o Diogo Cavaleiro (com as
fotografias de Tiago Miranda). A noite ainda teve direito a protestos
durante o discurso do líder socialista, que no comício na Aula Magna foi
interrompido um par de vezes: primeiro, uma por uma mulher que lhe queria
oferecer uma bíblia, depois por ativistas climáticas. A pouco mais de
A Iniciativa Liberal esteve por Lisboa e, com Cotrim Figueiredo ao lado, Rui Rocha apontou “falta de coragem” da AD (reportagem de Liliana Coelho e Nuno Fox), enquanto o Bloco de Esquerda esteve por Setúbal, onde Mariana Mortágua, durante uma visita a uma associação de imigrantes, defendeu o fim do SEF e reconheceu os problemas da nova agência (o texto é da Cláudia Monarca Almeida). Já a CDU deu palco a novas vozes onde "o elevador social não funciona" e num desfile pela Amadora contou com o apoio de Manuel Carvalho da Silva, que se terá desfiliado do PCP pouco depois de ter deixado a liderança da CGTP (a reportagem é da Margarida Coutinho com fotos da Ana Baião). Inês Sousa Real quer mostrar que o PAN é uma alternativa ao PS e à AD, titula a jornalista Joana Ascensão, enquanto o Livre defendeu a criação de um círculo nacional de compensação para evitar a não conversão de votos em mandatos.
Entre comícios e arruadas por uma qualquer cidade do país, certamente, não será fácil qualquer eleitor alcançar os candidatos e perguntar-lhes diretamente o que os apoquenta. No começo de fevereiro, o Expresso lançou o desafio aos seus leitores: se tivesse oportunidade de fazer uma única pergunta aos candidatos a primeiro-ministro, qual não lhe escaparia? Ana, Alfredo, António, Arminda, Célia, Cristina, Francisco, José João, Luís, Maria do Céu, Maria Manuela, Rui, Rodrigo e Rosa aceitaram-no.
Lares, habitação, salários, classe média, pensões ou o investimento no Serviço Nacional de Saúde foram alguns dos temas sobre os quais estes leitores quiseram mais esclarecimentos. O Expresso encaminhou as perguntas de cada um dos 14 leitores a cada um dos partidos na corrida eleitoral. O Bloco de Esquerda, a CDU, a Iniciativa Liberal e Livre responderam. Todos os outros (AD, Chega, PAN e PS) não o fizeram.E mesmo antes de seguirmos para outros temas, deixo uma última sugestão: experimente o jogo “Espelho Meu”. É um teste que pode ser feito de duas formas: descobrindo o partido ou o líder partidário com o estilo de governação com que mais se identifica.
OUTRAS NOTÍCIAS
Super-terça. Cada vez parece mais
certo que em novembro o embate nas presidenciais dos EUA seja aquele que era um
dos menos desejados pelos norte-americanos: uma repetição de 2020, um Joe Biden
vs. Donald Trump. Na última noite, ambos saíram reforçados e dominaram as
escolhas dos democratas e republicanos, respetivamente. Leia aqui o que
aconteceu naquela que é a noite em que se elege maior número delegados,
que vão eleger os candidatos presidenciais em cada partido.
Olhos, informação, dinheiro. Muitas pessoas não sabem bem ao que
vão; sabem apenas que podem ganhar num dia umas dezenas de euros, se
permitirem um scan à sua íris (porque é o elemento biométrico
mais distintivo de cada ser humano e não há duas iguais, mesmo no caso de
gémeos verdadeiros). Ao Expresso, Tiago Martins, especialista em assuntos
financeiros e consultor da Deco/Proteste, e Ricardo Lafuente, presidente da
Associação para a Defesa dos Direitos Digitais, ajudam a esclarecer uma série
de questões levantadas pelo modelo de negócio da Worldcoin,
que só em Portugal já recolheu dados de 300 mil pessoas. Neste
explicador, as jornalistas Joana Pereira Bastos e Isabel Leiria, respondem a
perguntas como “o que é a Worldcoin?”, “o que vai a empresa fazer com a leitura
das íris dos olhos?” e se “é arriscado ceder dados por dinheiro?”.
O Chega além de Ventura. Os futuros deputados do partido defendem teorias
da conspiração, a falência dos jornais e assumem que estão numa “guerra”
cultural e “psicológica” com a esquerda. Ao longo da campanha, houve várias
intervenções que se podem classificar como racistas. “Temos de pensar que
em Espanha queremos ver espanhóis, franceses em França e em Portugal queremos
ver portugueses”, disse, por exemplo, Rui Afonso, deputado e número um do Porto
pelo Chega. Outra tirada: “Só o Chega diz que a solução não é a imigração
e a substituição populacional e apresenta soluções para esta sangria desatada
da população”, referida por Pedro Frazão, cabeça de lista por Santarém. Ambas
são exemplos das muitas declarações desconstruídas neste texto assinado
por Vítor Matos e com fotografias de José Fernandes.
Ministérios Sombra. Ao longo das últimas semanas, o Expresso tem desafiado
especialistas em diversas áreas a serem ministro por alguns minutos. Neste
caso, o desafio é chefiar a pasta “Dos alunos” e a Rita Ferreira, editora de
sociedade, foi ouvir a Filipa Cunha, do projeto Tumo, e a Sofia Borges,
pedagoga da Brave Generation Academy. Deixaram de lado as carreiras, a burocracia, as colocações, os
salários dos professores e falaram apenas de como estamos a educar as nossas
crianças. As palavras autonomia e competências são a chave. “Nenhum
miúdo odeia realmente Matemática ou Ciências, odeiam é a forma como aquilo é
dado.”
Maior discriminação. Portugal tem elevados níveis de desigualdade do rendimento,
que se agravaram com a pandemia, mas as discrepâncias são ainda maiores ao
nível do património. Em 2022, Portugal era um dos países onde a diferença de
rendimento entre os mais “ricos” e os mais “pobres” era maior. Estávamos na
sétima posição, acima da média da União Europeia e acima da média da zona euro.
E, em geral, em todos os parâmetros avaliados, as mulheres enfrentam uma
discriminação acrescida, pode ler-se no artigo da jornalista Elisabete
Miranda, com infografia de Carlos Esteves.
Silveira, Saavedra, Caldeira. Estes são os protagonistas da história de um
grupo numeroso de criminosos (e familiares) que assaltou várias empresas
durante quatro anos na região do Porto. São acusados de roubar cerca de 5 milhões de euros em quatro
anos a 54 empresas, camiões TIR e pavilhões industriais. Pela leitura do
despacho de acusação é fácil confundir os 33 arguidos: pais e filhos, irmãos e
conjugues. Os cabecilhas eram os homens da família Saavedra e Silveira,
que, quando a tarefa o exigia, recrutavam outros intervenientes, primos,
cunhados, amigos, quem precisasse de ganhar um extra.
PODCASTS
Expresso da Manhã. O chefe
da diplomacia europeia, Josep Borrell, diz que a Europa está cada vez mais em
perigo e defende uma política de segurança comum. A Ucrânia está a perder a
guerra, na Europa multiplicam-se as intervenções ao mais alto nível avisando
para a ameaça que representa a Rússia, mas o assunto nem ao de leve passou pela
campanha eleitoral. A Europa indefesa não é assunto que preocupe os políticos
portugueses?
Os Protagonistas. A temporada do podcast termina com entrevista a Pedro
Nuno Santos. Já com o fim da campanha eleitoral à vista, o líder do PS deixou
críticas aos critérios no escrutínio que é feito aos candidatos a primeiro-ministro,
que considerou desequilibrados. E voltou ao tema polémico da semana passada: “Na campanha do aborto estive do lado do ‘sim’, no PSD eram uma
minoria”.
Lei da Paridade. A convidada desta semana (e atenção que esta semana há
episódio na quinta-feira) é Alexandra Leitão, cabeça de lista por Santarém pelo PS e
coordenadora do Programa Eleitoral Socialista. Fala-se da passagem pelo
Ministério da Educação, sobre o Serviço Nacional de Saúde e saúde reprodutiva,
sem deixar passar o tema do machismo na política.
Liberdade
FRASES
“As coisas são claras: António
Costa indicou quatro nomes para o substituir Mário Centeno, António Vitorino,
Fernando Medina ou Carlos César. Nenhum dos nomes se chamava Pedro Nuno Santos.
Porque será?” Paulo Portas, que se juntou esta terça-feira à campanha da
Aliança Democrática, nas Caldas da Rainha.
“Quem falhou sempre no diagnóstico poderá agora ter razão nas soluções? É nas
crises que se vê a força, determinação, as soluções e caminhos de cada um e
vimos bem a diferença entre a nossa resposta à crise e a resposta à crise do
PSD.” Mariana Vieira da Silva, cabeça de lista pela capital, no comício do
PS na última noite,
“Uma
“É contra o aborto? Não faça um. Simples. A liberdade de fazer uma IVG não
obriga ninguém a escolhê-la. Não complique a vida das outras pessoas, ao ponto
de a pôr em risco, por causa da sua moral ou religião.” Clara Não, cronista do Expresso.
O QUE ANDO A LER
“A História de Roma” (Caminho),
de Joana Bértholo
“Isso é histórico?” e mais um par de formulações do género, sempre acompanhadas
por um esgar desconfiado, são o que mais tenho recebido cada vez que falo deste
livro a alguém. Aqui, Roma não é cidade, nem lenda da loba que alimentou Rómulo
e Remo. Nada disso. A narrativa nem sequer se passa na cidade italiana. Roma é
algo (para não revelar muito) que liga duas pessoas que agora se reencontram,
dez anos depois do fim de um grande amor - pelo menos para uma delas. É retrato
da loucura de uma paixão inesperada mas, mais que isso, do que fica depois do
fim. É sobre como a memória das coisas boas nos pode atraiçoar, apagando o que
foi mau, deixando apenas uma saudade inconsolável.
Passa-se entre Buenos Aires, Berlim, Marselha, Beirute e Lisboa.
NÃO SÃO SÓ VÍDEOS DE GATINHOS
Uma das belezas do scroll infinito - nem tudo pode ser mau - é encontrar aleatoriamente coisas sobre as quais nada sabemos. Acontece-me com frequência. Na última semana, com o tema do aborto a inundar noticiários e a entrar na campanha eleitoral, o algoritmo presenteou-me com o caso de Conceição Massano dos Santos (via @photohistorylx). Pode ver aqui.
A jovem de 22 anos foi julgada,
juntamente com a amiga que lhe indicou a parteira, pelo crime de prática de
aborto. Além desta story, pode ver a peça completa nos arquivos da RTP.
Serve o registo para pensar onde estivemos e onde estamos. Mas, sobretudo, onde
queremos estar: ao lado de países como os EUA ou a Polónia, por exemplo, onde
até há um par de anos o aborto era um direito garantido; ou de França, que se
tornou o primeiro país a incluir na constituição o direito à interrupção
voluntária da gravidez.
Termino este meu primeiro Expresso Curto por aqui. Obrigada por nos ler.
Continue a acompanhar-nos no Expresso, na Tribuna e na Blitz, a ouvir-nos e a ver-nos também. Não se esqueça que também estamos sempre
por aqui, ali, além e acolá.
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