quarta-feira, 13 de março de 2024

Portugal É do Povo – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A velhice é uma chatice mas também dá vantagens. No primeiro aniversário do 25 de Abril fiz a cobertura das eleições para a Assembleia Constituinte. A liberdade andava na rua, à solta. Alegria, muita alegria. O Conselho da Revolução tutelava o governo provisório. Foi assinado o Pacto MFA-Partidos no dia em que cheguei a Lisboa,11 de Abril de 1975. 

Os signatários foram Partido Comunista Português (PCP), Partido Socialista (PS), Movimento Democrático Português/Coligação Democrática Eleitoral (MDP/CDE), Partido Popular Democrático (PPD hoje PSD), Centro Democrático Social (CDS) e Frente Socialista Popular (FSP) uma dissidência dos socialistas, liderada por Manuel Serra. Os outros líderes políticos eram Álvaro Cunhal, Mário Soares, José Manuel Tengarrinha, Sá Carneiro e Freitas do Amaral.

Manuel Serra concedeu-me uma entrevista. E denunciou que os fascistas estavam “aninhados” nos novos partidos políticos, sobretudo CDS e PPD/PSD. Mas também no Partido Socialista o que levou à sua desfiliação. O regime fascista mobilizava multidões. Caiu e aparentemente não ficou ninguém. 

Os chefões fugiram para Espanha ou o Brasil. As famílias milionárias que viviam do sistema e o alimentavam com a criadagem política seguiram o mesmo caminho. Os esbirros da PIDE fugiram ou estavam detidos à espera de julgamento. Mas na rua os partidários de Mário Soares berravam: Portugal É do Povo Não É de Moscovo! Portugal Não É do Cunhal! Havia uma raiva surda contra o líder comunista porque foi dele a ideia do Pacto MFA-Partidos. E sobretudo porque os comunistas lutaram durante décadas contra o regime colonialista e fascista. Tanto Chega já em 1975! No dia 25 de Novembro desse ano acabou a revolução. Os do Chega venceram!

O meu amigo Otelo Saraiva de Carvalho também me concedeu uma entrevista. Quando lhe perguntei o que era isso do “pacto” ele respondeu muito despachado: “É simples. O partido que despir a camisola do 25 de Abril sai do jogo imediatamente!” Mário Soares saiu do jogo de braço dado com Frank Carlucci, embaixador dos EUA em Lisboa desde 24 de Janeiro de 1975. Um experimentado oficial dos serviços secretos, perito em golpes de estado. Dirigiu a missão da CIA na então Léopoldville (Kinshasa) em 1961. Apoio incondicional ao ditador Mobutu.

Patrice Lumumba foi preso em Kinshasa pelos golpistas em Janeiro de 1961 e assassinado no Catanga, alguns dias depois, para onde foi levado pelas tropas mobutistas. A União Soviética acusou os EUA e a Bélgica da sua morte, anunciada em 10 de Fevereiro de 1961. Os assassinos negaram. Mentira dos comunistas! Anos mais tarde (Fevereiro de 2002) o governo belga assumiu responsabilidades no assassinato do líder congolês. Em julho do mesmo ano, foram publicados documentos pelos EUA revelando o papel da CIA  no assassinato de Lumumba. Carlucci, o sócio de Mário Soares, não brincava em serviço.

O partido Chega vem desse primeiro aniversário do 25 de Abril. Mário Soares escancarou as portas do Partido Socialista aos fascistas, sobretudo aos terroristas do Exército de Libertação de Portugal (ELP) e do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP). Fez de Spínola seu parceiro. Organizou com Carlucci as pontes aéreas entre Luanda, Huambo e Lisboa para esvaziar Angola de quadros. Impediu que Portugal reconhecesse a República Popular de Angola em 11 de Novembro de 1975. Entregou-se ao regime racista de Pretória. Tornou-se amigo de Jonas Savimbi. Mas o líder socialista sabia que i criminoso de guerra combateu ao lado da PIDE/DGS e da tropa portuguesa, contra a Independência de Angola.

PS, PSD e CDS, partidos do “arco do poder” em Portugal, apoiaram a agressão das tropas sul-africanas a Angola. E apoiaram politicamente o regime racista de Pretória. Em 1987,um ano antes da derrota do regime de apartheid da África do Sul na Batalha do Cuito Cuanavale, a Assembleia-Geral da ONU aprovou, com 129 votos a favor, um apelo para a libertação incondicional de Nelson Mandela. O governo de Cavaco Silva votou contra! Já existia o Chega ao mais alto nível mas pela surra. 

O filho de Mário Soares, deputados do PPD/CDS e do CDS foram à Jamba. Quando regressavam à África do Sul o avião caiu porque levava nos porões carga a mais: Marfim, droga e diamantes. 

Os feridos foram esmeradamente tratados numa ala secreta, reservada à UNITA, do Hospital Militar de Pretória. Jornalistas e políticos portugueses corriam permanentemente para o acampamento militar do Galo Negro. Kamanga. Dinheiro fácil por baixo da mesa. Apoio ao racismo como política de Estado. Não vejo nenhuma diferença entre esses “turistas” da Jamba e o partido Chega. Hoje até o Bloco de Esquerda cospe no MPLA. Grandes porcas e porcos!

O PSD tem um olho nos negócios com Angola e outro no partido Chega. Um dos líderes da Aliança Democrática (AD), coligação que empatou as eleições, Câmara Pereira, já disse que quer os racistas e xenófobos no governo. Um dos turistas que se partiu todo na Jamba, Rui Gomes da Silva, antigo ministro de um governo do PSD, exige um governo com o partido Chega.  

Luís Montenegro, chefe dos empatados, está a ser assediado por pedidos de várias famílias antigas. Querem o Chega no governo. E ele vai aceitar, por baixo da mesa como se faz política em Portugal. Hoje fecho este tema. Não me fica bem falar da política à portuguesa. Termino com um aviso a Pedro Nuno Santos, líder do Partido Socialista que é um partido irmão do MPLA, na Internacional Socialista. Portugal tem muito mais do que um milhão de racistas e xenófobos, há muitos séculos. Alguns fingem que não são. Como fingiam os beneficiários dos diamantes da UNITA que compravam muitos amigos e apoiantes ao Savimbi. A droga do supermercado da Jamba, igualmente. 

* Jornalista

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