sexta-feira, 5 de abril de 2024

Angola | Pouco Pão e Muito Circo de Horrores -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Presidente da República, João Lourenço, recebeu no Palácio da Cidade Alta, com pompa, circunstância e vénia até aos pés (mon chaire maître, mon patron) Jean François Bureau, director-geral do Departamento Internacional das Associações das Empresas Francesas. O chefe foi ao bureau. E o Bureau Político do MPLA amouxa. Em breve temos um Presidente da República CFA, um MPLA CFA, um Kwanza CFA. Já faltou mais. O pão para o povo é pouco mas o circo de horrores kiambote-mbote!

No processo da maka dos 500 milhões os quatro arguidos foram condenados a penas perpétuas tendo em conta que são inocentes. Não cometeram os crimes. Foram vítimas de ilegalidades, arbitrariedades, violações gravíssimas do direito de defesa, da presunção de inocência, do direito a um julgamento justo. Não estou a inventar nada. Quem assim decidiu foram os Venerandos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional. Muito circo de horrores. Muito bem! Bravo, bravo! Grandes artistas. Mais vale uma pitada de circo do que uma carrada de pão. 

O Acórdão do Tribunal Constitucional não manda restituir imediatamente os arguidos à liberdade. Porque a liberdade desde 2017 é mais escassa do que o pão. Cá para mim, a fantochada do primeiro julgamento vai repetir-se, após 2027 e quem vier depois que apague a luz e feche as portas do circo. 

Custava alguma coisa escrever isto: Tantas ilegalidades. Tantas arbitrariedades. Tantas inconstitucionalidades. Tantos abusos. Coloquem os arguidos, em liberdade plena, imediatamente. Nada. O chefe mobutista adora repetir aquele pensamento profundo que vai marcar os seus mandatos e a sua vida: Todos para a cadeia! Este “todos” é um eufemismo. São apenas os que cheiram, mesmo levemente, ao Presidente José Eduardo dos Santos o Arquitecto da Paz. Aproveito para felicitar o General Armando da Cruz Neto, que pôs de joelhos os sicários da UNITA e mandou tocar a Paz. Ele é um dos rostos mais marcantes do 4 de Abril.

Calma aí, vão presos todos menos os franceses que estão a transferir as técnicas de roubos do Gabão, Mali, Senegal, Burkina Faso, Níger e Republica Centro Africana para Angola CFA. Vamos ser inundados de Francos CFA. E francesas CFA com os sovacos cheirando a calor. Napoleão quando regressava das campanhas militares, mandava um mensageiro à frente com esta mensagem: Josefina, não te laves. Estou a chegar! As madamas são muito napoleónicas. Isto é saber de experiência feito. Se pensam que é xenofobia estão enganados. É uma homenagem às minhas amigas “gauchistas” e anarquistas com as quais me manifestei nas ruas de Paris, bebi litros de “rouge” e cálices de calvados.

O circo avança imparável. Muito circo de horrores. No julgamento de Carlos São Vicente foram cometidos os mesmos desmandos, as mesmas inconstitucionalidades, as mesmas arbitrariedades, as mesmas barbaridades, os mesmos abusos que o Tribunal Constitucional apontou nos processos de Valter Filipe, Jorge Sebastião, José Filomeno dos Santos e António Bule Manuel.

Carlos São Vicente foi vítima da violação de princípios da legalidade. Vedaram-lhe o acesso ao Direito. Os juízes confiscaram-lhe a presunção de inocência. Não teve um processo justo e equitativo. A sentença condenatória teve na base decisões judiciais infundadas. Foi agredido com a violação do princípio do contraditório. 

Os julgadores às ordens (juízes são profissionais acima de toda a suspeita) nem sequer tiveram em conta que após meses e meses de investigações, a Procuradoria-Geral da República de Angola informou a sua congénere de Genebra que nada havia contra o empresário Carlos São Vicente e todas as suas actividades eram legais. Pouco tempo depois, foi preso às ordens do chefe supremo.  

No processo de Carlos São Vicente foi aceite um papelito falso, sem assinatura, que serviu de prova rainha para a sua condenação! E foi valorado o depoimento de um marimbondo de quinta categoria que hoje mama na UNITEL (Aguinaldo Jaime). Tudo orquestrado pelo Doutor Tuti Fruti, o marimbondo dos desvios milionários. Dois pesos, duas medidas e muito racismo `à vista. Carlos São Vicente é mestiço. Toma lá para aprenderes! Circo em quantidades industriais para o povo se distrair da falta de pão.

O senhor Presidente da República também recebeu no Palácio da Cidade Alta angolanas e angolanos que vivem no estrangeiro. Aproveitou para usar aquele tom de voz próprio de um professor catedrático dos lugares comuns. Di lento, como quem pensa previamente o que vai dizer e pondera cada palavra. E depois de tanto esforço que até fez faísca disse isto: “Nós mobilizamos recursos há uns anos, por sinal recursos provenientes da recuperação de activos, de pessoas que tinham esse dinheiro escondido lá fora, e gizamos um programa a que chamamos Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) e que tem ajudado a mudar o rosto dos municípios”.

Dinheiro escondido. Recuperação de activos. Muito circo de horrores e cada vez menos pão para o povo, que à falta de melhor acredita nestas patranhas. Eu fiz a lista dos dez angolanos mais ricos, só depois de 2017. E não consta nenhum com “dinheiro escondido lá fora”. Alguém vá ao Palácio da Cidade Alta explicar ao chefe supremo que o dinheiro nas contas bancárias e nos paraísos fiscais não está escondido. Está. Como o dinheiro e bens móveis dos dez mais ricos da Era João Lourenço. É crime ter dinheiro? É ilegal fazer negócios? É condenável ter contas bancárias no estrangeiro? Se assim é, não há cadeias para arrecadar tanta gente e particularmente da área do poder. 

O “dinheiro escondido” referido pelo professor catedrático do lugar-comum não chegou para impedir a degradação criminosa do Memorial a Mandume. Não serviu para impedir o vergonhoso abandono do Marco Histórico dos Heróis de 4 de Fevereiro, no Cazenga do meu coração. O ministro da Defesa disse que ficou triste “com a falta da manutenção e protecção do monumento”. O circo de horrores também tem lágrimas de crocodilo. Para o povo se comover com aqueles que lhe roubam o pão.

Em Angola temos dois problemas que urge resolver. O primeiro e mais grave, tem a ver com o analfabetismo certificado. Temos cada vez mais analfabetas e analfabetos com certificados de licenciaturas, mestrados e doutoramentos. O segundo problema está associado ao primeiro. É o “Já Sei”, uma instituição nacional. Nós sabemos tudo. Basta ver fazer, logo dizemos já sei! Afinal ser presidente da República é isto? O Adalberto da UNITA rosna: Já sei como se faz. Afinal governar é isto? Já sei. Também quero ser como a Dona Teresa Dias. Ou o senhor Oliveira da Comunicação Social, muito bom! Todo o dinheiro, escondido ou à vista, entrega à esposa! Mesmo muito bom moço. Não gasta à toa.

Os juristas e académicos da UNITA são peritos no já sei. Vai daí decidiram contrariar o voto popular e destituir o Presidente da República democraticamente eleito. Acontece que na Assembleia Nacional há muita gente que sabe mesmo. A maioria das deputadas e deputados escolheram para segunda figura do Estado (não decorativa) Carolina Cerqueira, a primeira entre pares. A tentativa estouvada dos Já Sei morreu à nascença. 

A Presidente da Assembleia Nacional fez o que lhe competia e o processo de destituição foi remetido para a cesta repartição que é o lugar do lixo em papel. Os sicários da UNITA apresentaram queixa ao Tribunal Constitucional. Ali os Já Sei não têm lugar. Quem lá está sabe mesmo. Ainda que tenham dois pesos e duas medidas o que fica mal a quem está em tão honrosa missão. No recurso de Carlos São Vicente não viram nem valorizaram o que viram no processo de Valter Filipe, Jorge Sebastião, José Filomeno dos Santos e António Bule Manuel. Justiça premeditada!

Os já Sei da UNITA levaram uma lição que, infelizmente, não lhe serve de nada porque só conhecem aquele discurso do Savimbi: “Vamos partir-lhes o focinho”. O qual não. Alguns, coitados, ficaram com as trombas partidas, outros sem cabeça, sem tronco e sem membros por ordem do próprio criminoso de guerra que nem poupava os seus!

Carolina Cerqueira era “acusada” de criar uma comissão ilegal. As e os venerandos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional disseram aos Já Sei que a “Constituição da República não impede a criação de tantas comissões quantas as necessárias”. E no processo de destituição em causa não há dois passos como defendem os analfabetos certificados da UNITA, mas três momentos. Primeiro: Proposta dos Deputados. Segundo: Iniciativa da Assembleia Nacional. Terceiro: Deliberação que exige dois terços dos deputados.  

Muito circo de horrores (os palhaços da UNITA são pagos a peso de ouro) e cada vez menos pão na mesa do Povo. Mas já temos um Presidente CFA. Um MPLA CFA. Um Kwanza CFA. Roubos à maneira da França CFA. 

A Bíblia diz que a Vitória É Certa. Quem sou eu para contrariar as verdades bíblicas. Estou farto de ser excomungado.

* Jornalista

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