Artur Queiroz*, Luanda
A Escola Grande do Cazenga está a desmoronar-se. Foi lá que milhares de crianças aprenderam a ler, escrever, contar e amar Angola. Daquelas salas saíram dirigentes políticos, profissionais de todos os ofícios, sobas pequenos, médios e grandes. Como de todas as escolas. O belo edifício, moderno, está a cair porque não teve nunca manutenção.
As ministras e ministros da Educação comem e bebem todos os dias. Tomam banho. Lavam os dentes. Fazem exercício (ou deviam fazer…). Vestem, calçam, perfumam-se. Cuidam de si. Mas esqueceram-se que a Escola Grande do Cazenga também precisa de cuidados.
Os administradores e administradoras municipais, ao longo dos anos, gerem o meu Cazenga. Cuidam da sua saúde, do seu bem-estar, das suas vidas, das suas contas bancárias. Mas esqueceram-se de cuidar do edifício da Escola Grande. Por isso tiveram de retirar, à pressa, as crianças das salas e distribuí-las por outos estabelecimentos de ensino do município. Mesmo a tempo de não fazerem do meu Cazenga a Faixa de Gaza.
A Grande Batalha de Luanda teve três fases. A primeira foi contra os independentistas brancos, em 1974. Participei nesses combates para protecção das indefesas populações dos musseques. Aproveito para manifestar a minha gratidão aos jovens angolanos que cumpriam serviço militar obrigatório no ASMA, no RI20, nos “Dragões”, no Grupo de Artilharia, nas unidades do Grafanil e de lá retiraram armas, munições e granadas de mão para enfrentarmos os matadores. Um agradecimento especial aos Comandantes Ingo e Tetembwa, que a partir do Comité Dona Amália comandavam os combatentes.
Esta Grande Batalha culminou com a conquista do quartel-general das tropas zairenses que, sob a capa da FNLA, matavam luandenses. Esses militares estavam instalados na fábrica de borracha, no Cazenga. Numa noite de Cacimbo, as FAPLA atacaram as tropas estrangeiras. Uma batalha terrível. Tiros por todos os lados. Eu cobria o acontecimento. As balas assobiavam por cima das nossas cabeças. Percebi que dali não saímos vivos.
O Comandante António José Maria (General Zé Maria) chegou ao grande largo do Cazenga com um morteiro e um ajudante. Montou a arma e começou a disparar, de peito aberto, ante o fogo nutrido do inimigo. De imediato se levantou uma espessa nuvem de fumo. O armazém da borracha tinha sido atingido. Os invasores morreram ou fugiram! Enquanto duraram os combates, as Mamãs andavam no meio do tiroteio e das explosões, servindo-nos canecas de café! Percebi que ninguém derrota um povo assim. E vencemos. Venceremos sempre.
O Cazenga já era o meu bairro. Vivi lá, na casinha de adobe da minha Tia Teresa, que está sepultada no Cemitério Novo (Sant’Ana). Desde aquela noite de Cacimbo passou a ser o meu Cazenga. Os poderes instituídos deixaram apodrecer a Escola Grande. Os netos das Mamãs que nos serviram canecas de café ficaram ainda mais pobres.
A política de Saúde do Executivo é inquietante. Apresente-se uma alma caridosa que explique ao Titular do Poder Executivo e à senhora ministra da Saúde que em Angola morrem crianças subnutridas. Com diarreias e Infecções respiratórias. Malária. Porque não têm medicamentos. Porque não têm um posto ou centro de saúde. Porque não têm médicos e enfermeiros. Porque não há informação e educação para a saúde. Angola não tem uma rede de cuidados primários de saúde digna desse nome. Não tem técnicos de saúde nas comunidades do interior. Nem sequer nos centros urbanos.
A resposta do Executivo é suicida. Todos os meses anunciam a abertura de um novo hospital com equipamentos modernos, de encher o olho. Não fazem falta? Claro que fazem. Mas antes dos grandes hospitais, das tecnologias de ponta, precisamos de visitadoras e visitadores sanitários. Precisamos de evitar as doenças para nunca termos der ir parar aos grandes hospitais. A saúde materna e infantil é prioritária. E isso faz-se nos cuidados primários, não é nos grandes hospitais que custam biliões, sendo pelo menos um bilião para quem contrata a obra.
Angola tem crianças que morrem porque as Mamãs não têm comprimidos contra a malária. Porque a água que consomem está inquinada. Porque vivem sem saneamento básico. Porque a alimentação é pouca ou não tem qualidade nem diversidade. Imaginem quantos biliões de comprimidos contra a malária compramos, com dez por cento dos aparelhos de ponta com que equipamos grandes hospitais. Está errado! Há crianças que não têm vitaminas nem proteínas, por isso morrem ou ficam doentes. Raquíticas. Imaginem quantas pílulas de vitaminas compravam, com um décimo do dinheiro que gastam em aparelhos que muitas vezes ficam a apodrecer nos caixotes.
Hoje a TPA fez manchete com a cirurgia robótica. Veio uma equipa dos EUA a Luanda, foi recebida pelo Presidente da República a no Palácio da Cidade Alta. O chefe do grupo falou ante as câmaras sobre os benefícios das cirurgias com robôs (aquilo é pouco invasivo) e já está vendido o peixe podre. A fuba podre. A fruta bichada. Assim se manipula. Assim se aldraba. Assim se engana. Perguntem aos esforçados médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde que trabalham nas províncias, no mundo rural, se precisam de cirurgia robótica. Perguntem-lhes o que falta nas suas unidades sanitárias.
Não nos atirem com areia para os olhos. Não enganem o povo porque o povo é o MPLA. Não desinformem. Não enganem. Nesta altura do campeonato, Angola não pode investir em hospitais de ponta. Não pode torrar milhões em cirurgia robótica. Angola tem de criar uma rede eficaz, alargada a todos os recantos do país, de cuidados primários de saúde. Angola tem de investir milhões na saúdem materna e infantil. Depois venha daí a cirurgia robótica.
Sabem que mais? A reportagem da TPA sobre a cirurgia robótica no Hospital Cardeal Alexandre do Nascimento é uma coisa pornográfica. Porque no mesmo país a Escola Grande do Cazenga está a ruir de podre. Porque naquele momento morreram mais crianças com doenças facilmente curáveis com medicamentos baratos. Respeitem o povo, porque o povo é o MPLA e o MPLA é o povo. Ou já não é assim?
Enão digam, sinceramente, francamente, olhos nos olhos. Digam ao Povo Angolano que o MPLA agora é uma espécie de parque do Iona onde a classe possidente se diverte e abastece os bolsos de milhões. Um pedido. Não deixem cair a Escola Grande do Cazenga. Nem que tenham de comorar ao estado terrorista mais perigoso dom mundo robôs de construção civil.
* Jornalista
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