António Vitorino* | Diário de Notícias, opinião
Nos primeiros meses do próximo ano a União Europeia será submetida a dois testes de stress, um a Leste e outro a Oeste, ambos tendo como epicentro Washington DC. Com efeito, os americanos elegeram democraticamente um Presidente portador de uma agenda de disrupção, tanto na ordem interna quanto na ordem internacional. E disrupção teremos seguramente.
A Leste torna-se evidente que se aproxima a passo estugado o momento de estabelecer o perímetro de um acordo de cessação das hostilidades. Cabe aos Ucranianos definir esse momento no quando e no como. Mas sendo previsível a conjugação de uma acrescida pressão americana com a redução do seu apoio à Ucrânia, cabe à União Europeia a responsabilidade de afirmar o seu apoio inequívoco à posição negocial Ucraniana e suprir as necessidades e carências que decorram da posição da nova Administração americana.
Um teste à unidade e coesão da União Europeia, mas também um desafio na relação transatlântica, importando fazer jogar em favor da Ucrânia a orientação transacional do novo Presidente americano e o seu desmesurado ego: para começo de mandato, Trump não pode caucionar o que possa parecer como uma vitória de Putin!
Acresce que qualquer solução para a fase aguda do conflito é indissociável da definição de uma estratégia de reconstrução da Ucrânia. Novo desafio para a União Europeia, mas também uma oportunidade que seguramente interessará a muitos de ambos os lados do Atlântico...
Qualquer que seja a concreta solução encontrada, a credibilidade europeia em matéria de segurança e defesa estará em jogo e o tema será central para a União e os seus Estados membros nos próximos anos.
O segundo teste de stress relaciona-se com a promessa eleitoral de Trump de aplicar, desde o início do mandato, através de “executive orders”, uma série de agravamentos tarifários visando objetivos políticos: em face do Canadá e do México em relação ao tráfico de droga e da imigração irregular, em face da China como parte de um plano mais vasto de “decoupling” das economias americana e chinesa, em face da União Europeia para reduzir o défice comercial dos EUA perante o Velho Continente.
Desconhecem-se - por ora - os detalhes deste plano tarifário da nova Administração americana, sendo evidente que vai reforçar uma deriva protecionista (iniciada no primeiro mandato de Trump e que, no essencial, foi mantida pela Administração Biden) e que contribuirá para enfraquecer o sistema multilateral de comércio, em especial a Organização Mundial de Comércio (OMC).
Esta estratégia americana vai exigir uma resposta coordenada da parte da União Europeia, atentos os impactos económicos em termos de inflação, crescimento económico e dependência europeia em relação a certos fornecimentos americanos (por exemplo no plano energético).
A União Europeia será assim chamada a negociar essa resposta, desde logo internamente (preparando-se para a possibilidade de as escolhas tarifárias americanas poderem ter impactos diferenciadas nos vários países europeus em função dos produtos e sectores visados...) e com os EUA, podendo ir até à necessidade de encontrar formas de retaliação (a terem que ser aceites por todos os Estados membros).
A redefinição dos termos de relacionamento transatlântico será, em primeira linha, um teste à unidade europeia e colocará como desafio e oportunidade afirmar um posicionamento europeu em linha com os princípios e valores do sistema multilateral de comércio. Este posicionamento será crucial para definir o papel da Europa na sua relação com outras áreas geográficas, a começar pela ratificação do recém-assinado acordo de comércio com o Mercosur.
Como dizem os pilotos da aviação
civil “vamos entrar numa zona de turbulência, apertem os cintos!”.
* Presidente do Conselho Nacional para as Migrações e Asilo
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