terça-feira, 25 de março de 2025

Angola | Os Fantasmas do Muangai -- Artur Queiroz

<> Artur Queiroz*, Luanda ---

A comuna de Lutuai ou Muangai tem hoje uma população de 11 mil habitantes. Fica a 260 quilómetro da cidade do Luena, capital da província do Moxico. E outros tantos da fronteira com a Zâmbia. Entre Mussuma, comuna fronteiriça, e Muangai são 260 quilómetros. A fundação da UNITA aconteceu em 13 de Março de 1966, na presença de 200 delegados. E toda a sua direcção: Jonas Savimbi, Tony da Costa Fernandes, Miguel Nzau Puna, Samuel Chiwale, Eduardo Jonatão Chingunji, Ernesto Mulato, Rúben Chitacumbi, José Ndele, Jerónimo Wanga, Kafundanga Chingunji, Tiago Sachilombo, José Liahuca, António Tchyulo e Major Pedro.

No ano da Fundação da UNITA, a guerrilha do MPLA avançava imparável na Zona Militar Leste (ZML). A 30 de Março de 1969, os colonialistas adoptaram a “Directiva Geral Angola em Armas”, com o fim expresso de “suster, reduzir e eliminar os combatentes do movimento”. O dispositivo militar português incluiu todos os militares do Galo Negro. Um ano antes, os majores Pedro e Sachilombo passaram-se de armas e pessoal para os Flechas da PIDE, em Lumbala Ngimbo (Gago Coutinho). 

A fundação da UNITA é contemporânea do nascimento das “Sanzala da Paz” como estruturas da contra-subversão. São irmãs gémeas. Em 1970, os efectivos militares portugueses em Angola atingiram os 55.233 homens, dos quais 36.174 eram da “metrópole” e os restantes (19.059) do recrutamento local (serviço militar obrigatório). Mais os grupos do Galo Negro. Efectivos que cresceram, em 1973, para 65.592. O recrutamento local diminuiu para 18 819.

Na Zona Militar Leste (ZML) a guerrilha do MPLA continuava a avançar para o Planalto Central e o Planalto de Malanje. Em 1971, o alto comando português criou uma área de operações que abrangeu os distritos da Lunda, Moxico, Bié e Cuando Cubango. O comando ficou instalado no Luena e tinha à disposição unidades de intervenção do Exército, Força Aérea e Marinha. Mais Tropas Especiais (TE), os Flechas da PIDE e os homens armados da UNITA.  

Em 31 de Março 1971 tomou posse do cargo de Comandante da ZML o General Bettencourt Rodrigues. Jonas Savimbi passou a reportar directamente ao seu comandante, por intermédio do capitão de artilharia Benjamim de Almeida, os postos da PIDE/DGS e o padre Oliveira. Oficiais portuguese do Estado-Maior: Tenente-Coronel Ramires de Oliveira, Major Franco Charais, Major Passos Ramos, das informações militares, (após o 25 de Abril 1974 chefe máximo da PIM, novo nome da PIDE/DGS), major Oliveira Carvalho e Major Espírito Santo. Estes eram os chefes de Jonas Savimbi.

 Os Pais Fundadores

Em toda a ZML existiam as “Sanzalas da Paz”. A tropa de ocupação chamava-lhes “populações aldeadas”. Cada comunidade dispunha de milícias próprias, em alguns casos enquadradas na Organização Provincial de Voluntários e Defesa Civil de Angola (OPVDCA). Nas áreas onde a guerrilha do MPLA era mais activa, o comando da ZML recorria a unidades de Fuzileiros, Comandos e Paraquedistas que faziam operações pontuais.

O MPLA, segundo um relatório do comando da ZML, entre a fronteira da Zâmbia e Muangai tinha 16 esquadrões com 80 guerrilheiros cada um. As suas armas eram AK-47, PPSH e RPG 7. Uma constatação: “Estão bem comandados”. 

A tropa portuguesa tinha entre Luena e Lumbala Ngimbo mais de mil homens distribuídos pelo Lucusse, Lunguébungo, Luvuei e  Lutemb o. Tinham tropa no posto fronteiriço de Mussuma e Chiume. Tropa (150 homens) no Ninda. Tropa no Muié. Tropa por todo om lado. Mais as milícias (TE) e os Flechas da PIDE. Aviões de reconhecimento Dornier (DO) estavam permanentemente no ar para vigiarem movimentos dos guerrilheiros do MPLA. Impossível 200 delegados e uma dezena de dirigentes da UNITA fazerem quase 300 quilómetros entre a fronteira da Zâmbia e Muangai ou Lutuai, sem derem detectados.

Os pais fundadores da UNITA em Muangai foram os militares portugueses. Levaram para a conferência do Muangai os delegados e futuros dirigentes do Galo Negro. Em viaturas pela estrada entre a fronteira e o Lucusse, ou subindo o rio Lunguébungo, na época patrulhado permanentemente por uma companhia de fuzileiro navais. De outra forma é impossível. Quem conhece a região sabe que em Março as imensas chanas ficam alagadas. 

O apoio logístico a 200 delegados mais uns trocos ainda hoje não é fácil, quanto mais em Março de 1966! As duas centenas de delegados foram apoiados e alimentados pela tropa portuguesa. Até porque na época quase não existia população civil para apoiar os fundadores da UNITA. A comida era distribuída pelas administrações civis e as unidades militares nas “Sanzala da Paz”, permanentemente controladas pela tropa portuguesa, os TE ou os Flechas da PIDE. 

Domínios de Savimbi

O comando da ZML destinou à UNITA uma área nas elevações do Munhango, de difícil acesso à guerrilha do MPLA. Fica nos limites do Moxico e Bié. Começou com 300 homens armados pela tropa portuguesa, mas aos poucos. Um relatório secreto de 1969 revela: “As dificuldades levaram o Dr. Savimbi a fazer uma aproximação com o Comando da Zona Militar Leste. Pretendendo colaborar com as Nossas Tropas na luta contra o MPLA. Essa colaboração foi materializada na Operação Madeira. O Comando da Zona Militar Leste fixou uma área rigorosamente limitada para actuação da sua guerrilha contra o MPLA”.

As forças armadas portuguesas apoiavam as populações que estavam com a UNITA nas colinas do Munhango. A UNITA protegia a circulação dos comboios do Caminho-de-Ferro de Benguela. Garantia a segurança dos Movimentos Logísticos (MVL) para as tropas portuguesas. Protecção aos madeireiros. Reforço dos Flechas da PIDE/DGS. Protegia os trabalhadores das empreiteiras que estavam a construir estradas no Leste de Angola. Em 1973, estavam a trabalhar no Leste e nas estradas cinco empreiteiras. Nesse ano abriram ao tráfego as estradas asfaltadas Lucusse- Gago Coutinho (Lumbala Ngimbo)-Ninda e Cuito-Menongue.

Para melhor se compreenderem os domínios concedidos pela tropa portuguesa a Jonas Savimbi, é preciso conhecer a realidade demográfica, em 1969, no Leste de Angola. Mais de 80 por cento da população vivia nas “Sanzalas da Paz”, que eram 1.900. Estes aldeamentos eram defendidos por 1.463 grupos de milícias o que dá 18.523 homens. Até final de 1968, tinham fugido para a Zâmbia ou para as zonas libertadas do MPLA, 58.200 civis. Registem este número: Entre os bundas, 142 autoridades tradicionais fugiram e 22 sobas aderiram à guerrilha do MPLA. Em meados de 1971, a população angolana refugiada na Zâmbia era de 9.000 civis.  

Números oficiais da população do Moxico controlada pelo governo, na época da fundação da UNITA. No município do Luena existiam 79 “Sanzalas da Paz” com 62.064 pessoas. Cazombo: 57 “Sanzalas da Paz” com 24.991 habitantes. Lucusse: 22 “Sanzalas da Paz” com 9. 578 habitantes. Cangamba: Cinco “Sanzalas da Paz” com 12.227 habitantes. Lumbala Ngimbo (Gago Coutinho): 41 “Sanzalas da Paz” com 7.923 indivíduos. Na “Sanzala da Paz” da UNITA (Munhango) existiam 3.000 habitantes e 300 homens armados. Total em toda a província do Moxico sob controlo das autoridades portuguesas, 119.783 habitantes. 

O Moxico tem 223 mil quilómetros quadrados. Portugal 92.150. Naquele deserto humano de 1966 nem um casal de gungas e suas crias passavam despercebidos à tropa portuguesa, quanto mais 200 delegados fundadores da UNITA.

Conclusão: A UNITA foi fundada em Março de 1966, a 15 quilómetros da base de fuzileiros navais do Lunguébungo e a quase 300 quilómetros da fronteira da Zâmbia ou da capital Luena. A mãe fundadora foi a PIDE. O pai fundador foi o comando da Zona Militar Leste, com a bênção do governo fascista e colonialista de Lisboa. 

Na época não existiam candongueiros com azulinhos para transportarem os delegados até Muangai. Nem existiam deputados do Galo Negro, com viaturas protocolares para darem boleia aos figurões ou figurantes da “fundação”. Quando muito, o Tenente Sabino mobilizou camiões dos madeireiros e dos empreiteiros. O mais certo foi os 200 delegados terem viajado em camiões Berliet ou jipes Unimog. Escoltados pela tropa portuguesa e os Flechas da PIDE.

A partir de agora Júlio Bessa, líder do Partido Cidadania fica com o seu pai Savimbi mas não volta a comparar o traidor com Agostinho Neto. Se o fizer mostra a careca. Está ao serviço dos que, desde 2017, estão apostados em destruir a imagem do Fundador da Nação e do Presidente José Eduardo dos Santos.

* Jornalista

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