Que as guerras no Leste da Europa
e no Médio Oriente fazem vítimas inocentes, já ninguém duvida. A novidade,
aqui, nesta minha crónica julgo, é André Ventura ser, na minha opinião, uma
dessas vítimas.
Calma jovem fã dos tik-toks da
Rita Matias; calma ancião que vês no Ventura o Moisés que abrirá os mares da
expulsão de nepaleses. Calma. Não fiquem por aqui e leiam até ao fim.
André Ventura é dos políticos com
mais tempo de antena na comunicação social portuguesa. Já o era antes de o
Chega ter eleito cinquenta deputados e, também por essa ordem de razão,
continua a ser daqueles que mais vemos no pequeno ecrã.
Não é que ele tenha muito para
dizer; de facto, não tem, mas a vida de um partido sem ideologia, como o Chega,
que vive do protesto do momento, depende da sua exposição mediática e, de
alguma forma, da sua capacidade em conseguir marcar a agenda.
Líderes com ideias e ideais vivem
do seu pensamento. Sem qualquer uma delas, sobra apenas o barulho como acto
contínuo de sobrevivência -é esse exactamente o caso de André Ventura e do
Chega, um partido de um homem só, apesar das tentativas de espalhar alguns
deputados, os menos grunhos, nos painéis de debate dos diferentes canais de
informação.
Com o tempo de antena dispensado
pelas televisões às guerras na Ucrânia, Gaza e agora Líbano, sobra menos do que
o habitual para os disparates do Ventura. Mas ninguém o pode condenar por falta
de activismo na busca de um holofote, de um microfone ou de um conflito.
Se o país arde, o bombeiro André
convoca conferências de imprensa para exigir penas maiores para os pirómanos.
Não vai pegar num balde para ajudar, falar de eucaliptos ou da limpeza das
matas. Nada de coisas que possam dar trabalho. Vai apenas criar mais um alvo
para o ódio; neste caso, quatro ou cinco malucos que puxam fogo à mata. Sobre o
negócio que, posteriormente, se faz na zona ardida… fica para outra altura.
Mas, enfim, o drama real é mesmo
ver as casas em chamas, mortes de bombeiros e aldeias arrasadas. Os holofotes
não se fixam no Ventura, e isso é uma chatice.
Surge então o Orçamento de Estado
(OE) e uma nova oportunidade de brilhar. Desde as eleições que o Chega se
queixa do ‘cordão sanitário’ imposto pela AD e, em cada oportunidade, faz o
possível para que o PSD se arrependa dessa decisão. Por exemplo, na aprovação
de medidas impostas pelo PS no Parlamento contra o Governo.
Também nas discussões do OE, o
nosso André não conseguiu estar no centro da decisão. O PSD andou a namorar
toda a gente, desde logo o PS e até a IL. E, no fim, deu algum tempo de antena
ao Chega, para ver se o PS mordia o isco. Percebeu-se agora que o PS não estava
disponível para aceitar o IRS Jovem e, mesmo assim, o Governo parece ter pouca
vontade de falar com o Chega, preferindo ir novamente para eleições. O ‘pastor’
André e os seus 49 discípulos ficam naquela situação caricata de serem a
terceira força no Parlamento, mas continuarem sem contar para o Totobola. Não
há quem veja nessa gente um parceiro fiável. Porque será?
O Presidente da República veio
dar uma mãozinha à decência e meteu-se na discussão, avisando que o impasse nas
negociações poderia deixar o Governo nas mãos do Chega. O André ficou possesso
e toca de convocar nova conferência de imprensa para cascar no Marcelo. “Até
parece que ficar nas mãos do Chega é algo negativo”, disse ele com ar
ternurento aos jornalistas. Então não é, rapaz? Não achas que Portugal tem já
problemas com fartura?
Falando em problemas, e com os
israelitas a continuarem a ocupar espaço de antena com as preparações para a
invasão do Líbano, eis que o bom do André se lembrou de criar problemas onde
não existem. Tudo em nome da agenda mediática onde o Chega está com
dificuldades em pontuar.
A Economia portuguesa depende,
neste momento, fortemente da mão-de-obra imigrante. A Segurança Social engordou
com as contribuições dos estrangeiros; a hotelaria, a restauração, a construção
e a agricultura dependem muitíssimo dos que escolhem Portugal para trabalhar. E
essa fatia da população ronda os 10% daqueles que habitam o nosso país. Até o
Governo, mesmo infiltrado com conservadores do calibre de Nuno Melo, já assumiu
que a imigração é fundamental para manter o país a funcionar.
Aliás, convenhamos, não é preciso
ser um Einstein para entender a problemática. Num país envelhecido, com baixa
natalidade, baixos salários e que exporta boa parte das pessoas com maior
formação, quem esperam que trabalhe por 800 euros? Noruegueses, alemães e
belgas? Ou nepaleses, paquistaneses e brasileiros?
Meus amigos, à partida, o fluxo
migratório dá-se na direcção de países mais ricos. Encontrar alguém mais pobre
do que Portugal, entre louros e arianos que agradem ao Chega, não parece ser
tarefa fácil.
Portanto, sendo a imigração algo
positivo para Portugal, o que decide André Ventura? Agendar uma manifestação
para os mandar embora e “devolver Portugal aos portugueses”. Com isso conseguiu
criar um momento político, mais umas horas de emissão e inventar uma agenda que
não existia. E, claro, conseguiu agradar aos seus eleitores com um discurso de
ódio e racismo primário.
Curiosamente, o Chega convocou
esta manifestação para o dia seguinte outra manifestação nacional, esta a
propósito de um problema real: o acesso à habitação. Outro tema sobre o qual o
Chega não tem nada para dizer porque o ódio, como perceberão, serve para ser
direccionado somente para pobres e estrangeiros. Não é para afrontar os poderes
instalados e, muito menos, os mais ricos.
Notem até que, apesar de andar
sempre com a falácia dos subsídios para os imigrantes, apesar dos números nos
dizerem que estes contribuem sete vezes mais do que recebem, André Ventura
sugeriu, no passado dia 25 de Setembro, que o Estado deveria subsidiar as
empresas para que pudessem aumentar o salário mínimo.
Estão a ver a contradição? Um
homem que dizia que era necessário cortar 50% do RSI no Acores – falamos de
prestações de aproximadamente 100 euros –, afirma agora que o Governo deve
subsidiar empresas para que paguem salários decentes.
André Ventura, ou o Chega (já que
são a mesma pessoa), não tem nada contra subsídios estatais; só não gosta é que
sejam dirigidos aos mais desfavorecidos.
Enfim, os anos passam, os votos
aumentam, o grupo parlamentar cresce e tudo aquilo que o Chega continua a ter
para oferecer é ódio, divisão e racismo, e ainda uma aterradora falta de
princípios e de ideias.
* Tiago Franco é engenheiro de
desenvolvimento na EcarX (Suécia)