Um imigrante somali lava-se num acampamento improvisado numa praia em Patras, na Grécia, a 11 de maio de 2009 |
The Wall Street Journal Europe, Bruxelas – Presseurop – imagem AFP
Para além de estar
a ser atingida pela crise e por medidas de austeridade draconianas, a Grécia
tem de enfrentar, com muito poucos meios, a chegada de milhares de imigrantes
provenientes do Médio Oriente e do subcontinente indiano. E, também aqui, a
solidariedade dos seus parceiros tarda a chegar. Excertos.
É início de tarde
neste importante porto a 200 quilómetros de Atenas e dois oficiais da marinha
grega patrulham as docas, cada um deles empunhando varas com espelhos na ponta
para procurarem debaixo dos camiões. Até agora não encontraram nada.
De repente, três
jovens irrompem por detrás de um enorme contentor e começam a descer uma doca.
Os polícias começam uma perseguição, mas o drama acaba antes de começar. Num
minuto, os três homens, mais rápidos e mais desesperados, escaparam para um
complexo industrial em ruínas.
Os homens, diz um
dos oficiais, são imigrantes ilegais, que aparentemente passaram a noite no
cais à espera de se poderem esgueirar para um dos ferries com destino a Itália.
Fazem parte de um dilúvio de trabalhadores ilegais que tentam chegar à Europa
através da Grécia e escapulirem-se às autoridades é apenas parte do processo.
“Dia sim, dia não, é a mesma história”, lamenta o oficial, tentando recuperar o
fôlego.
O país tornou-se
paulatinamente um trampolim para uma onda de trabalhadores do Médio Oriente e
do Sul da Ásia que fogem de mercados de trabalho devastados por anos de crise
governamental. Em 2011, um ano extraordinário por causa das revoltas no Norte
de África, foram detetadas 140 980 pessoas a entrar ilegalmente na UE, um
aumento de 35% em relação ao ano anterior, de acordo com a Frontex, a agência
europeia de controlo das fronteiras. Destes, 40% entraram através da Grécia.
Até julho deste ano, 23 mil pessoas foram apanhadas a atravessar a fronteira
ilegalmente, cerca de 30% mais do que no último ano.
O controlo de
fronteira na Grécia não é um problema novo. Mas os problemas económicos do país
e as restrições orçamentais estão a prejudicar muitos dos esforços para reduzir
o fluxo de imigração ilegal. Nos últimos dois anos, esperando poder dar alguma
ajuda, a Comissão Europeia – o órgão executivo da UE – começou a dotar a Grécia
com 255 milhões de euros (331 milhões de dólares) para proteção das fronteiras.
Mas isso é muito menos do que dá a alguns outros países com problemas de
fronteiras menos graves. E seja como for, anos de enorme burocracia e agora as
novas restrições à contratação pública na Grécia pararam alguns dos melhores
planos. Segundo um relatório confidencial da União Europeia, o país contratou
apenas onze funcionários para ajudar nos casos de processos de asilo, apesar
de, no ano passado, ter tido financiamento para 700 contratações.
A isto se juntam as
deploráveis condições de detenção em centros de imigração, segundo a opinião de
funcionários da UE e de grupos de direitos humanos, e a crescente preocupação
interna sobre o fluxo de chegadas de estrangeiros, e a Grécia vê-se a braços
com mais uma crise de proporções olímpicas.
“A Grécia não é a
Europa”
Em resposta, os
funcionários do Governo dizem que estão a fazer o melhor que podem, nas
difíceis circunstâncias em que estão. O novo ministro do Interior do país,
Nikos Dendias, diz que a Grécia leva muito a sério a proteção das fronteiras,
mas que a entrada de estrangeiros está a atingir proporções de crise. Chama à
Grécia uma “zona tampão da Europa” que carrega “um fardo desproporcionado”.
A ministra do
Interior austríaca Johanna Mikl-Leitner descreveu a fronteira greco-turca como
“tão aberta como a porta de um celeiro”, e o seu Governo defende que a saída da
Grécia do espaço Schengen deve continuar a ser uma opção. Alemanha, Finlândia e
Holanda – os três Governos que tomaram a posição mais dura em relação a Atenas
na crise do euro – têm também expressado repetidamente as suas preocupações
sobre a fronteira grega. Os diplomatas dizem que é desejável fazer planos para
reintroduzir os controlos de passaportes para os viajantes que chegam da
Grécia, efetivamente isolando-a do resto da zona Schengen.
Grande parte do
problema ocorre na fronteira nordeste da Grécia com a Turquia, uma linha de
falha de 130 quilómetros dominada pelo rio Evros, que se tornou a mais porosa e
politicamente poderosa fronteira da Europa. Mas portos como o de Patras
tornaram-se uma porta de saída preferencial da Grécia para o resto da União
Europeia para muitos imigrantes ilegais. A partir daqui, viajam através dos
mares Jónico e Adriático para Itália, onde ficam ou de onde seguem para os
outros países. No espaço Schengen, os viajantes não têm de mostrar a
documentação, mas alguns países estão a levar a cabo cada vez mais verificações
locais para apanharem os imigrantes ilegais quando estes cruzam fronteiras.
Aqui em Patras, o
terceiro maior porto do país, a algumas centenas de metros dos ferries
ancorados, o cheiro a urina seca sob o sol escaldante anuncia ilegais. Para lá
das velhas linhas férreas, um caminho de terra leva a um complexo industrial
abandonado. A fábrica Piraiki Patraiki, outrora um famoso fabricante de têxteis
nacional, foi durante meses habitada por dezenas de imigrantes ilegais, segundo
as autoridades fronteiriças. Eram cidadãos provenientes do Afeganistão e do
Paquistão, mas também do Sudão, de Marrocos e da Somália, e alguns da Costa do
Marfim. Recentemente expulsos pela polícia, cerca de 80 homens dormiam e comiam
em salas em ruínas onde noutros tempos o algodão era tecido para exportação.
“A Grécia não é
Europa. É Ásia, é África, não é a Europa”, disse Mohammed Ashar, de 23 anos, na
fábrica abandonada. Originário de Marrocos, pagou 1500 euros (1950 dólares) a
um contrabandista curdo na Turquia para atravessar o rio Evros, mas foi detido
do lado grego da fronteira e levado para Fylakio, um centro de detenção
próximo. Ali, foram-lhe tiradas as impressões digitais e ficou registado no
banco de dados de fronteiras da UE. No papel, a sua data de nascimento: Dia de
Ano Novo de 1989. Como a maioria das pessoas que entram na Grécia, não sabe o
seu aniversário, e como tantos outros fica registado com a data de 1 de
janeiro.
Um único escritório
central de processamento
O documento também
exige que o senhor Ashar volte para casa dentro de um mês – realçando outro
desafio da imigração para a Grécia e para os seus parceiros da UE. Em toda a
Europa, os imigrantes ilegais podem ser mantidos em centros de detenção, em
qualquer lugar, por algumas horas ou por algumas semanas, e depois é-lhes
entregue um documento obrigando-os a sair dentro de um mês. Isso economiza o
custo de repatriamento de imigrantes ilegais aos países de origem, mas limita a
maior parte das deportações àqueles que são apanhados outra vez para além dos
30 dias.
Tal como muitos
outros antes dele, o senhor Ashar não voltou para casa. Em vez disso, foi para
Alexandroupolis e depois para Atenas antes de vir para Patras, escapando à
prisão durante a evacuação, pela polícia, da fábrica abandonada. No final de
julho, depois de nove meses passados na Grécia, Ashar entrou furtivamente num
ferry com destino a Itália, onde espera ficar. “Não há empregos para os gregos,
como pode haver emprego para nós?”, pergunta ele num francês com sotaque
inglês.
Embora a Grécia
sofra o peso da pressão política, não é certo que o país tenha o maior problema
de imigração ilegal da Europa. No ano passado, estavam ilegalmente na Europa
cerca de 351 mil pessoas por terem ultrapassado o limite dos seus vistos, mais
do dobro do número de pessoas que atravessaram a fronteira para a Europa sem
documentos, de acordo com a Frontex.
Proteger as
fronteiras é uma questão de soberania nacional que a maioria dos governos
europeus não está disposta a ceder a Bruxelas. A Comissão Europeia está a
tentar agir como um árbitro para preservar a zona sem passaporte, mas Cecilia
Malmström, comissária da UE para os Assuntos Internos, disse que as discussões
sobre a imigração se têm tornado mais difíceis sob o atual clima político dos
Estados-membros.
Em junho, os
ministros do Interior dos governos da UE insistiram que as autoridades
nacionais devem ter novos poderes para reintroduzirem os controlos de
passaporte por um período até dois anos para isolarem um país Schengen que
tenha “graves deficiências” no controle das fronteiras. O seu voto levou a uma
batalha amarga e ainda não resolvida, em Bruxelas, com a Comissão e o
Parlamento – a única instituição da UE eleita pelos cidadãos – a combaterem a
decisão.
Na verdade, quando
a UE decidiu distribuir o seu material de guerra para a proteção das fronteiras
isso tornou-se numa espécie de uma bola de futebol política – e uma declaração
sobre a sua avaliação do uso de fundos públicos pelos gregos. Embora admitindo
que são prejudicados por um orçamento inflexível e de longo prazo, as
autoridades da UE dizem que a Espanha e Itália juntas recebem mais fundos
porque são melhores a lidar com os pedidos de asilo. Há um único escritório
central de processamento para toda a Grécia, aberto apenas algumas horas, uma
vez por semana, em Atenas. “Em termos de asilo, a Grécia não tem um sistema de
que possa falar”, disse um funcionário da UE, que não quis ser identificado.
Fraca cooperação
entre a UE e a Turquia
Em abril passado,
num relatório interno, a Comissão Europeia também criticou a lendária
burocracia do Governo por ser “muito pesada” e “impedir o rápido desembolso” do
financiamento da UE. Fontes oficiais do Governo grego dizem que estão a tentar
reformar essa situação, mas lembram que também foram prejudicados com a proibição
imposta pelos credores internacionais que os obriga a limitar os gastos público
do país. Dizem que estão a tentar estabelecer um sistema mais integrado para o
processamento dos casos de asilo.
Num café na estação
de comboios de Alexandroupolis, um homem que se identificou a si próprio como
sendo um traficante da Argélia, descreveu o sistema de classes da imigração
ilegal. Os sírios são os mais ricos e estão dispostos a pagar dez mil euros
para chegarem à Noruega, à Finlândia ou à Suécia para pedirem asilo. Contou que
cobra cinco mil euros por um falso passaporte grego e 1500 euros apenas para
atravessar o rio.
Os bengaleses são
enganados pelos traficantes sobre as suas perspetivas na Grécia, acrescentou.
"Dizem-lhes que, em Atenas, vão ser uns reis”, garante. “Mas quando lá
chegam, percebem que não há reino.” O homem, que diz chamar-se Nassim, afirma
que esteve na Grécia durante cinco anos, a passar imigrantes ilegais.
A comissária
Malmström disse que, na Europa, este género de tráfico se tornou um negócio que
atinge os 25 mil milhões de euros por ano e que é tão lucrativo que é difícil
de combater. Entre outras medidas, segundo a comissária, a Europa está a
partilhar mais informação secreta entre os Estados-membros, enquanto a Frontex,
a agência de fronteiras da UE, se tornou uma presença constante nas fronteiras
greco-turcas, partilhando diretores dos Estados-membros da UE em missões
mensais de vigilância.
Mas os problemas
continuarão a acumular-se. Entre eles: a fraca cooperação da UE com a Turquia em
matéria de migração. As autoridades gregas não podem reenviar os imigrantes
ilegais para a Turquia, porque não há acordo de readmissão entre a UE e a
Turquia. Em junho, os ministros da UE concordaram em iniciar negociações sobre
um tal acordo. Mas com Ancara a exigir que os turcos passem a ter isenção de
visto no espaço Schengen, não há data definida para uma resolução final. E
mesmo dentro da UE, a solidariedade não é a norma.
* Traduzido do
inglês por Maria João Vieira
Sem comentários:
Enviar um comentário