segunda-feira, 5 de novembro de 2012

ALEMANHA DEVE ASSUMIR OS RISCOS DOS “ERROS” QUE COMETEU

 

Jorge Nascimento Rodrigues - Expresso
 
O economista belga Paul De Grauwe, professor na London School of Economics, alerta que a tentação de "partir" a zona euro provocará "a mãe de todas as crises financeiras". Berlim, com a sua estratégia de acumulação de excedentes externos e de financiamento dos défices dos "periféricos" durante os anos da "bolha", gerou a atual situação.
 
"Os bancos alemães emprestaram montantes enormes aos países periféricos sem terem realizado uma análise de crédito adequada. A Alemanha, e não outrem, é responsável por assumir esses riscos", afirmam Paul De Grauwe, economista belga e professor na London School of Economics e colunista regular no Expresso, e Yuemei Ji, professora na Universidade de Lovaina, na Bélgica.
 
Os dois economistas falam dos "erros alemães" que conduziram à atual situação de desequilíbrios graves dentro da zona euro entre os elevados excedentes externos da Alemanha e os défices externos em particular dos países "periféricos" da moeda única. Os dois académicos publicaram na sexta-feira o artigo intitulado "Target 2 as a scapegoat for Germam Errors", no blogue europeu VOXeu.org.
 
O disparo dos excedentes externos alemães deu-se a partir de 2001 e teve um pico em 2007, antes do rebentar da crise financeira mundial. O valor dos excedentes subiu até 8% do PIB em 2007, tendo descido para 5,9% em 2011 e prevendo-se que ultrapasse o limiar dos 6% do PIB este ano, segundo o jornal alemão "Financial Times Deutschland", enquanto a China deverá reduzi-lo para 2,3%. Em termos absolutos, a Alemanha atingirá um excedente, em 2012, de 210 mil milhões de euros.
 
A parte que diz respeito à zona euro somou em 2011 cerca de 60 mil milhões de euros em mais de 130 mil milhões de euros de excedente total. Desde o início da zona euro, o excedente externo acumulado em relação ao resto da zona euro foi de 665 mil milhões de euros, dos quais apenas 127 mil milhões dizem respeito ao pós-2009, quando se iniciou a crise das dívidas soberanas.
 
Financiamento do sobreendividamento "periférico"
 
A contrapartida destes enormes excedentes em relação ao resto da zona euro (que atingiram em 2007 um pico de mais de 100 mil milhões) foi o endividamento crescente dos países deficitários da zona euro. Segundo De Grauwe e Ji, o acumulado dos fluxos financeiros líquidos da Alemanha para os "periféricos", desde o início da zona euro, ascendia a 634 mil milhões em final de 2011. Este mecanismo de financiamento do sobreendividamento dos "periféricos" criou "a ilusão de que não havia risco envolvido". Na realidade, "os riscos aumentavam de ano para ano", dizem os dois autores. Este risco é "da inteira responsabilidade" da Alemanha, frisam.
 
De Grauwe e Ji comentam a tentação atual de uma desintegração da da zona euro, como se a pertença dos "periféricos" fosse uma fralda descartável: "A Alemanha enfrentará o risco de alguns dos países devedores entrarem em bancarrota". E, consequentemente, o sistema bancário [alemão] terá de ser resgatado pelo governo de Berlim (com as perdas para os contribuintes que se seguirão).
 
O temor a uma desintegração da zona euro tem conduzido a uma "fuga" dos depositantes não-residentes do sistema bancário dos "periféricos" e a uma "deslocação" dos investidores em títulos de dívida soberana da "periferia" para os Bunds alemães. Os bancos alemães e outros do "Norte" cortaram as suas linhas de crédito para os bancos do "Sul". O sistema interbancário da zona euro deixou de funcionar desde 2010 e o mercado da dívida está "fragmentado" como não se tem cansado de repetir Mário Draghi, o presidente do Banco Central Europeu.
 
A Alemanha poderia ter evitado esta trajetória? Poderia, dizem os dois autores - "reduzindo os seus excedentes". Mas, até à data, recusou-se.
 
Talvez o exemplo possa vir da China - que já terá reduzido o seu excedente para 2,3% do PIB, segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional para 2012. A China tem excedentes externos desde 1994. Em 2010 tinha um excedente que era 50 vezes superior ao daquele ano, em que se iniciou o disparo. Em 2007 atingiu um pico de 10% do PIB, tendo, desde essa altura, ao longo da grande crise financeira global, descido para 2,8% em 2011. Segundo o FMI, a média anual até 2017 deverá ser de pouco mais de 3% do PIB. O artífice desta descida foi a valorização do yuan, particularmente desde 2005.
 

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