Jorge Nascimento
Rodrigues - Expresso
O economista belga Paul
De Grauwe, professor na London School of Economics, alerta que a tentação de "partir"
a zona euro provocará "a mãe de todas as crises financeiras". Berlim,
com a sua estratégia de acumulação de excedentes externos e de financiamento
dos défices dos "periféricos" durante os anos da "bolha", gerou
a atual situação.
"Os bancos
alemães emprestaram montantes enormes aos países periféricos sem terem
realizado uma análise de crédito adequada. A Alemanha, e não outrem, é
responsável por assumir esses riscos", afirmam Paul De Grauwe, economista
belga e professor na London School of Economics e colunista regular no
Expresso, e Yuemei Ji, professora na Universidade de Lovaina, na Bélgica.
Os dois economistas
falam dos "erros alemães" que conduziram à atual situação de
desequilíbrios graves dentro da zona euro entre os elevados excedentes externos
da Alemanha e os défices externos em particular dos países
"periféricos" da moeda única. Os dois académicos publicaram na
sexta-feira o artigo intitulado "Target 2 as a scapegoat for Germam
Errors", no blogue europeu VOXeu.org.
O disparo dos
excedentes externos alemães deu-se a partir de 2001 e teve um pico em 2007,
antes do rebentar da crise financeira mundial. O valor dos excedentes subiu até
8% do PIB em 2007, tendo descido para 5,9% em 2011 e prevendo-se que ultrapasse
o limiar dos 6% do PIB este ano, segundo o jornal alemão "Financial Times
Deutschland", enquanto a China deverá reduzi-lo para 2,3%. Em termos
absolutos, a Alemanha atingirá um excedente, em 2012, de 210 mil milhões de
euros.
A parte que diz
respeito à zona euro somou em 2011 cerca de 60 mil milhões de euros em mais de
130 mil milhões de euros de excedente total. Desde o início da zona euro, o
excedente externo acumulado em relação ao resto da zona euro foi de 665 mil
milhões de euros, dos quais apenas 127 mil milhões dizem respeito ao pós-2009,
quando se iniciou a crise das dívidas soberanas.
Financiamento do
sobreendividamento "periférico"
A contrapartida
destes enormes excedentes em relação ao resto da zona euro (que atingiram em
2007 um pico de mais de 100 mil milhões) foi o endividamento crescente dos
países deficitários da zona euro. Segundo De Grauwe e Ji, o acumulado dos
fluxos financeiros líquidos da Alemanha para os "periféricos", desde
o início da zona euro, ascendia a 634 mil milhões em final de 2011. Este mecanismo
de financiamento do sobreendividamento dos "periféricos" criou
"a ilusão de que não havia risco envolvido". Na realidade, "os
riscos aumentavam de ano para ano", dizem os dois autores. Este risco é
"da inteira responsabilidade" da Alemanha, frisam.
De Grauwe e Ji
comentam a tentação atual de uma desintegração da da zona euro, como se a
pertença dos "periféricos" fosse uma fralda descartável: "A
Alemanha enfrentará o risco de alguns dos países devedores entrarem em
bancarrota". E, consequentemente, o sistema bancário [alemão] terá de ser
resgatado pelo governo de Berlim (com as perdas para os contribuintes que se
seguirão).
O temor a uma
desintegração da zona euro tem conduzido a uma "fuga" dos
depositantes não-residentes do sistema bancário dos "periféricos" e a
uma "deslocação" dos investidores em títulos de dívida soberana da
"periferia" para os Bunds alemães. Os bancos alemães e outros do
"Norte" cortaram as suas linhas de crédito para os bancos do
"Sul". O sistema interbancário da zona euro deixou de funcionar desde
2010 e o mercado da dívida está "fragmentado" como não se tem cansado
de repetir Mário Draghi, o presidente do Banco Central Europeu.
A Alemanha poderia
ter evitado esta trajetória? Poderia, dizem os dois autores - "reduzindo
os seus excedentes". Mas, até à data, recusou-se.
Talvez o exemplo
possa vir da China - que já terá reduzido o seu excedente para 2,3% do PIB,
segundo as estimativas do Fundo Monetário Internacional para 2012. A China tem
excedentes externos desde 1994. Em 2010 tinha um excedente que era 50 vezes
superior ao daquele ano, em que se iniciou o disparo. Em 2007 atingiu um pico
de 10% do PIB, tendo, desde essa altura, ao longo da grande crise financeira global,
descido para 2,8% em 2011. Segundo o FMI, a média anual até 2017 deverá ser de
pouco mais de 3% do PIB. O artífice desta descida foi a valorização do yuan,
particularmente desde 2005.
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