Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias, opinião
A reivindicação de que é necessário aumentar salários surge, por vezes, como sendo uma questão nacional consensual. Pura ilusão, que se forma quando a discussão é feita em abstrato e sob pretensos princípios éticos universais, e se desmorona quando se discutem políticas concretas numa empresa ou no plano nacional.
No passado, sobretudo desde o virar do século, o crescimento da produtividade foi superior ao crescimento dos salários reais, tomados como variável de ajustamento da economia. Houve uma transferência de rendimento da generalidade dos trabalhadores para os acionistas das empresas - mais profunda no período da troika. Os impactos da epidemia de covid-19, as implicações económicas da guerra na Ucrânia, a chegada de vagas de imigrantes, muitas vezes explorados até ao tutano, a demolição da negociação coletiva - a primeira causa de cada vez mais vencimentos se aproximarem do mínimo - têm sido barreiras ao crescimento dos salários. Outros fatores se articulam com estes a impedir uma mais forte vontade coletiva de luta pela subida salarial.
A realidade política e económica internacional (também a nacional) está a esboroar-se a cada dia que passa. As notícias são imagens de caos, de impossibilidade de planos económicos para responder às necessidades das pessoas, da iminência da guerra generalizada. A ausência de objetivos de paz, geradores de esperança, leva ao extremo a ideia de que se impõe aos trabalhadores todas as “prudências”. E o belicismo que marca o atual contexto geopolítico trará mais argumentos para o sacrifício de políticas salariais, laborais e sociais.
Existem convicções de que o esforço nacional conta pouco para a construção de soluções. A direção política e os burocratas da União Europeia (UE), ao forçarem (desde logo junto dos povos dos países mais pequenos e periféricos) fundamentalismos dos tratados e regras da UE, negam margens de manobra para a necessária autonomia política nacional, baixam a qualidade dos nossos políticos e agentes económicos e impedem boas políticas públicas.
Está com força a teoria neoliberal da ineficácia da subida salarial. Ela assenta em três ideias falsas: i) que a maior parte dos custos empresariais é com salários e que os outros custos são fixados externamente e dependentes das “leis” do mercado; ii) que forçar um aumento salarial é provocar inflação, com prejuízo simultâneo para trabalhadores e acionistas, escamoteando o peso da força relativa de cada um dos contendores presentes na divisão do bolo; iii) que a aposta numa maior procura apenas aumenta as importações, obrigando a prazo a uma maior austeridade para repor os equilíbrios externos, como se não houvesse possibilidade de garantir alternativas produtivas.
A manterem-se estas políticas, o efeito tsunami será real. Crescente exportação de qualificações, empobrecimento da capacidade produtiva, quebra salarial em espiral.
* Investigador e professor universitário
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