Pedro Tadeu – Diário de Notícias, opinião
Angela Merkel bem
tentou, mas não conseguiu evitar: o que vimos ontem na visita a Portugal foi
mais do que um apoio ao primeiro-ministro e às políticas que ele aplica. Foi um
momento visualmente feudal: uma suserana e sua corte a visitar nobres vassalos
e a prometer proteção e benefícios em troca de fidelidade e obediência. Acho
melhor esquecermo-nos deste dia...
... Ou talvez não.
Um dos pontos em que a senhora Merkel voltou a bater foi naquilo que ela diz
ser a necessidade de aplicar reformas estruturais de que a economia portuguesa
necessitará, especificando a questão da reforma laboral como uma das
prioritárias. Já o sabíamos por Passos Coelho, que acrescentou à receita a
refundação do Estado, talvez social.
Isto tem vários
obstáculos: uma resistência enorme na opinião pública e uma Constituição que
limita a capacidade de legislar naquele sentido. A vontade de Merkel e de
Passos, consequentemente, obriga à revisão da Constituição, como já sábias
cabeças explicaram.
Acontece que os
problemas que agora se identificam como tendo uma solução constitucionalmente
impossível são levantados há pelo menos 25 anos pelas mesmas pessoas.
Ora, há mais tempo
do que esse, as famílias políticas que sustentam essa argumentação (CDS, PSD e
PS) têm maiorias de dois terços na Assembleia da República e condições
políticas para efetuar essas alterações. Mas até agora entenderam que não
deviam ultrapassar certos limites.
A principal função
de uma Constituição é garantir força aos mais fracos em tempos de crise, seja
ela política, económica ou de outra qualidade qualquer. Se quando é preciso,
mais do que nunca, defender os mais fracos, esta classe política os trai e muda
a Constituição para ajeitar leis a formas até agora consideradas abusivas, como
quem muda as regras de um jogo a meio, que tipo de respeito pelo regime estão à
espera que reste? Porque não fizeram essas mudanças quando vivemos tempos de
abundância, quando podíamos discutir esses assuntos sem estar debaixo da
exigência credora da senhora Merkel ou do que ela, simbolicamente, representa?
Dirão alguns que há
coisas no texto constitucional anacrónicas... Fui ver a Constituição dos
Estados Unidos da América, o país que estes pró-revisão mais admiram: prevê,
por exemplo, que o Estado americano possa passar cartas de corso. Este
anacronismo nunca foi emendado. É que o anacronismo não é um problema
prioritário. A lealdade institucional para com os cidadãos, essa sim, é a
prioridade das regras básicas que definem um Estado decente.
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