terça-feira, 6 de novembro de 2012

UMA SEMANA CHEIA DE ACONTECIMENTOS

 

 
Mário Soares - Diário de Notícias, opinião - hoje
 
1 COMECEMOS PELA CHINA
 
Sempre pensei que a contradição fundamental da China consistia em procurar manter, politicamente, um regime comunista, puro e duro e, ao mesmo tempo, desenvolver uma economia neoliberal de um capitalismo selvagem. Esta conjugação não podia deixar de dar mau resultado. Ainda não está a dar. Mas há grandes tensões entre os magnatas cheios de dinheiro e uma classe média poderosa que pretende ter, cada vez mais, o seu lugar ao sol. Sem falar dos rurais, que são a esmagadora maioria da população chinesa, que está a tomar consciência política e social e a aprender com Confúcio (e não com Mao).
 
Vem isto a propósito do 18º. Congresso do Partido Comunista Chinês que abre em Pequim no dia 8 deste mês, a próxima quinta--feira. Há tensões latentes que virão ao de cima e, ao mesmo tempo, um certo consenso, ao que parece, quanto à necessidade de reformas políticas e económicas. As duas grandes figuras da política chinesa, o Presidente da República da China, Hu Jintao (desde 2003) e o primeiro-ministro, Wen Jiabao, vão retirar-se das suas funções e dar lugar, tanto quanto se sabe, a personalidades mais jovens e já conhecidas. Ao que escreve Le Monde, de 29 de outubro, os substitutos serão: Xi Jinping, de 59 anos, que descende da chamada aristocracia vermelha e será o futuro Presidente da República; e Li Keqiange, atual vice-primeiro-ministro e próximo do Presidente Hu Jintao, de 57 anos, que será o próximo primeiro-ministro.
 
Vai ser interessante seguir, apesar da censura, o que irá passar-se durante o 18º Congresso do Partido Comunista Chinês e como é que será possível harmonizarem-se as diferentes correntes políticas e os seus respetivos interesses. Bem como como irão atuar os membros do Comité Permanente do Partido, todo-poderoso, constituído por 7 pessoas (das quais, uma mulher, Liu Yandong). As desigualdades económicas e sociais são enormes entre a população chinesa. E mesmo dentro do Partido, rigidamente comunista, que dirige o Estado.
 
A China é a segunda maior economia do mundo, credora dos Estados Unidos, por ter uma enorme reserva de dólares, que aliás lhe serve de pouco. Mas também começa a sentir as dificuldades da crise financeira que afeta o Ocidente. Daí, a importância de seguir, na medida do possível, o que se vai passar no Congresso que começa na semana em que estamos.
 
2 AS ELEIÇÕES AMERICANAS
 
Quando escrevo começaram a realizar-se as eleições presidenciais americanas - o Presidente Obama já votou - que não só dividiram a população americana, quase em duas metades, como apaixonaram, naturalmente, os Estados Unidos, a América Latina, a União Europeia e o mundo. Os dois candidatos, Barack Obama (democrata) e Mitt Romney (republicano) são profundamente diferentes. E como a América continua a ser a primeira potência política e económica do mundo não é indiferente para ninguém que siga a política internacional que seja um ou outro dos candidatos a ganhar.
 
Por mim, antes das primeiras eleições presidenciais, ganhas brilhantemente por Barack Obama, sempre fui um entusiástico partidário de Obama, pela leitura que fiz dos livros que publicou e pelos discursos que fez manifestando as suas ideias. Um afro-americano, em que quase ninguém então acreditava poder ser Presidente dos Estados Unidos, onde ainda há tantos preconceitos racistas, mas que se revelou um estadista excecional, com uma invulgar cultura humanista, e um conhecimento enorme da política interna (dos Estados Unidos) e externa, do mundo, tão complexo e contraditório dos nossos dias.
 
Lembro-me que estava em Biarritz, a participar num Encontro Internacional sobre a União Europeia e a América Latina, em vésperas das eleições americanas. Discutia-se - entre nós - quem iria ganhar. Diga-se que a maioria dos presentes era por Obama, mas temia que perdesse, justamente por ser um afro-americano. Eu estive sempre convencido que Obama ganhava, como na manhã seguinte verificámos, com grande júbilo, que tinha acontecido.
 
Passaram os anos, de um mandato extremamente difícil e frutuoso. Muitas promessas não foram cumpridas. Como, por exemplo, Guantánamo. Alguns dos seus partidários, que esperavam tudo do novo Presidente, ficaram dececionados com Barack Obama. Não tinham razão. Não quiseram perceber que ele estava completamente cercado pelos republicanos, com maioria no Congresso, e por uma crise financeira - que não foi da sua responsabilidade - a maior de sempre nos Estados Unidos.
 
Obama aguentou tudo. Teve grandes êxitos: desde os discursos admiráveis que proferiu no mundo islâmico, na Europa e até na China, ao prémio Nobel da Paz, que lhe foi justamente atribuído, até à pequena (ainda) recuperação económica e financeira que conseguiu, bem como a uma curta baixa do desemprego, à retirada do Iraque, ao assassinato de Ben Laden, o grande responsável da tragédia do 11 de Setembro de 2001, sem esquecer a grande vitória que foi a lei da saúde que permite aos americanos pobres (que os há e muitos) ter cuidados de saúde gratuitos.
 
O seu rival, como candidato, Mitt Romney, ultramilionário e religioso mórmon, revelou-se na campanha um adversário aguerrido e eficiente. Tendo recolhido imenso dinheiro para a campanha, oferecido - e sabemos porquê - pelos grandes magnatas americanos. O Partido Republicano, ao contrário do seu candidato ( que é mais inteligente e moderado), fez e inventou tudo o que podia - sem escrúpulos - para destruir Obama. Mas não o conseguiu.
 
Os dois candidatos chegaram a estar empatados. Mas, na hora da verdade, as coisas mudaram, com o auxílio do furacão Sandy, durante o qual Obama se revelou, mais uma vez, um grande Presidente.
 
Se fosse derrotado seria uma tragédia para a América e para o mundo. Estou convicto de que não o será. E que os leitores que me leem, amanhã, vão ter uma grande alegria: a vitória de Obama! Para governar, fazer frente e acabar, nos próximos quatro anos, com a crise global que tanto nos afeta.
 
3 MERKEL VEM AÍ
 
No dia 12 do corrente mês. Por seis horas, ao que parece. Não será bem acolhida pelo Povo Português - pelo contrário -, que a responsabiliza pela troika, que o Povo odeia, principalmente, porque age como se Portugal fosse um protetorado seu. Quem tenha uma réstia de patriotismo não pode esquecer que Angela Merkel, com as suas permanentes tergiversações, só tem feito mal à União Europeia - e à Zona Euro, em particular - no que julga, ilegitimamente, poder mandar. Não pode, nem deveria se fosse sensata. Mas não é, como se tem visto.
 
O último discurso que fez, já em novembro, foi em absoluto contraditório com o que tinha feito antes, quando disse, na Grécia, "que nunca a deixaria cair". É capaz de vir cá dizer o mesmo. O discurso a que nos referimos - é certo - foi feito num congresso regional do seu Partido e disse o que os seus correligionários queriam ouvir: "É preciso reformas estruturais para impulsionar a economia." Quais? "Mais programas de austeridade." Ora isso foi o que pediu aos parceiros europeus, vítimas dos mercados, para os próximos cinco anos. Imagine-se! Quando é óbvio - a opinião pública europeia já o percebeu - que mais austeridade só nos pode conduzir ao abismo. Se lesse um artigo que há dois ou três dias publicou o seu predecessor Helmut Schmidt, no L'Express, talvez compreendesse o disparate que tem preconizado. Mas Merkel só pensa nas eleições que quer ganhar - a qualquer preço - no próximo ano. E Schmidt votará no social-democrata Peer Steinbrück, o que faz toda a diferença...
 
Quando Merkel vier a Lisboa, creio, o Presidente Barack Obama já terá ganho as eleições de hoje. Um vento novo terá começado a soprar dos Estados Unidos. E então ouviremos da chancelar Merkel outro tipo de discurso. Essa tem sido a sua especialidade... Os mercados terão de ser disciplinados e haverá - isso sim - muitos cortes na austeridade para que a economia possa finalmente crescer e o flagelo do desemprego diminuir radicalmente. Vai ser interessante, então, ouvi-la...
 
4 O POVO CONTRA O GOVERNO E O GOVERNO CONTRA O POVO
 
Em Portugal estamos a viver uma situação política e social completamente inédita. O Povo, em sucessivas manifestações, de norte a sul do País e nas Regiões Autónomas, insulta quase todos os dias o Governo, chamando aos ministros "gatunos". E estes não protestam: fogem às vaias, como se nada fosse...
 
É verdade que os pensionistas, que décadas seguidas descontaram para terem uma reforma razoável, foram agora cortados nessa mesma reforma pelo Governo. O que constitui um roubo, visto que o dinheiro arrecadado pelo Governo, não lhe pertencia, mas sim aos pensionistas, que o entregaram ao Estado para virem a ter as suas reformas.
 
Mas não é só por isso que o Povo, de todas as condições, odeia o atual Governo. É porque há milhares de desempregados - e as suas famílias - sem dinheiro para comer, a classe média está a desaparecer, as empresas a falir, o País a empobrecer e os licenciados mais bem preparados a emigrar. Sem que o Governo lhes dê qualquer explicação aceitável ou sequer dialogue minimamente com os lesados. Nada. É o silêncio, como se o Povo não existisse. Ora para o Governo as pessoas não existem: só os números e normalmente falsos.
 
Como é possível que perante tão desastrada situação o Governo não se demita? Só tem uma explicação: por falta absoluta de patriotismo e de sensibilidade política e social. A coligação não se entende entre si. Os militantes mais prestigiados do PSD e dos Populares PP/CDS, cuja linha política é em absoluto contrária à do Governo, protestam mas não são ouvidos. O PS tem sido humilhado pelo Governo. Foi chamado no último dia, à última hora, pelo primeiro-ministro, sem lhe dizer porquê e para quê, talvez por pressão da troika. É óbvio que não podia deixar de recusar. Foi com a unanimidade dos seus militantes que Seguro recusou mais austeridade. Não é possível para o PS colaborar com um Governo que detesta o Povo! Só há uma resposta: demita--se! Contudo, o Governo - sem saber o que fazer - continua no seu silêncio e labirinto. Porquê? Por interesse, por incompreensível vaidade, por medo? Talvez por tudo isso, acrescentando-lhe ainda incompetência e ignorância.
 
O pior é que o ódio ao Governo - e aos seus responsáveis e apaniguados - está a aumentar todos os dias. Basta passar pelas ruas e ouvir as pessoas de todas as condições. Nunca se viu nada de comparável, mesmo no salazarismo. O desespero pode conduzir à violência, quando as Forças de Segurança e as próprias Forças Armadas estão no mesmo comprimento de onda, quanto ao descontentamento...
 
O Governo deve refletir e demitir-se. Não é a primeira vez que isso acontece, depois do 25 de Abril. E antes que seja tarde demais para o chefe do Governo e os seus ministros.
 

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