Mário Soares -
Diário de Notícias, opinião - hoje
1 COMECEMOS PELA
CHINA
Sempre pensei que a
contradição fundamental da China consistia em procurar manter, politicamente,
um regime comunista, puro e duro e, ao mesmo tempo, desenvolver uma economia
neoliberal de um capitalismo selvagem. Esta conjugação não podia deixar de dar
mau resultado. Ainda não está a dar. Mas há grandes tensões entre os magnatas
cheios de dinheiro e uma classe média poderosa que pretende ter, cada vez mais,
o seu lugar ao sol. Sem falar dos rurais, que são a esmagadora maioria da
população chinesa, que está a tomar consciência política e social e a aprender
com Confúcio (e não com Mao).
Vem isto a
propósito do 18º. Congresso do Partido Comunista Chinês que abre em Pequim no
dia 8 deste mês, a próxima quinta--feira. Há tensões latentes que virão ao de
cima e, ao mesmo tempo, um certo consenso, ao que parece, quanto à necessidade
de reformas políticas e económicas. As duas grandes figuras da política
chinesa, o Presidente da República da China, Hu Jintao (desde 2003) e o
primeiro-ministro, Wen Jiabao, vão retirar-se das suas funções e dar lugar,
tanto quanto se sabe, a personalidades mais jovens e já conhecidas. Ao que
escreve Le Monde, de 29 de outubro, os substitutos serão: Xi Jinping, de 59
anos, que descende da chamada aristocracia vermelha e será o futuro Presidente
da República; e Li Keqiange, atual vice-primeiro-ministro e próximo do
Presidente Hu Jintao, de 57 anos, que será o próximo primeiro-ministro.
Vai ser
interessante seguir, apesar da censura, o que irá passar-se durante o 18º
Congresso do Partido Comunista Chinês e como é que será possível
harmonizarem-se as diferentes correntes políticas e os seus respetivos
interesses. Bem como como irão atuar os membros do Comité Permanente do
Partido, todo-poderoso, constituído por 7 pessoas (das quais, uma mulher, Liu
Yandong). As desigualdades económicas e sociais são enormes entre a população
chinesa. E mesmo dentro do Partido, rigidamente comunista, que dirige o Estado.
A China é a segunda
maior economia do mundo, credora dos Estados Unidos, por ter uma enorme reserva
de dólares, que aliás lhe serve de pouco. Mas também começa a sentir as
dificuldades da crise financeira que afeta o Ocidente. Daí, a importância de
seguir, na medida do possível, o que se vai passar no Congresso que começa na
semana em que estamos.
2 AS ELEIÇÕES
AMERICANAS
Quando escrevo
começaram a realizar-se as eleições presidenciais americanas - o Presidente
Obama já votou - que não só dividiram a população americana, quase em duas
metades, como apaixonaram, naturalmente, os Estados Unidos, a América Latina, a
União Europeia e o mundo. Os dois candidatos, Barack Obama (democrata) e Mitt
Romney (republicano) são profundamente diferentes. E como a América continua a
ser a primeira potência política e económica do mundo não é indiferente para
ninguém que siga a política internacional que seja um ou outro dos candidatos a
ganhar.
Por mim, antes das primeiras
eleições presidenciais, ganhas brilhantemente por Barack Obama, sempre fui um
entusiástico partidário de Obama, pela leitura que fiz dos livros que publicou
e pelos discursos que fez manifestando as suas ideias. Um afro-americano, em
que quase ninguém então acreditava poder ser Presidente dos Estados Unidos,
onde ainda há tantos preconceitos racistas, mas que se revelou um estadista
excecional, com uma invulgar cultura humanista, e um conhecimento enorme da
política interna (dos Estados Unidos) e externa, do mundo, tão complexo e
contraditório dos nossos dias.
Lembro-me que
estava em Biarritz, a participar num Encontro Internacional sobre a União
Europeia e a América Latina, em vésperas das eleições americanas. Discutia-se -
entre nós - quem iria ganhar. Diga-se que a maioria dos presentes era por
Obama, mas temia que perdesse, justamente por ser um afro-americano. Eu estive
sempre convencido que Obama ganhava, como na manhã seguinte verificámos, com
grande júbilo, que tinha acontecido.
Passaram os anos,
de um mandato extremamente difícil e frutuoso. Muitas promessas não foram
cumpridas. Como, por exemplo, Guantánamo. Alguns dos seus partidários, que
esperavam tudo do novo Presidente, ficaram dececionados com Barack Obama. Não
tinham razão. Não quiseram perceber que ele estava completamente cercado pelos
republicanos, com maioria no Congresso, e por uma crise financeira - que não
foi da sua responsabilidade - a maior de sempre nos Estados Unidos.
Obama aguentou
tudo. Teve grandes êxitos: desde os discursos admiráveis que proferiu no mundo
islâmico, na Europa e até na China, ao prémio Nobel da Paz, que lhe foi
justamente atribuído, até à pequena (ainda) recuperação económica e financeira
que conseguiu, bem como a uma curta baixa do desemprego, à retirada do Iraque,
ao assassinato de Ben Laden, o grande responsável da tragédia do 11 de Setembro
de 2001, sem esquecer a grande vitória que foi a lei da saúde que permite aos
americanos pobres (que os há e muitos) ter cuidados de saúde gratuitos.
O seu rival, como
candidato, Mitt Romney, ultramilionário e religioso mórmon, revelou-se na
campanha um adversário aguerrido e eficiente. Tendo recolhido imenso dinheiro
para a campanha, oferecido - e sabemos porquê - pelos grandes magnatas
americanos. O Partido Republicano, ao contrário do seu candidato ( que é mais
inteligente e moderado), fez e inventou tudo o que podia - sem escrúpulos -
para destruir Obama. Mas não o conseguiu.
Os dois candidatos
chegaram a estar empatados. Mas, na hora da verdade, as coisas mudaram, com o
auxílio do furacão Sandy, durante o qual Obama se revelou, mais uma vez, um
grande Presidente.
Se fosse derrotado
seria uma tragédia para a América e para o mundo. Estou convicto de que não o
será. E que os leitores que me leem, amanhã, vão ter uma grande alegria: a
vitória de Obama! Para governar, fazer frente e acabar, nos próximos quatro
anos, com a crise global que tanto nos afeta.
3 MERKEL VEM AÍ
No dia 12 do
corrente mês. Por seis horas, ao que parece. Não será bem acolhida pelo Povo Português
- pelo contrário -, que a responsabiliza pela troika, que o Povo odeia,
principalmente, porque age como se Portugal fosse um protetorado seu. Quem
tenha uma réstia de patriotismo não pode esquecer que Angela Merkel, com as
suas permanentes tergiversações, só tem feito mal à União Europeia - e à Zona
Euro, em particular - no que julga, ilegitimamente, poder mandar. Não pode, nem
deveria se fosse sensata. Mas não é, como se tem visto.
O último discurso
que fez, já em novembro, foi em absoluto contraditório com o que tinha feito
antes, quando disse, na Grécia, "que nunca a deixaria cair". É capaz
de vir cá dizer o mesmo. O discurso a que nos referimos - é certo - foi feito
num congresso regional do seu Partido e disse o que os seus correligionários
queriam ouvir: "É preciso reformas estruturais para impulsionar a
economia." Quais? "Mais programas de austeridade." Ora isso foi
o que pediu aos parceiros europeus, vítimas dos mercados, para os próximos
cinco anos. Imagine-se! Quando é óbvio - a opinião pública europeia já o
percebeu - que mais austeridade só nos pode conduzir ao abismo. Se lesse um
artigo que há dois ou três dias publicou o seu predecessor Helmut Schmidt, no
L'Express, talvez compreendesse o disparate que tem preconizado. Mas Merkel só
pensa nas eleições que quer ganhar - a qualquer preço - no próximo ano. E
Schmidt votará no social-democrata Peer Steinbrück, o que faz toda a
diferença...
Quando Merkel vier
a Lisboa, creio, o Presidente Barack Obama já terá ganho as eleições de hoje.
Um vento novo terá começado a soprar dos Estados Unidos. E então ouviremos da
chancelar Merkel outro tipo de discurso. Essa tem sido a sua especialidade...
Os mercados terão de ser disciplinados e haverá - isso sim - muitos cortes na
austeridade para que a economia possa finalmente crescer e o flagelo do
desemprego diminuir radicalmente. Vai ser interessante, então, ouvi-la...
4 O POVO CONTRA O
GOVERNO E O GOVERNO CONTRA O POVO
Em Portugal estamos
a viver uma situação política e social completamente inédita. O Povo, em
sucessivas manifestações, de norte a sul do País e nas Regiões Autónomas,
insulta quase todos os dias o Governo, chamando aos ministros
"gatunos". E estes não protestam: fogem às vaias, como se nada
fosse...
É verdade que os
pensionistas, que décadas seguidas descontaram para terem uma reforma razoável,
foram agora cortados nessa mesma reforma pelo Governo. O que constitui um
roubo, visto que o dinheiro arrecadado pelo Governo, não lhe pertencia, mas sim
aos pensionistas, que o entregaram ao Estado para virem a ter as suas reformas.
Mas não é só por
isso que o Povo, de todas as condições, odeia o atual Governo. É porque há
milhares de desempregados - e as suas famílias - sem dinheiro para comer, a
classe média está a desaparecer, as empresas a falir, o País a empobrecer e os
licenciados mais bem preparados a emigrar. Sem que o Governo lhes dê qualquer
explicação aceitável ou sequer dialogue minimamente com os lesados. Nada. É o
silêncio, como se o Povo não existisse. Ora para o Governo as pessoas não existem:
só os números e normalmente falsos.
Como é possível que
perante tão desastrada situação o Governo não se demita? Só tem uma explicação:
por falta absoluta de patriotismo e de sensibilidade política e social. A
coligação não se entende entre si. Os militantes mais prestigiados do PSD e dos
Populares PP/CDS, cuja linha política é em absoluto contrária à do Governo,
protestam mas não são ouvidos. O PS tem sido humilhado pelo Governo. Foi
chamado no último dia, à última hora, pelo primeiro-ministro, sem lhe dizer
porquê e para quê, talvez por pressão da troika. É óbvio que não podia deixar
de recusar. Foi com a unanimidade dos seus militantes que Seguro recusou mais
austeridade. Não é possível para o PS colaborar com um Governo que detesta o
Povo! Só há uma resposta: demita--se! Contudo, o Governo - sem saber o que
fazer - continua no seu silêncio e labirinto. Porquê? Por interesse, por
incompreensível vaidade, por medo? Talvez por tudo isso, acrescentando-lhe
ainda incompetência e ignorância.
O pior é que o ódio
ao Governo - e aos seus responsáveis e apaniguados - está a aumentar todos os
dias. Basta passar pelas ruas e ouvir as pessoas de todas as condições. Nunca
se viu nada de comparável, mesmo no salazarismo. O desespero pode conduzir à
violência, quando as Forças de Segurança e as próprias Forças Armadas estão no
mesmo comprimento de onda, quanto ao descontentamento...
O Governo deve
refletir e demitir-se. Não é a primeira vez que isso acontece, depois do 25 de
Abril. E antes que seja tarde demais para o chefe do Governo e os seus
ministros.
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