Constança Cunha e Sá
– Jornal i, opinião
Que dizer de um
governo que comete a proeza de apresentar pelo segundo ano consecutivo um
Orçamento que não leva em linha de conta as normas da Constituição? No mínimo,
que temos um governo que convive mal com o Estado de direito e que, em nome de
um programa inexequível, se acha no direito de ignorar miudezas jurídicas como
o princípio da equidade. Se, em 2012, a questão da constitucionalidade foi
levantada por um grupo de deputados do PS e pelo Bloco de Esquerda, este ano, o
primeiro-ministro e o inefável ministro das Finanças ficaram completamente
isolados na defesa de um documento que ninguém, no seu perfeito juízo, consegue
levar a sério. Até o Presidente da República se sentiu na obrigação de criticar
a política económica que está a ser seguida e de enviar para o Tribunal
Constitucional três normas do Orçamento. Este simples facto que, por si só,
devia ter levado o prof. Cavaco Silva a pedir a fiscalização preventiva do
documento, transtornou boa parte dos acólitos deste governo que, de um dia para
o outro, passaram a ver no Presidente um aliado objectivo da oposição – e, já
agora, do CDS, dos parceiros sociais, de inúmeros dirigentes do PSD e da
população em geral. Este nicho de indefectíveis recusa-se a ver o óbvio: ao
longo de um ano e meio, o dr. Passos Coelho alienou todo o capital de confiança
que tinha, encontrando-se, neste momento, sozinho num país que não descortina
(e bem) o sucesso nas suas medidas.
Perante isto, não
deixa de ser curioso registar a rapidez com que todos se apressaram a contabilizar
as dúvidas do Presidente, como se todos não soubessem que, com dúvidas ou sem
dúvidas presidenciais, a execução orçamental, entre a recessão, a dívida e o
desemprego, está condenada à partida. Aliás, convém dizer que é exactamente no
descalabro das contas públicas e na inevitável derrapagem orçamental que os
adeptos do “ajustamento” defendem que o Tribunal Constitucional mande a
Constituição às urtigas em nome de um misterioso interesse nacional que o
governo se entretém a delapidar. Por estranho que pareça, é no abismo em que
caímos que o Tribunal Constitucional, segundo essas almas, se deve abster do
seu papel, subordinando o Estado de direito, não ao interesse nacional, mas ao
interesse de meia dúzia de lunáticos que consideram que estamos no bom caminho.
Mais uma vez, e por
incompetência do governo, a Constituição é posta em causa por parte de um certo
PSD que quer à viva força alterá-la, mesmo em matérias que constituem o cerne
de qualquer constituição que se preze. Pode-se discutir a interpretação do
princípio da igualdade: o que não se pode é pretender, como algumas luminárias
pretendem no seguimento da mensagem do Presidente, expurgar o princípio da
igualdade da Constituição, sob pena de Portugal deixar de ser um Estado de
direito – um pormenor que, aparentemente, não incomoda essa gente. Basta ver a
inaceitável pressão que se está a abater sobre o Tribunal Constitucional. Uma
vergonha!
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