Se ainda havia
dúvidas quanto à decisão do Palácio do Planalto de enterrar, de vez, o projeto
de Lei formulado na gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por
Franklin Martins, jornalista e ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social
da Presidência da República, para o estabelecimento dos marcos regulatórios da
mídia, elas acabaram neste sábado, em uma nota na revista semanal de
ultradireita Veja. O colunista Otávio Cabral comemora, com o título:Censura
enterrada, a notícia na qual o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo,
afirma:
– O projeto de
Franklin Martins está enterrado.
“O ministro das
Comunicações, Paulo Bernardo, participou de uma reunião na Fundação Perseu
Abramo, na semana passada, sobre controle da imprensa. Ele foi incisivo:
nenhuma proposta que ameace a liberdade de expressão será apoiada pelo governo
Dilma Rousseff. ‘O projeto de Franklin Martins está enterrado’, afirmou, em
relação à iniciativa do ex-ministro de Lula que buscava cercear os meios de
comunicação. Dirigentes petistas que estavam no encontro, como Valter Pomar,
atacaram o ministro e o acusaram de ter mais afinidade com as grandes redes de
TV do que com o partido. Bernardo respondeu que apenas cumpre as orientações da
presidente”, diz a nota na revista.
A ideia de uma
mídia hegemônica e monopolizada por “seis famílias”, como o próprio
ex-presidente Lula classificou o setor, no Brasil, porém, não passará por
setores progressistas no país. O professor Marcos Dantas, titular da Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo
publicado na revista do Instituto Telecom, traduz a resistência de segmentos
independentes e alternativos como a única opção contra a força do capitalismo
sobre um governo que, em tese, seria de esquerda. No recente lançamento do
Núcleo-Rio de Janeiro do Instituto de Estudos da Mídia Barão do Itararé, Dantas
já havia adiantado que o Executivo não terá a iniciativa de questionar o cartel
da mídia no Brasil. A alternativa que resta à sociedade, “cada vez mais
consciente”, afirmou, de que o setor das comunicações vive sob um regime
oligárquico, volta-se para o Legislativo.
– Há um projeto de
lei de iniciativa popular em curso, a exemplo daquele que instituiu o “ficha
limpa”, que dispõe sobre os marcos regulatórios da mídia no Brasil. Ele vai
ganhar as ruas, dentro em breve – adiantou.
Conservadores
“Nos últimos 15
anos, o campo político-econômico das Comunicações passou por profundas mudanças
em todo o mundo, como parte mesmo das transformações operadas no próprio
sistema capitalista mundial. Não foram meras reformas “neo-liberais”, respostas
superestruturais às transformações em curso. Foram mudanças de natureza econômica
e política, por um lado impulsionadas pelo, e, por um lado, impulsionadoras do
reordenamento geral de todo o sistema. A esquerda nunca entendeu muito bem esse
processo, resistiu por um bom tempo até mesmo a admiti-lo, jamais conseguiu
formular-lhe um projeto político alternativo”, afirma o professor Dantas, no
artigo que segue, na íntegra:
“O resultado, como
tem dito o filósofo István Meszáros, é termos hoje, ao menos nas democracias
liberais ocidentais, dois partidos de direita, aquele que se diz Conservador
(ou denominações similares) e faz políticas conforme; e aquele que se diz
“Social-Democrata” ou “Socialista” e faz política conforme… a dos
conservadores.
“O PT, no Brasil,
não escapou à sina dos partidos socialistas europeus, na última década. Na Europa,
através dos “indignados” – que nada podem fazer além de manifestar indignação –
estamos vendo onde chegou esse impasse. O Brasil que aguarde a sua vez.
“Salvo no êxito de
seus programas focados e compensatórios, programas estes teorizados e formulados
pelos neoliberais aos quais faltava, porém, disposição política e substrato
social para implementá-los, o PT, no governo Lula e, agora, neste início de
governo Dilma, apenas deu continuidade, em alguns casos aprofundou, as
políticas herdadas do governo FHC. Foi assim na macroeconomia, foi assim nas
políticas industrial-tecnológicas, energéticas, educacionais, agrícolas… foi
assim nas Comunicações.
“Durante 60 ou 70
anos, até os anos 1980, ao longo do padrão capitalista então dominante,
alcunhado “fordista”, as políticas de Comunicações, em todo o mundo, eram
pautadas por um princípio básico: serviço público. Mesmo nos Estados Unidos,
onde o setor era oligopolisticamente controlado por grandes corporações
empresariais (AT&T, NBC, ABC, CBS), prevalecia a idéia de que esta era uma
área que deveria estar submetida ao interesse público, existindo uma agência de
governo encarregado de zelar por isso: a FCC (Federal Communications
Comission). Nos demais países, em geral, o setor era, todo ele, diretamente
estatizado. No Brasil, as telecomunicações eram estatais, e a radiodifusão
dependia de concessões públicas.
“Nos países
capitalistas avançados, o regime público atingiu um dos seus principais
objetivos: a universalização dos serviços. Estatísticas dos anos 1970 mostravam
que em todos os países europeus ocidentais, nos Estados Unidos, no Japão,
praticamente 100% das residências possuíam tanto receptores de televisão quanto
linhas telefônicas, sem falar, claro, do atendimento às indústrias,
estabelecimentos comerciais, bancos e, também, escolas e demais serviços
públicos. Não era o caso do Brasil. Só então começávamos a expandir a nossa
planta telefônica e o acesso à televisão. Na década 1990, menos de 20% das
nossas residências tinham linhas telefônicas e menos de 80%, televisão (uma
desigualdade que, vis-à-vis os países centrais, fala por si).
“Então o
capitalismo mudou, logo mudaram as Comunicações. Reestruturam-se as corporações
multinacionais, nisto as redes de comunicação ganham novas e estratégicas
funções nos circuitos de acumulação. Emergem, em menos de duas décadas, grandes
conglomerados mediáticos globais, incorporando telecomunicações e
produção/programação de conteúdos em um mesmo modelo de negócios que, logo,
aspira também, para o seu interior, a nascente internet. O antigo telefone de
voz começa a ser substituído por novos meios tecnológicos e práticas sociais de
intercâmbio e interação que essas corporações comandam. A antiga televisão
aberta começa a desaparecer, substituída por centenas de canais pagos de acesso
fixo ou móvel, e pela internet. Em alguns países, a exemplo da Holanda, ela já
sumiu das estatísticas. Em outros está prestes, inclusive nos Estados Unidos. O
Brasil também vai chegar lá.
“Era uma época de
hegemonia política neoliberal. Atendendo aos interesses emergentes e aos velhos
interesses que se reinventavam, políticos de direita, diante da perplexidade
paralisante da esquerda, introduziram reformas nas leis que regulavam as
Comunicações que, em uma palavra, delas eliminavam o princípio do regime
público. Caberia exclusivamente ao mercado, desde então, comandar a evolução
futura desse setor, um setor essencial, tanto econômica, quanto política,
quanto cultural, quanto ideologicamente. Sobretudo ideologicamente.
“No Brasil, a
reforma foi feita em 1997-1998, no governo FHC, através da Lei Geral de
Telecomunicações e da privatização esquartejada da Telebrás. Reforma parcial:
FHC não ousou mexer com os ainda poderosos interesses globais, quer dizer, da
Rede Globo.
“A LGT, seguindo
aliás receituário mundial, dividiu os serviços de telecomunicações em dois
modos: regime público e regime privado. E também seguindo o receituário mundial
(vide leis dos EUA, da França e da Alemanha, todas de 1996), reconheceu que a
velha telefonia fixa, ainda muito importante no Brasil, deveria seguir sendo
prestada em regime público. Tudo o mais, isto é, tudo o que iria começar a se
expandir a partir de 1997-1998, seria colocado em regime privado.
“Considerando-se as
enormes desigualdades sociais e regionais do Brasil e, não menos importante, a
crença que ainda se podia alimentar de que um partido como o PT faria uma
política realmente de esquerda em nosso país, era de se esperar que, uma vez no
governo, ele trataria de reverter aquele projeto de entregar exclusivamente ao
mercado o futuro das Comunicações brasileiras. Teve uma primeira oportunidade
em 2003, quando foram renegociados os contratos de concessão assinados em 1998
com a Oi, Telefônica, Brasil Telecom e Embratel.
“Ao invés de
fortalecer o regime público, o governo Lula, com apoio da Federação dos
Trabalhadores em Telecomunicações (FITTEL-CUT), passou a advogar que a
“competição” iria expandir as comunicações. Para isto, baixou o decreto 4.733
de 2/06/2003, onde incorporava todas as ilusões competitivas que então eram
advogadas, entre nós, pela Embratel, apostando em soluções que nunca
funcionaram em lugar nenhum do mundo. Mais tarde, a Embratel, sob nova direção,
acabou resolvendo os seus problemas associando-se à NET, isto é, adquirindo a
sua própria infraestrutura capilarizada, enquanto o decreto, por inexeqüível,
tornava-se letra morta.
“O PT teve uma
segunda oportunidade agora, neste limiar de governo Dilma. Não apenas porque,
mais uma vez, os contratos seriam renegociados, de novo num momento em que um
governo inicia mandato respaldado pelas urnas, mas sobretudo porque, desta vez,
está absolutamente claro que o futuro das Comunicações, de todas as
Comunicações, inclusive da televisão, encontra-se nisto que se convencionou
chamar banda larga, ou seja, numa infraestrutura que permita tráfego de dados
em altas velocidades.
“O problema não se
limita à internet. O problema trata das corporações
mediáticas que hoje produzem, programam, transportam e distribuem
notícias, entretenimento, publicidade, espetáculos em todo o mundo. O problema
não se limita à Oi ou Globo, grupos periféricos no contexto
mundial. O problema se chama Time-Warner, Disney, Vivendi, News Corp.,
Google, Microsoft, Apple, AT&T e que tais.
“Tratava-se de
reconverter ao regime público essa infraestrutura essencial para a democracia,
justiça social, educação, cultura e até para a soberania nacional. O governo Dilma
optou por curvar-se aos lobbies, tratou o assunto fragmentariamente, ignorando
a chamada “convergência”, e reduziu-o a mais uma política compensatória, esta
que dará às camadas sociais de renda baixa condições de obter algum acesso a
uma banda algo alargada, vista como solução melhor do que acesso nenhum. Assim
como sabemos, o telefone móvel pré-pago usado pela metade parece também melhor
do que celular nenhum…
“Antes que expirem,
em 2025, os contratos de concessão agora renovados, a telefonia fixa já terá
deixado de existir. Com ela, o regime público. A televisão aberta, também em
regime público, igualmente estará moribunda, tão logo a maioria dos lares
brasileiros tenham aderido à televisão paga (leia-se Fox, TNT, HBO, CNN, ESPN,
Cartoon Network etc.) – o que deve igualmente acontecer nos próximos 20 anos,
se não antes. E a infraestrutura de comunicações (voz, imagem, dados,
televisão, internet etc., etc.), fixa ou móvel, com menos ou com mais de 1Mb,
estará toda nas mãos de três ou quatro corporações estrangeiras, até porque,
pelo andar da carruagem, mesmo a nacional Oi não demorará a mudar-se para
Lisboa…
“A não ser que até
lá, no clamor da indignação, a esquerda ressuscite”.
Na foto: O ministro das
Telecomunicações, Paulo Bernardo, deu o golpe de misericórdia no projeto de lei.
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