Filomeno Manaças –
Jornal de Angola, opinião
Em vésperas de
completar mais um aniversário do fim do conflito armado que dilacerou o país e
deixou profundas marcas que os angolanos procuram apagar com o esforço diário
de reconstrução, Angola acolheu durante três dias o Fórum Panafricano sobre
Cultura de Paz.
No próximo dia 4 de
Abril os angolanos celebram uma das datas mais importantes para a História do
país. A data marca o fim do longo conflito militar, que ceifou milhares de
vidas humanas, e significou a abertura do processo de reconciliação política e
das portas para o desenvolvimento social e económico.
Onze anos passados os angolanos podem orgulhar-se de terem dado passos seguros
e decisivos para cimentar a paz conquistada e prosseguir na via da sua
consolidação. Para um país que viveu praticamente três décadas de guerra
fratricida, é óbvio que onze anos é pouco tempo para se poder dizer que as
feridas do conflito armado estão completamente saradas. Mas os angolanos
sentem-se orgulhosos do que já foi feito, que não é pouco, e estão confiantes
no trabalho que está em curso. Mais do que isso, acreditam que os resultados
serão fantásticos.
Onze anos depois do fim da guerra, a realização em Angola do Fórum Panafricano
sobre Cultura de Paz acaba por ter o sabor de um reconhecimento do empenho
laborioso dos angolanos em construir um país renovado, onde os valores da
democracia, do diálogo e do progresso económico são a bússola que nos vai
conduzir na construção de um grande país, de uma nação desenvolvida.
Muitas das grandes nações de que hoje ouvimos falar e que são reconhecidas como
tal também tiveram no seu percurso histórico momentos de profundas convulsões e
turbulências. Foram literalmente varridas pela guerra que em diferentes
períodos colocou os seus povos na mais profunda e indigente miséria, ao ponto
de faltarem alimentos para a sua própria sobrevivência. Os Estados Unidos da
América e a Europa em particular têm no seu histórico exemplos que são hoje
estudados em todo o mundo. A Europa, onde há 68 anos a II Guerra Mundial deixou
vários países em destroços, beneficiou do plano Marshall para poder reerguer-se
dos escombros. A reconstrução levou décadas e décadas.
Angola tem a sua própria experiência dos efeitos da guerra e bem presente o
facto de lhe ter sido negado apoio quando precisou desesperadamente de uma
conferência internacional de doadores para reunir fundos para a sua
reconstrução. Todavia, os angolanos têm plena consciência de que saíram de um
abismo e que, por mais árdua que seja a caminhada, é firme a determinação de
construir uma sociedade de paz, ainda que haja quem diga que “por enquanto, as
armas estão nas arrecadações e só saem em momentos próprios…”
Conhecemos não apenas os efeitos materiais de uma guerra como também e
sobretudo as suas consequências sociais. Vimos como muitas famílias perderam os
seus ente queridos, sabemos o quão doloroso é ter pessoas mutiladas a deambular
sem eira nem beira pelas cidades em busca de alimentos, e não é preciso alguém
vir nos dizer o que pode acontecer com as escolas e as crianças em muitas
localidades.
O atraso na educação e o fomento da pobreza são os primeiros resultados. O país
perde na formação de quadros e acentua-se o atraso económico e social. Foi isso
que Angola viveu durante os vários anos em que a guerra impediu que as estradas
fossem reabilitadas e construídas novas, que fosse feita a reabilitação dos
caminhos-de-ferro que se desse nova projecção à economia nacional, que os
investimentos chegassem a todas as províncias do país para construir o
bem-estar e a progressiva melhoria da qualidade de vida das populações.
O Fórum Panafricano sobre Cultura de Paz tratou de fazer uma abordagem
multidisciplinar sobre as condições essenciais à promoção da concórdia com
vista a estabilidade política, económica e social dos países do continente
africano. Não é demais referir que a intervenção do Presidente José Eduardo dos
Santos é não só de aplaudir como de reter, pelo facto de apontar premissas
indispensáveis para que a cultura de paz em África seja um facto e se
consolide, premissas essas das quais muitos políticos africanos preferem
manter-se arredados, tornando o seu papel redutor e potenciador de conflitos,
em desarmonia com os mais sublimes valores da democracia, entretanto tidos como
sagrados e respeitados por quem faz política na Europa ou nos Estados Unidos.
A recusa do princípio da confrontação violenta para dirimir questões de
natureza interna e mesmo as que possam eventualmente ocorrer a nível, e a
defesa da concertação e negociação permanentes, até chegar-se a um acordo que
dê respostas às aspirações de todas as partes envolvidas, em conformidade com a
salvaguarda dos superiores interesses nacionais, tais como a soberania, a
unidade e integridade da nação, e o respeito pela dignidade humana, representam
não apenas uma ideia lapidar como constituem ponto sobre o qual não se deve
transigir. Ninguém com visão se desfaz desse compromisso.
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