Fernando Santos –
Jornal de Notícias, opinião
Recauchutagem?
Lifting? Substituição? Mini-remodelação? Remodelação? Seja lá o que for, a
nomeação de novos ministros e secretários de Estado para o Governo de Portugal
introduziu várias cambiantes de ruído analítico, essencialmente dividido em
duas áreas: o potencial curricular de cada um dos escolhidos e a capacidade
específica para gerarem novo élan à equipa chefiada por Passos Coelho, quer do
ponto de vista técnico quer político.
A primeira fila das
apreciações coube, naturalmente, ao novo ministro adjunto e do Desenvolvimento
Regional, Miguel Poiares Maduro. O facto de a sua escolha surgir de fora do
habitual circuito aparelhístico-mediático justificava, por si só, todos os
holofotes. Reforçados, obviamente, pelas vastas tarefas de que é incumbido - da
Comunicação Social à Modernização Administrativa, do Desenvolvimento Regional
às autarquias e, cereja no topo do bolo, articulação política do Governo.
Curioso: rarearam
os elogios à coragem de Miguel Poiares Maduro ao ter trocado o conforto
universitário em Itália por um posto num governo cujo prazo de validade se
desconhece na prática, sujeitando-se a ser pendurado no pelourinho da
contestação social e no escrutínio dos seus defeitos públicos e privados. As
baterias da análise levaram antes em conta a riqueza do seu perfil académico, o
qual não lhe garante qualquer eficácia (veja-se o caso do adiantado mental
Vítor Gaspar...) e, mais do que isso, pela sua inexperiência partidária,
desconfianças de que seja capaz de introduzir articulação política a um governo
por norma em roda livre.
É interessante, sem
dúvida, a tendência geral para a apreciação sobre quem ocupa postos
governativos, a começar pela ausência de explicação sobre o que é
"coordenação política" - colocação de todos os membros do Governo debaixo
de uma mesma pauta musical, cujos acordes são tendencialmente para testes de
susto do povo, propagação de mentiras ou o esconder de verdades doridas?
Sendo cada vez mais
difícil em Portugal haver gente com estaleca a aceitar entregar-se à gestão do bem
comum, a discussão gerada pela nomeação de Miguel Poiares Maduro é
paradigmática sobre a inexistência de um critério objetivo de apreciação de
capacidades.
O currículo
académico é importante, mas não deve ser condição bastante para validar uma
nomeação para o serviço público. Assim como assim, o escrutínio dos governantes
deve juntar outros parâmetros. O conhecimento do país real e a experiência de
vida profissional são itens a exigir mais e mais atenção.
Uma esmagadora
maioria dos governantes dos últimos anos em Portugal nunca picou o ponto numa
fábrica às oito ou oito e meia da manhã, jamais respirou o ambiente de uma
unidade de produção ou esteve sujeito à estrutura hierárquica de uma empresa;
não sabe quanto custa um quilo de batatas e nunca esteve horas e horas na fila
para apanhar um transporte coletivo.
Parte substancial
de quem nos tem governado é formada por meros teóricos e/ou facilitadores
nascidos nas lógicas ascensoristas dos aparelhos partidários. E essa é uma
pecha a que urge pôr cobro.
PS. Há vários tipos
de batatas - como certamente os senhores governantes saberão. As mais comuns,
para cozer, custam numa grande superfície à volta de 0,98 cêntimos o quilo,
mais cêntimo menos cêntimo. O povo consegue um preço ligeiramente mais em conta
na mercearia da esquina (na pré-falência) ou na compra na berma da estrada aos
agricultores incapazes de as escoarem.
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