Deutsche Welle
Confiança no bloco
europeu jamais foi tão baixa, tanto entre países mais estáveis, quanto entre os
mais afetados pela turbulência econômica. Especialista fala em
"vírus" do euroceticismo, que pode custar caro à UE.
José Ignácio
Torreblanca compara o ceticismo sobre o euro com um vírus do qual
aparentemente quase ninguém consegue escapar. E atualmente, diz o cientista
político espanhol, todo o continente se infectou.
A confiança na
União Europeia (UE) caiu de forma significativa entre 2009 e 2012. Segundo pesquisa
recente realizada pelo próprio bloco europeu, os países do sul do continente,
com seus programas de reestruturação e luta ostensiva contra a crise econômica,
são especialmente afetados por esse receio.
Na Espanha, por
exemplo, apenas 20% dizem confiar na UE – em 2009, o índice era de 56%. A
Itália, terceira maior economia do bloco e severamente atingida pela crise,
também se tornou cética sobre o euro. A confiança deles no bloco econômico
caiu, no mesmo período, de 52% para 31%.
A União Europeia também
perdeu a boa imagem nos países tidos como mais estáveis, como Alemanha e
França. Entre os alemães, apenas 30% ainda acreditam na UE, 14 pontos menos que
em 2009. Entre os franceses, no mesmo período, a confiança caiu oito pontos
percentuais, chegando a 34%.
Segundo
Torreblanca, o surpreendente é que "quase todo o europeu se enxerga como
vítima na crise". E isso, afirma, vale não somente para os países
doadores, como a Alemanha, mas também para os países que recebem auxílio, como
a Espanha.
"As pessoas
têm medo do futuro, medo de perder seu emprego e seu padrão de vida. Elas
culpam a Europa pela crise", diz a eurodeputada alemã Jutta Steinruck,
membro do Partido Social-Democrata (SPD), de oposição.
Torreblanca diz que
existe uma correlação entre a situação econômica e a confiança na UE. Para ele,
porém, o problema é mais profundo. "As pessoas têm a sensação de terem
perdido o controle. Elas serão obrigadas a aceitar coisas que vão deixá-las sem
alternativa."
Espaço para
radicais
No período de
crise, os alemães são forçados a concordar com novos pacotes de crédito, e os
países do sul da Europa, com contrapartidas austeras. “Esta é a erosão da
democracia”, afirma o cientista político. Em um regime democrático, prossegue,
é preciso eventualmente oferecer uma alternativa. E o grande perigo, segundo
ele, seria resgatar o euro, porém perder o apoio dos cidadãos.
“Infelizmente, há
algum tempo, nós temos falado que a situação está sem alternativa”, opina o
alemão Rainer Wieland, vice-presidente do Parlamento Europeu e membro da União
Democrata Cristã (CDU), partido de Angela Merkel.
Defensor do resgate
do euro, Wieland se diz satisfeito com o fato de, segundo ele, a grande maioria
dos políticos alemães também pensar assim. Apesar disso, considera que
opções diferentes devem ser discutidas publicamente no futuro. “Sempre há alternativas”,
diz o eurodeputado, que considera que os alemães poderiam, por exemplo, negar
apoio aos países, mas teriam, ao mesmo tempo, que aguentar as consequências
negativas da decisão.
Até o momento, nem
na Alemanha nem na Espanha há um grande número de pessoas que defendam a saída
do euro ou da União Europeia. Mas muitos estão, de uma forma ou de outra,
insatisfeitos com a pesada luta contra a crise. Muito se deve também ao fato de
que, até o momento, as medidas de austeridade de combate a crise apresentaram poucos
resultados concretos.
A Espanha, por
exemplo, se afunda cada vez mais na recessão. O desemprego está atualmente em
27%, sendo que na camada jovem da população o índice supera 50%. Ao mesmo
tempo, muitos alemães já não veem muito sentido em financiar, através de seus
impostos, novos programas de crédito aos países endividados.
“O pensamento de
uma Europa solidária está se perdendo. As pessoas estão começando a desconfiar
uma das outras, e reconstruindo imagens de velhos inimigos. Não seria a
primeira vez na história que extremistas políticos usam crises para seus
propósitos”, opina Steinruck.
Rainer Wieland
concorda com a colega eurodeputada: “O perigo está justamente aí, no fato de as
pessoas procurarem a salvação em partidos populistas.” Neste momento, correntes
populistas em países como Grécia e Itália crescem cada vez mais. Na Alemanha,
um novo partido tem, como principal plataforma, a defesa da saída da zona do
euro.
Reforma estrutural
De acordo com
Wieland, o risco de que a Europa afunde por falta de apoio das pessoas é
real. “Nós precisamos voltar a falar das boas coisas. Se nós considerarmos
de onde o nosso país saiu, a gente chega à conclusão de que estamos em uma
situação extraordinária.” A visão da Europa como um continente pacífico,
afirma, parece ainda bastante viva.
Steinruck exige
acima de tudo cada vez mais sinceridade sobre o tema. “O que é bom e vem da
Europa precisa ser reconhecido. Esquece-se muito frequentemente que nossos
postos de trabalho e nosso bem-estar estão vinculados à Europa”, lembra.
É comum que
políticos atribuam os sucessos da Europa a medidas tomadas por seu país e
culpem Bruxelas pelo que de ruim acontece. É um padrão que, segundo
especialistas, pode explicar a falta de popularidade da UE. Porém, afirmam, não
é suficiente para explicar a onda de ceticismo em relação ao bloco.
Torreblanca vê
sobretudo uma crise de legitimidade. “Por isso devemos fortalecer a
democracia”, diz o analista espanhol, para quem parte do processo decisório
europeu precisa ser melhorado, tanto nos níveis nacionais como europeus.
Para o cientista
político espanhol, não é possível que sejam tomadas decisões durante a
madrugada em reuniões fechadas do Eurogrupo ou em reuniões de tecnocratas, e
que, depois, os parlamentos tenham simplesmente que aprovar tais decisões. Sem
uma mudança nessa estrutura, diz Torreblanca, não se pode evitar que o vírus do
“euroceticismo” permaneça nas pessoas por mais tempo.
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