José Vitor
Malheiros – Público, opinião
“Um terço é para
morrer. Não é que tenhamos gosto em matá-los, mas a verdade é que não há
alternativa. Se não damos cabo deles, acabam por nos arrastar com eles para o
fundo. E de facto não os vamos matar-matar, aquilo que se chama matar, como
faziam os nazis.
Se quiséssemos
matá-los mesmo era por aí um clamor que Deus me livre. Há gente muito piegas,
que não percebe que as decisões duras são para tomar, custe o que custar e que,
se nos livrarmos de um terço, os outros vão ficar melhor. É por isso que nós
não os vamos matar. Eles é que vão morrendo. Basta que a mortalidade aumente um
bocadinho mais que nos outros grupos. E as estatísticas já mostram isso. O Mota
Soares está a fazer bem o seu trabalho.
Sempre com aquela
cara de anjo, sem nunca se desmanchar. Não são os tipos da saúde pública que
costumam dizer que a pobreza é a coisa que mais mal faz à saúde? Eles lá sabem.
Por isso, joga tudo a nosso favor. A tendência já mostra isso e o que é
importante é a tendência. Como eles adoecem mais, é só ir dificultando cada vez
mais o acesso aos tratamentos. A natureza faz o resto. O Paulo Macedo também
faz o que pode. Não é genocídio, é estatística. Um dia lá chegaremos, o que é
importante é que estamos no caminho certo.
Não há dinheiro
para tratar toda a gente e é preciso fazer escolhas. E as escolhas implicam
sempre sacrifícios. Só podemos salvar alguns e devemos salvar aqueles que são
mais úteis à sociedade, os que geram riqueza. Não pode haver uns tipos que só
têm direitos e não contribuem com nada, que não têm deveres.
Estas tretas da democracia e da educação e da saúde para todos foram inventadas
quando a sociedade precisava de milhões e milhões de pobres para espalhar
estrume e coisas assim. Agora já não precisamos e há cretinos que ainda não
perceberam que, para nós vivermos bem, é preciso podar estes sub-humanos.
Que há um terço que tem de ir à vida não tem dúvida nenhuma. Tem é de ser o
terço certo, os que gastam os nossos recursos todos e que não contribuem. Tem
de haver equidade. Se gastam e não contribuem, tenho muita pena... os recursos
são escassos. Ainda no outro dia os jornais diziam que estamos com um milhão de
analfabetos. O que é que os analfabetos podem contribuir para a sociedade do
conhecimento? Só vão engrossar a massa dos parasitas, a viver à conta.
Portanto, são: os
analfabetos, os desempregados de longa duração, os doentes crónicos, os
pensionistas pobres (não vamos meter os velhos todos porque nós não somos
animais e temos os nossos pais e os nossos avós), os sem-abrigo, os pedintes e os
ciganos, claro. E os deficientes. Não são todos. Mas se não tiverem uma família
que possa suportar o custo da assistência não se pode atirar esse fardo para
cima da sociedade. Não era justo. E temos de promover a justiça social.
O outro terço temos de os pôr com dono. É chato ainda precisarmos de alguns
operários e assim, mas esta pouca-vergonha de pensarem que mandam no país só
porque votam tem de acabar. Para começar, o país não é competitivo com as
pessoas a viverem todas decentemente. Não digo voltar à escravatura - é outro
papão de que não se pode falar -, mas a verdade é que as sociedades evoluíram
muito graças à escravatura. Libertam-se recursos para fazer investimentos e
inovação para garantir o progresso e permite-se o ócio das classes abastadas,
que também precisam.
A chatice de não
podermos eliminar os operários como aos sub-humanos é que precisamos destes
gajos para fazerem algumas coisas chatas e, para mais (por enquanto), votam -
ainda que a maioria deles ou não vote ou vote em nós. O que é preciso é acabar
com esses direitos garantidos que fazem com que eles trabalhem o mínimo e vivam
à sombra da bananeira.
Eles têm de ser
aquilo que os comunistas dizem que eles são: proletários. Acabar com os
direitos laborais, a estabilidade do emprego, reduzir-lhes o nível de vida de
maneira que percebam quem manda. Estes têm de andar sempre borrados de medo:
medo de ficar sem trabalho e passar a ser sub-humanos, de morrer de fome no
meio da rua. E enchê-los de futebol e telenovelas e reality shows para os
anestesiar e para pensarem que os filhos deles vão ser estrelas de hip-hop e
assim.
O outro terço são profissionais e técnicos, que produzem serviços essenciais,
médicos e engenheiros, mas estes estão no papo. Já os convencemos de que
combater a desigualdade não é sustentável (tenho de mandar uma caixa de
charutos ao Lobo Xavier), que para eles poderem viver com conforto não há outra
alternativa que não seja liquidar os ciganos e os desempregados e acabar com o
RSI e que para pagar a saúde deles não podemos pagar a saúde dos pobres.
Com um terço da população exterminada, um terço anestesiado e um terço comprado,
o país pode voltar a ser estável e viável. A verdade é que a pegada ecológica
da sociedade actual não é sustentável. E se não fosse assim não poderíamos
garantir o nível de luxo crescente da classe dirigente, onde eu espero estar um
dia. Não vou ficar em Massamá a vida toda. O Ângelo diz que, se continuarmos a
portar-mo-nos bem, um dia nós também vamos poder pertencer à elite."
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