Martinho Júnior,
Luanda
Cabo Verde começou
a valer muito mais pelo contexto sociológico e pela sua forte identidade
cultural que não se deixou abater pela diáspora do que pelo pendor
revolucionário de suas gentes e, tanto o peso das comunidades migrantes, como a
influência dos seus contactos, ditou a sorte do jovem estado e a natureza da
sua vida e do seu desenvolvimento.
Com mais de trinta
anos de Independência, se durante a Guerra Fria as ilhas viveram um pouco à
margem dos acontecimentos no Mundo, durante o processo de globalização Cabo
Verde tem-se vindo a acomodar num espaço geo estratégico bem definido, em
relação ao qual durante várias décadas se foram constituindo laços de sangue,
laços de comunidade, laços sociais inultrapassáveis e interesses, na sequência
das dependências históricas que estão longe de deixar de existir.
A sua insularidade
atlântica distingue Cabo Verde de África, como se seu povo fosse um velho e
original navegante com identidade própria e os seus laços afirmam Cabo Verde
como uma “sentinela” geo estratégica duma Europa que também ela teima em não se
assumir, presa aos expedientes históricos dos impérios coloniais, aos
contenciosos advenientes da IIª Guerra Mundial e particularmente a uma
organização como a NATO, instrumento duma filosofia hegemónica servil à alta
finança e aos seus projectos de domínio sobre o Mundo.
É no espaço físico
geográfico dessa “sentinela” que a NATO escolheu precisamente o cenário para
testar a sua Força de Intervenção Rápida (“NATO Reponse Force” ), ao nível de
mais duma vintena de unidades navais (algumas delas constituídas em autênticas
plataformas estratégicas) e de 7.000 homens e para isso muito contribuíram o
antigo guerrilheiro Pedro Pires, (actual Presidente de Cabo Verde), o PAICV
(herdeiro histórico do movimento de libertação) e dirigentes ao nível do
Primeiro Ministro de Cabo Verde, expoente da nova geração de governantes das
ilhas.
O “Steadfast Jaguar
2006” não serviu apenas para testar a capacidade da “NATO Reponse Force” fora
dos limites tradicionais da NATO e, pela primeira vez, num país africano: o
exercício foi mais um elo na sucessão que o poder hegemónico vem dinamizando no
eixo dum paralelo que vai das Caraíbas ao Afeganistão, bordejando uma estratégia
de alargamento de influência das principais potências do sistema Norte
Americano – Europeu.
O seu enquadramento
foi perfeito na sucessão de exercícios como o “Partnership of the Americas”,
realizado pelo SOUTHCOMMAND dos Estados Unidos, o “Joint Caribean Lion 2006”,
sob comando Holandês, ou ainda o “Phoenix Express”, assim como conjunto de
missões que as marinhas de guerra dos Estados Unidos e dos países da NATO foram
explorando no Atlântico e no Mediterrâneo, entre elas a visita do Emory S. Land
à costa Ocidental Africana, em tempo oportuno para fazer avançar o
reconhecimento subaquático em toda a profundidade dos vários campos de manobra
e tendo em conta os teatros regionais.
A sublinhar o
enquadramento foram utilizadas unidades navais similares, algumas delas
pertencendo às mesmas classes de navios:
Por parte dos
Estados Unidos utilizaram-se os navios de assalto anfíbios como o USS Bataan e
o USS Saipan, utilizaram-se ainda porta-aviões como o USS George Washington,
como o navio comando USS Mount Whitney, que alberga o comando da 6ª Esquadra da
Navy.
Por parte dos
Europeus, navios como o Roterdan (da Holanda), ou o Castilla (de Espanha),
unidades polivalentes que servem para desembarque e assalto.
Nunca as frotas de
desembarque e assalto dos Estados Unidos, como dos países europeus da NATO,
foram tão poderosos como hoje e isso é por si um sinal de como este “modelo” de
globalização se instrumenta em meios militares, como uma forma “cirúrgica” e “persuasiva”
de ampliar sua margem de manobra e de influência, impondo a “New World Order”.
Ao aceitar que seu
território fosse palco dum exercício desta natureza, integrando um pacote tão
vastos de exercícios com profundo significado militar, político e sócio
cultural, Cabo Verde deixou de se identificar com aqueles países que procuram
estratégias alternativas, integradas e Não Alinhadas, como Cuba, Venezuela ou
Bolívia, na América Latina, países que procuram encontrar soluções geo
estratégicas que escapem ao unilateralismo Norte Americano e da NATO, como a
Rússia, a China, ou mesmo alguns países africanos, que vêem na União Africana
muito mais que uma forma integrada de pensar e agir África.
Ainda o exercício
estava em curso, Cabo Verde foi (muito oportunamente) visitado pelo Ministro
dos Negócios Estrangeiros de Cuba, Filipe Pérez Roque, que veio convidar o
Presidente Pedro Pires para a 14ª Cimeira do Movimento dos Não Alinhados, como
que se Cuba Revolucionária estivesse precisamente a lembrar que a presença da
NATO era por si uma fronteira em relação à qual a “sentinela” Cabo Verde,
deveria séria e dignamente ter a possibilidade de optar.
Cuba
Revolucionária, fiel à lógica de Brazzaville, do Não Alinhamento e dando
sequência à epopeia do movimento de libertação, lembra também e dum modo muito
diplomaticamente discreto, que todos os exercícios navais, das Caraíbas ao
Afeganistão, assim como todos os contenciosos militares e operativos dentro
dessa vastíssima região, são a prova de que a NATO está dilatada muito para lá
das suas fronteiras tradicionais e que suas ambições não se limitavam à
quimérica defesa da Europa segundo o pensamento típico anglo-saxónico.
Cuba Revolucionária
lembra ainda que para a Espanha, tão singularmente presente no “Phoenix
Express” quanto no “Steadfast Jaguar 2006”, tal como para Portugal, há uma
alternativa para o pensamento estratégico anglo-saxão na via dum Pacto
Hispânico alargado à América Latina e a África, alternativa essa que nunca foi
alguma vez explorada.
A NATO veio provar
em Cabo Verde a sua vontade em atingir outras paragens, alargar a sua
influência e servir os interesses que tutelam o “modelo” de Globalização que as
elites financeiras do grande capital pretendem, em função da sobrevivência dos
seus “lobbies” e interesses.
Não conseguiu
esconder contudo o essencial: a vida não se compadece com um contínuo exercício
musculado de poder e, se as nações e povos do Sul, como pretendem estadistas
como Hugo Chavez, conseguirem lutar por seus interesses e unidade, muita coisa
se poderá alterar, inclusive no microcosmos que constitui o que é hoje a “sentinela”
de Cabo Verde.
Texto produzido em
Junho de 2006.
Foto: O Presidente
Pedro Pires passa revista aos efectivos da NATO no âmbito da “Steadfast Jaguar
2006”: os dados estavam lançados… - Distinguished visitors are hosted in the
USS Mount Whitney during Steadfast Jaguar 2006 – 23 de Junho de 2006 – http://www.nato.int/shape/news/2006/06/060601a.htm;
Pedro Pires visita Regiões Militares – http://liberal.sapo.cv/noticia.asp?idEdicao=64&id=7700&idSeccao=527&Action=noticia
Nota: Este texto
foi por mim produzido na sequência do Exercício Militar da NATO “Steadfast
Jaguar 2006”, que teve lugar em Cabo Verde entre 1 e 12 de Junho de 2006, está
a fazer sete anos.
Nessa altura tinha
a intenção de fazer parte dum conjunto de alertas para o que viria a
desencadear-se a seguir: a NATO no Afeganistão, a Líbia, as “primaveras árabes”
submissas ao diktat dos interesses ocidentais, o Mali, a crónica Somália, o
Iémen, os enredos do Médio Oriente e do petróleo barato, o crescendo do neo
colonialismo em África, o AFRICOM, as manipulações só possíveis com as
artificiosas ementas do “combate ao tráfico de droga”, “combate à migração
clandestina”, “combate à pirataria”, “combate ao terrorismo”… a criação de “frentes
mobilizadoras” que dessem possibilidade a “parcerias” que se traduzem nas
ingerências a que se passaram a sujeitar as nações africanas na via neo
colonial que se começava a estender, por dentro de suas sociedades, como nos
enredos regionais e internacionais característicos da globalização capitalista
e neo liberal…
A independência de
bandeira não é a independência de facto.
Para a América
Latina 200 anos não bastaram para alcançar a independência de facto, nem mesmo
com o engenho e a arte histórica da integração, pois o penoso processo de luta
continua com avanços e recuos, com recurso à imensa coragem e à consciência
rebelde dos seus povos…
Para África
contudo, uma África minada pelo subdesenvolvimento, sem infra estruturas, com
extremamente frágeis identidades nacionais, ocupando a cauda dos Índices de
Desenvolvimento Humano, esse processo ainda não tem a energia resoluta das
grandes opções e o fim do movimento de libertação contra o colonialismo e o “apartheid”
é comprovado por que as burguesias coloniais e as “brancas”, estão a ser
sucedidas pelas burguesias negras trabalhadas pela globalização neo liberal na
direcção da submissão e da dependência do continente-berço da humanidade!
África está à mercê
do neo colonialismo, a única forma de relacionamento para que as culturas
indexadas ao universo anglo-saxão, aquelas que se subordinam aos tais 1% da
humanidade, estão vocacionadas!
1 comentário:
«Flores de nenúfar» dos EUA em África*
Carlos Lopes Pereira
A presença militar dos EUA no Atlântico Sul é uma peça fundamental na estratégia imperialista de dominação global e de controlo das fontes de produção e das rotas do petróleo. Apontando prioritariamente a África, o seu objectivo estratégico visa mais longe, nomeadamente a disputa dos recursos energéticos e outros às novas “potências emergentes”. A paz, a independência nacional, o progresso dos povos africanos são as vítimas imediatas
http://www.odiario.info/?p=2907
Enviar um comentário