Nuno Saraiva – Diário de Notícias, opinião
São dias estranhos
os que vivemos. A 10 de junho, Dia de Portugal, num desabafo público, um
cidadão dirige-se ao Presidente da República e, sentindo-se
"roubado", recomenda a Cavaco Silva que vá trabalhar. Dois agentes
paisanos, ao melhor estilo de uma qualquer polícia política, catam o homem em
frente da mulher e dos filhos, levam-no à presença de um juiz e, sumariamente,
é julgado e condenado ao pagamento de uma multa de 1300 euros. Bem pode vir
agora o Ministério Público requerer a anulação do processo, que não muda a
perceção que hoje temos do Estado. Fraco com os fortes e forte com os fracos.
É o mesmo Estado
que, por exemplo, fica impassível perante os insultos recorrentes de Alberto
João Jardim contra todos os órgãos de soberania da República ou que é tolerante
com um ex-secretário de Estado que manda "tomar no cu", por
inerência, o seu ex-colega de Governo, o ministro das Finanças.
No mesmo dia,
Cavaco protagoniza um dos momentos mais lamentáveis da sua presidência. Num
exercício que muitos diriam de inspiração estalinista, o Presidente ignora o
pior ano das nossas vidas e tenta a reescrita da história do período em que,
como primeiro-ministro, aceitou que o desmantelamento da agricultura portuguesa
fosse moeda de troca para a adesão à CEE. Não é mito, é apenas facto. Era o
tempo em que se pagava aos agricultores para abandonarem a terra e não
produzirem. Perante tamanha desfaçatez, até as vacas dos Açores devem ter
deixado de sorrir.
Mas este é também o
tempo em que, perante a decisão do Tribunal Constitucional, o Governo decide
desobedecer e dar ordens para que não se pague em junho, como manda a lei, o
subsídio de férias aos funcionários públicos. E não é por falta de dinheiro,
garante o primeiro-ministro. É apenas porque sim. Além de retaliação inaceitável,
é só mais um exemplo do irregular funcionamento das instituições que deveria
merecer a intervenção do Presidente da República. Mas aos costumes, Cavaco nada
diz.
Alinha, aliás, com
a maioria PSD/CDS, cada vez mais minoritária no País, quando esta defende o
direito à greve desde que não chateie ninguém. Mantém-se em silêncio, como,
aliás, todas as forças políticas nacionais e internacionais, órgãos de poder da
União e governos europeus, perante o ataque à democracia e o precedente
gravíssimo que significa o encerramento por decreto do serviço público de rádio
e televisão na Grécia. E subscreve, certamente, os argumentos do seu
correligionário dr. Catroga, que, ainda esta semana, justificava o mau
desempenho do Governo português e os trágicos resultados do programa de
ajustamento com o facto de a economia não ser uma "ciência exata",
com a agressividade dos sindicatos que fazem greves por tudo e por nada e com a
necessidade de todos oferecermos ao País - "é o mínimo que se pode exigir
a um cidadão", dizia sem se rir - 40 ou até mesmo 50 horas semanais de
trabalho ganhando menos.
A pátria dispensa,
seguramente, os "Catrogas" e outros que tais, que sonham transformar
Portugal numa espécie de Lancashire Coketown, a horrível e triste cidade do
carvão do livro de Dickens, filha da Revolução Industrial, em que os operários,
novos e velhos, eram forçados a trabalhar tantas horas quanto o corpo
aguentasse.
Essa pobreza e
subjugação é o nosso destino, se não deixarmos urgentemente de dar ouvidos às
pantominices que nos impingem sobre o imperativo de cortar nas pensões e nos
salários, de despedir gente a eito na administração pública engrossando o
gigantesco exército de desempregados - quando todas as estatísticas indicam que
o Estado, afinal, não é assim tão gordo quando comparado com a média da UE - ou
cortar nas despesas com Educação ou Saúde. A alternativa passa por, além de
racionar as despesas, gerir melhor, acabar com os tóxicos swaps, pôr fim às
pornográficas rendas da energia ou pela renegociação corajosa e patriótica das
obscenas PPP. Mas para que isso aconteça, e para que os tempos deixem de ser
difíceis, são precisos patriotas.
Sem comentários:
Enviar um comentário