Guila Flint, Tel
Aviv – Opera Mundi
Imigrantes sem
papeis não têm direitos reconhecidos por governo isralenese; temperatura em
Saharonim chega a 40 graus
Na prisão de
Saharonim, que fica no deserto do Negev, no sul de Israel, se encontram homens,
mulheres e crianças do Sudão e da Eritreia, que tentaram entrar no país a pé,
através da península egípcia do Sinai.
Desde que Israel concluiu a construção da cerca que separa o Sinai do sul do
país, em 2012, houve uma queda de mais de 99% no número de refugiados africanos
que conseguem entrar no território israelense.
Os poucos que conseguem ultrapassar a cerca (desde o inicio de 2013 foram
apenas 34) são imediatamente levados para a prisão de Saharonim.
No entanto, de 2007 a 2012, cerca de 60.000 cidadãos da Eritreia e do Sudão,
que fugiram de seus países para salvar suas vidas, conseguiram entrar em
Israel.
Essas pessoas vivem no país sem qualquer reconhecimento de sua condição de
refugiados e sem que o Estado avalie as circunstâncias nas quais deixaram seus
países e entraram em Israel. "Se entrevistassem essas pessoas, se as
ouvissem, descobririam que a grande maioria delas é de refugiados políticos e
que merecem receber o status e os direitos de refugiados", afirmou Sigal
Rozen, da ONG israelense Hotline for Migrant Workers (centro de assistencia a
trabalhadores estrangeiros, em tradução livre).
"Se verificassem a situação delas, as autoridades seriam obrigadas, pela
lei internacional, a conceder o status de refugiado a dezenas de milhares de
pessoas, então preferem nem avaliar", acrescentou aOpera Mundi.
A lei internacional proíbe que um país repatrie pessoas cujas vidas podem estar
ameaçadas em seu país de origem. Esse é o caso do Sudão, assolado por uma
sangrenta guerra civil e da Eritreia, controlada por uma das ditaduras
militares mais cruéis do planeta.
Ódio racial
Sem documentos e sem direito de trabalhar legalmente, a população de refugiados
africanos vive em condições precárias e se concentra principalmente na região
sul da cidade de Tel Aviv.
Essa área da cidade, que é a mais pobre da grande metrópole israelense, virou
cenário de ódio racial por parte dos habitantes originais contra os refugiados
africanos.
Esse ódio, parte em consequência do incitamento conduzido por políticos de
direita contra os refugiados africanos, e parte em decorrência das condições de
vida nos bairros pobres e densos da cidade, vem se alastrando e, nos últimos
dois anos, já causou algumas erupções violentas.
Em 2012, houve uma série de ataques por parte de israelenses racistas contra
casas e pequenos negócios de africanos, deixando vários lugares depredados e
pessoas feridas.
Entre os políticos de direita que incitam contra os africanos está a deputada
Miri Regev, do partido governista Likud e chefe da Comissão de Interior do
Parlamento. Regev chegou a qualificar os refugiados africanos como "câncer
no corpo da nação".
"Politica de avestruz"
ONGs de direitos humanos acusam o governo israelense de conduzir uma
"politica de avestruz" na questão dos refugiados africanos. "Em
vez de enfrentar o problema e tentar resolvê-lo, simplesmente deixam os
refugiados jogados nas áreas mais pobres de Tel Aviv, sem assistência médica ou
social", disse Rozen.
O governo
israelense qualifica os refugiados africanos como "infiltradores", ou
seja, pessoas que "se infiltram" pela fronteira, supostamente para
procurar trabalho no país, e não os reconhece como refugiados.
O ministro do Interior, Gideon Saar, afirmou que "precisamos continuar
agindo energicamente para barrar esse fenômeno, continuaremos com a política do
governo de repatriar infiltradores para seus países de origem ou para terceiros
países".
Nos últimos meses, porta-vozes oficiais vêm afirmando que o governo está
conduzindo negociações com países africanos para que recebam os cidadãos
eritreus e sudaneses que se encontram em Israel. Porém ainda não se sabe se
algum país se dispôs a recebê-los.
De acordo com o ministro, Israel "é o único país ocidental que tem
fronteira com a África e, se não agirmos de maneira clara e sem concessões, o
país será inundado por infiltradores ilegais".
Endurecimento das leis
Segundo a Lei de Prevenção de Infiltração, aprovada pelo Parlamento de Israel
em junho de 2012, qualquer refugiado africano que tente entrar sem documentos
no país pode ser preso por um período de pelo menos três anos.
Nos últimos meses, o Parlamento também aprovou uma nova cláusula à mesma lei,
que permite que qualquer imigrante sem papeis que for suspeito de contravenções
seja imediatamente enviado à prisão de Saharonim.
"De acordo com a nova cláusula, se um imigrante eritreu é suspeito de
roubar uma bicicleta, pode ser enviado a Saharonim por tempo indeterminado, nem
é necessário um julgamento, basta a suspeita", afirmou Sigal Rozen.
Rozen conseguiu entrar na prisão de Saharonim juntamente com alguns advogados
da ONG e pôde ver de perto as condições no local.
Segundo o relato da organização, trata-se de um complexo que inclui construções
e barracas. "As mulheres e crianças ficam nas construções, a maioria dos
homens fica nas barracas", disse Rozen, que acrescentou que a temperatura
no deserto do Negev pode chegar a mais de 40 graus.
O governo israelense continua endurecendo as condições dos refugiados para
"desestimular" esse tipo de migração. Em junho deste ano, o
Parlamento aprovou mais uma lei proposta pelo governo, proibindo que os
"infiltradores" enviem dinheiro para o exterior até deixarem o país.
Segundo um comunicado do governo, o objetivo da nova lei é "reduzir o
número de infiltradores".
Sequestro e estupro no caminho
A reportagem de Opera Mundi também conversou com Shahar Shoham,
responsável pelo departamento de refugiados na ONG Médicos pelos Direitos
Humanos/ Israel.
A ONG entrou com um recurso junto à Suprema Corte de Justiça exigindo que haja
atendimento ginecológico para as mulheres africanas presas em Saharonim.
"Muitas dessas mulheres passaram por experiências terríveis no caminho
para cá", disse Shoham, "houve muitos casos de sequestro e estupro,
por gangues de beduínos no Sinai, e na prisão não há médicos
ginecologistas".
O recurso foi apresentado à Corte há dois anos, porém até agora ainda não há
ginecologistas em Saharonim. "Nossa ONG e todas as outras organizações que
trabalham pelos direitos dos refugiados africanos, exigimos que seja feita uma
avaliação transparente e justa da situação dessas pessoas, e que aqueles que
merecem recebam o status e todos os direitos de refugiados", afirmou.
Para a ativista, Israel deve conceder aos refugiados do Sudão e da Eritreia o
direito de "residência social". "Enquanto essas pessoas se
encontram aqui, elas devem receber assistência médica e social, além do direito
de trabalhar legalmente para que possam se sustentar", disse.
"Não há razão alguma para que os refugiados sejam mantidos na prisão, eles
não cometeram crime algum, apenas fugiram de seus países para se salvar".
Na foto: Presos
ficam em barracas e mulheres não recebem visitas médicas em Saharonim - Hotline
For Migrant Workers
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