sábado, 7 de dezembro de 2013

O CUSTO DA LIBERDADE

 

Jornal de Angola, editorial - hoje
 
Morreu na quinta-feira Nelson Mandela, o primeiro Presidente da África do Sul democrática e tido por muitos sul-africanos como “o pai da nação democrática” e símbolo da tolerância e reconciliação que inspira muitos homens e mulheres em todo o mundo.
 
O mundo testemunha a partida de uma figura que sacrificou toda a vida à causa da liberdade, tornando-se num exemplo não apenas para os sul-africanos mas para toda a humanidade. A trajectória de Mandela confunde-se com a História da luta pela emancipação da maioria negra sul-africana que, sob a liderança do movimento nacionalista ANC, foi bem sucedido no desmantelamento do sistema de segregação racial.

Muitos países contribuíram positivamente para que a libertação de Mandela e o desmantelamento do sistema do apartheid fosse uma realidade. Os angolanos solidarizaram-se com a luta dos sul-africanos e a História regista com sangue e luto o papel que Angola teve na derrota militar do então regime racista do apartheid. As várias batalhas heroicamente travadas pelas forças armadas angolanas, nomeadamente a Batalha do Kuito Kuanavale, em finais da década de oitenta, transformaram-se no ponto de viragem que acelerou a libertação de Nelson Mandela e o fim do regime segregacionista.

Os angolanos podem orgulhar-se de ter contribuído para que toda a região sul do continente se visse livre de um dos regimes mais odiados dos últimos sessenta anos. Sendo um renomado advogado, Mandela enfrentou o famoso processo de Rivónia, no qual correu o risco de pena de morte, na companhia de uma dezena de camaradas. Muitos ainda se lembram do momento mais comovente do processo, quando, em sua defesa, disse que “o ANC passou metade de um século a lutar contra o racismo. Quando triunfar, não vai mudar essa política. A sua luta é verdadeiramente nacional. É uma luta do povo africano, inspirado pelo seu próprio sofrimento e pela sua própria experiência. É uma luta pelo direito de viver. Durante a minha vida tenho-me dedicado a esta luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, e eu lutei contra a dominação negra. Eu estimo o ideal de uma sociedade democrática e livre na qual todas as pessoas convivam em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal que espero viver e alcançar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”.

Transformou o poder da não-violência como força inquebrantável para vencer o apartheid e tornar a África do Sul um país aberto para todos os seus filhos. O mundo e a África perdem assim aquele que o Bispo da Igreja Anglicana e igualmente Prémio Nobel da Paz disse que representava a reconciliação e tolerância. Com a morte de Nelson Mandela comprova-se, mais uma vez, a máxima que se populariza a cada dia de que os homens passam e as obras ficam. A trajectória de Nelson Mandela fala por si na medida em que acreditou sempre numa África do Sul multirracial. Abdicou da sua liberdade, em plena era do apartheid, quando a oferta visava igualmente o abandono da luta pela emancipação. Preferiu manter-se encarcerado em Robben Island como condição para que o sistema de segregação racial fosse destruído e a abertura democrática se efectivasse.

Quando muitos pensavam que Mandela ia substituir o apartheid branco pela ditadura da maioria negra, estendeu a mão a todos os sul-africanos sem excepção, convidando-os a erguer um país bom para todos os sul-africanos. Disse no seu discurso de tomada de posse, no dia 9 de Abril de 1994, em Cape Town: “Embora nos devamos manter totalmente comprometidos com o espírito de um Governo de unidade nacional, estamos determinados a produzir a mudança que o nosso mandato recebido do povo exige. Nós concentramos a nossa visão numa nova ordem constitucional para a África do Sul, não como conquistadores, ditando regras aos conquistados. Falamos como concidadãos para curar as feridas do passado com a intenção de construir uma nova ordem baseada na justiça para todos”.

Mandela terminou o seu discurso assinalando que garantir a justiça social, a igualdade de oportunidades e o bem-estar a todos os sul-africanos era o maior desafio de que, como ele acreditava, todos os seus compatriotas iam sair vitoriosos. Sendo um símbolo moral e referência universal, o desaparecimento físico de Nelson Mandela não apaga a presença e o impacto de um herói dos tempos modernos. Para a frente, fica o desafio a todos os sul-africanos que vão saber preservar e manter a mesma chama da liberdade, da democracia e do compromisso para a solução dos muitos problemas da maioria negra sul-africana. É válido o apelo do Presidente Zuma para os sul-africanos se comprometerem com dignidade a dar continuidade ao legado de Mandela, cultivando a tolerância, reconciliação e manterem-se unidos. Nelson Mandela deixa um legado de liberdade e tolerância, duas ferramentas importantes num continente que luta ainda para tornar aqueles dois factores instrumentos indispensáveis para estabilizar e pacificar as relações entre os povos africanos e entre os Estados.

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