A medida conseguiu calar a voz do principal defensor dos militares, deputado Jair Bolsonaro, mas também calou a de outros parlamentares e convidados.
Najla Passos –
Carta Maior
Brasília - O
encerramento precoce da sessão solene promovida pela Câmara dos Deputados para
homenagear os civis e militares que resistiram à ditadura militar deixou claro
que, 50 anos após o golpe e quase 30 após o início do processo de
redemocratização, membros de um dos principais poderes da república ainda não
sabem lidar com os limites entre o que é liberdade de expressão e direito à
memória, entre o que é democracia e autoritarismo.
A medida conseguiu calar a voz do principal defensor dos militares no parlamento,
o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), mas também calou a de outros parlamentares
reconhecidos pela luta em prol da democracia, além da de convidados ilustres
que muito teriam a contribuir com o debate, como Gilney Viana, da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência, e Iara Xavier, que representava as associações
dos familiares de mortos e desaparecidos do período.
O presidente da Casa, Henrique Alves (PMDB-RN), abriu a sessão prometendo que
não iria tolerar, na sua gestão, nenhuma medida que fizesse apologia ao golpe
64. “Em meu mandato como presidente da Câmara, não será admitida nenhuma
iniciativa institucional que possa ser interpretada como um gesto de
legitimação do período autoritário iniciado com o golpe de Estado de 1964”,
afirmou. Na semana anterior, inclusive, ele havia indeferido o pedido de
Bolsonaro para fazer uma homenagem aos militares na data.
Exaltando o papel da Câmara como articuladora do debate social, Alves novamente
pelo otimismo. “A Câmara é a instituição brasileira que mais representa o ideal
de uma sociedade apta a definir seus rumos, com base em debates democráticos
entre os representantes de todos os setores sociais relevantes, dentro do marco
do Estado de direito”, destacou o presidente antes de saber o que estava por
vir. E antes de retirar do plenário para prestigiar a posse do novo ministro
das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, no Palácio do Planalto, assinou
ato que proclama 2014 o Ano da Democracia, da Memória e da Verdade.
Substituindo Alves na condução da cerimônia, o deputado Amir Lando (PMDB-RO)
chamou à tribuna a deputada Luíza Erundina (PSB-SP), autora do requerimento
para realização da sessão. Ela fez uma reconstituição das forças que atuaram
para a deflagração do golpe, ressaltando o apoio decisivo do empresariado e dos
Estados Unidos. Também falou sobre os efeitos da repressão para o país e para a
própria Câmara, que teve 173 dos seus deputados cassados. Reiterou sua crítica
histórica à Lei da Anistia de 1979, classificada por ela de “aberração jurídica”,
por absolver tanto as vítimas quanto seus algozes.
A deputada incitou os colegas a aprovarem o projeto de lei 573/11, de sua
autoria, apresentado ao parlamento já pela segunda vez, que reinterpreta a Lei
da Anistia de modo a possibilitar a punição dos culpados por torturas,
assassinatos e desaparecimentos forçados. " Sem isso, não haverá justiça
de transição e o processo de redemocratização permanecerá inacabado",
afirmou. Não conseguiu terminar seu discurso.
A abertura de uma faixa pró-militares, nas galerias da Câmara, provocou tumulto
e Lando suspendeu a sessão por 5 minutos. Portada por assessores de Bolsonaro
nas galerias, a faixa de 20 metros saudava os responsáveis pelo golpe: “Graças
a vocês, o Brasil não é Cuba”. No plenário, a presidenta da União Nacional das
Esposas de Militares das Forças Armadas, Ivone Luzardo, convidada do mesmo
Bolsonaro, entrou em confronto com militantes que tentaram lhe tomar um cartaz
em que acusava os defensores da democracia de revanchistas.
A sessão só foi retomada após muito esforço da mesa diretora, que ainda
conseguiu garantir a palavra aos deputados Mauro Benevides (PMDB-CE), Assis do
Couto (PT-PR) e Nilson Leitão (PSDB-MT), que explicitaram os diferentes
conceitos que seus partidos fazem do que é democracia e de como se deve lutar
por ela.
Couto, presidente recém-empossado da Comissão dos Direitos Humanos, relatou os
esforços realizados para que o coletivo, que passou 2013 sob a condução do
pastor Marcos Feliciano (PSC-SP), retomasse suas bandeiras históricas. Já
Leitão condenou a luta armada e criticou, por exemplo, a desintrusão de duas
terras indígenas conduzidas pelo governo Dilma, no Mato Grosso e no Maranhão,
do ano passado para cá.
O clima voltou a esquentar quando Lando concedeu a palavra a Bolsonaro. Em
protesto, todos os deputados e convidados que acompanhavam a sessão deram as
costas a ele e empunharam cartazes com fotos de vítimas da ditadura. O
presidente em exercício suspendeu a sessão por mais cinco minutos. Tentou, sem
êxito, convencer os colegas a encerrarem o protesto. “Há entendimento firmado
que ficar de costas para o orador e para a mesa é desrespeito ao regimento”,
argumentou ele, orientado pela mesa diretora.
Impassíveis, os manifestantes cantaram o hino nacional e gritaram palavras de
ordem como “abaixo a ditadura”. Bolsonaro tentou convencer a mesa diretora a
deixá-lo falar mesmo com o plenário de costas. "Vocês vão ser torturados
com algumas verdades aqui. Deixe-os de costas, presidente, por favor",
provocou. Lando manteve-se na posição inicial. “Ninguém vai me ensinar o que é
democracia. Eu tenho convicções”, afirmou ele, antes de dar a sessão por
encerrada. Os convidados, que ainda sequer haviam feito seus pronunciamentos,
deixaram a Câmara. Outros seis deputados, além de Bolsonaro, também não puderam
usar a palavra.
Créditos da foto:
Antonio Augusto/Câmara dos Deputados
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