Em exclusiva à DW
África, o líder da RENAMO diz que falta boa vontade da FRELIMO nas negociações,
que sentiu "pena" das Forças Armadas na Gorongosa e que tropas que o
atacaram são "exército pessoal" da FRELIMO.
Em entrevista
exclusiva concedida por telefone à DW África, Afonso Dhlakama, líder da
Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), garantiu que a segunda maior força
da oposição tem muito interesse em acabar com os confrontos militares e disse
acreditar que as eleições gerais de outubro próximo irão, de facto, acontencer.
Dhlakama,
entretanto, deixa claro que o Governo da Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO), deve também colaborar.
Neste momento, por
exemplo, está sobre a mesa de negociações entre as partes a composição do
exército nacional e o desarmamento da RENAMO, considerado um dos pontos mais
críticos do diálogo.
DW África: Como
caracterizaria a atual fase negocial em termos de dificuldades?
Afonso Dhlakama
(AD): Eu penso que é a falta de boa vontade por parte do Governo
moçambicano, ou por parte da liderança da FRELIMO. Lembra-se que o próprio
atual Presidente da República, Armando Guebuza, foi o chefe negociador por
parte da FRELIMO. Ele conhece muito bem os protocolos que foram assinados em
Roma e o Acordo Geral [de Paz], assinado também em Roma, em 4 de outubro de
1992.
Só que quer ele,
assim como o outro Presidente - o já reformado [Joaquim] Chissano – foram
infelizes, não quiseram cumprir com aquilo que eles rubricaram em Roma, na
presença da comunidade internacional, testemunhado o acordo pelas Nações
Unidas. Chegaram a enviar, as Nações Unidas, capacetes azuis para supervisionar
o cessar-fogo que foi um sucesso e faltou o cumprimento.
Então, isso que
estamos a negociar, nem deveríamos estar a negociar - porque apenas estamos a
recordar à FRELIMO que vamos implementar o acordo sobre a política de defesa e
segurança em Moçambique, para evitarmos que tenhamos o exemplo, não podemos
seguir Guiné-Bissau onde os políticos usam os militares a golpearem, isso
porque as coisas não foram bem tratadas.
É exatamente que eu
estou a bater com o pé. Eu não quero ser obrigado a criar o meu exército, o
Guebuza também ter o seu exército. Queremos um exército apartidário,
profissional, técnico, em que os comandantes são nomeados pela confiança
técnica profissional. Não podemos meter políticos dentro do exército.
Agora, sabemos que
é o exército nacional, receberam ordens do Presidente da República para atacar
o líder da oposição. Por quê? Porque essas coisas não estão definidas. Essas
tropas estão como força, o exército pessoal do partido FRELIMO. É isso.
Queremos acabar com a partidarização das instituições do Estado.
DW África: Confirma
que, depois dos acordos de paz em 1992, a composição das Forças Armadas de
Moçambique deveria ser de 50% para cada lado - ou seja, 50% do Governo da
FRELIMO e 50% da RENAMO?
AD: Exatamente!
Está escrito no Acordo Geral de Paz. Não é uma invenção, 50% de cada lado. Só
que em 1994, depois das primeiras eleições, o Presidente, na altura o Chissano,
disse que não havia dinheiro suficiente para fazermos uma coisa dessas. E mais,
seriam 30 mil homens, dos quais 15 mil da RENAMO e 15 mil da FRELIMO, escrito
no acordo, assinado por mim e por ele, o Joaquim Chissano.
Mas depois das
eleições de 1994, disse que não havia dinheiro. Mas havia dinheiro, só que não
queria este exército, onde os [homens] da RENAMO haviam de entrar, porque em
seguida criou um outro exército partidário da FRELIMO, chamado Força de
Intervenção Rápida [FIR], que até hoje é um instrumento repressivo contra a
população inocente. E também agora já estamos a exigir que a RENAMO deve ter
50% desta Força de Intervenção Rápida, porque é uma força praticamente FRELIMO.
DW África: Sr.
Afonso Dhlakama, durante esta tensão político-militar entre o Governo da
FRELIMO e a RENAMO, que já dura muito tempo, tem havido mortes e derramamento
de sangue, o que preocupa todos os moçambicanos. O que é necessário para
acelerar o fim desta situação?
AD: É o
acordo. Já demonstrei boa fé. Neste momento em que estamos a conversar, há a
tregua que a RENAMO deu, fez unilateralmente há três semanas. As Forças Armadas
passavam muito mal aqui, portanto, não conseguiam transitar de uma posição para
outra na distribuição de alimentação. Mas, eu senti pena e dei trégua, isto é,
mande cessar o fogo em todo o distrito da Gorongosa. Isto é o coração de um
líder que quer a paz. Mesmo quando começaram a complicar sobre o meu
recenseamento, dei trégua também numa zona chamada Muxúnguè, no troço entre o
rio Save e Muxúnguè.
Desde a
quarta-feira da semana passada (07.05.14), parecia mentira, tudo está parado do
Ruvume ao Maputo. Mas eles sempre que vão provocar. A RENAMO limita-se em responder. Só que,
quando lamentam, dão a entender como se a RENAMO estivesse a provocar. Não, a
RENAMO quer a paz.
Se perguntar hoje,
que falou com o Dhlakama e ele disse que está tudo calmo, porque com a sua
iniciativa deu trégua, mandou cessar-fogo, todo mundo vai confirmar. Portanto,
esta boa vontade que tenho tentado demonstrar, não em termos de propaganda, mas
sim no sentido do Estado, como chefe da família, não encontro a correspondência
do outro lado. É por isso que sempre tem havido um conflito a prolongar e a
manchar a imagem do país, até a afugentar pessoas estrangeiras que deveriam
estar a entrar e a investir.
DW África: As
negociações arrastam-se há muito tempo, o que pode pôr em causa o calendário
eleitoral que tem em vista já as eleições gerais a 15 de outubro próximo. Acha
que as negociações serão concluídas de forma positiva antes das eleições?
AD: Eu acredito.
Acredito porque, apesar de tudo, os da FRELIMO também são moçambicanos.
Conversamos, somos irmãos, somos primos. Há diferença das ideologias. Por
exemplo, eu sou da família da direita, o meu partido é de centro-direita. A
FRELIMO é da esquerda, embora já fala do socialismo, entre aspas, mas é da
família esquerda. Acredito que dentro da FRELIMO há gente de boa vontade, que
também estão a fazer pressão ao líder, que é o Guebuza, para que as coisas
corram mais rápido – porque de facto, como estava a dizer a sra. Jornalista, as
eleições estão marcadas para o dia 15 de outubro.
15 de outubro já
está quase. É preciso pré-campanha, é preciso mandar fabricar o material. O
país pobre, os partidos precisam de facto de arrajar financiamento etc. Mas do
meu lado, como eu disse que mandei cessar-fogo, eu já não queria ser obrigado a
voltar a disparar mais. Seria uma experiência para aproveitarmos, passaria a
ser um dado adquirido. Era a questão do outro lado corresponder. Porque, de
facto, o quê faltou? É preciso desenharmos a estratégia ou a política de defesa
e segurança. Que tipo de exército precisamos?
Portanto, logo que
houver ou entendimento sobre a política de defesa e segurança e rubrificarmos,
até pode ser aproveitado nesta semana, eu e o Guebuza sentarmos num sítio
qualquer e fazermos o acordo e cessarmos fogo. Eu, portanto, gostaria de fato
que cessássemos fogo de vez, mas cessar-fogo com garantias de que não haverá
nenhum dos lados que irá retomar para desestabilizar o país. Cessar o fogo com
base num acordo apadrinhado, testemunhado por alguns países importantes
garantes da paz no mundo.
Na foto: Depois que
o exército governamental tomou Satundjira, a última residência oficial de
Afonso Dhlakama, não se sabia do seu paradeiro até o dia do seu recensemento
eleitoral, a 8 de maio passado
Deutsche Welle – Autoria: Nádia
Issufo – Edição: Cristiane Vieira Teixeira / António Rocha
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