sábado, 28 de junho de 2014

Angola: COMUNICAÇÃO SOCIAL RECLAMA LEGISLAÇÃO



Adelina Inácio e Pereira Dinis – Jornal de Angola

A Assembleia Nacional debateu ontem durante sete horas o Papel da Comunicação Social Pública num Estado Democrático de Direito. A anteceder as intervenções, a deputada Luísa Damião fez a leitura do relatório conjunto das VI e I Comissão da Assembleia Nacional sobre o tema.

O documento foi aprovado por 169 votos a favor, nenhum contra e nenhuma abstenção. Entre as recomendações que nele constam, destaque para se garantir a aprovação do Pacote Legislativo da Comunicação Social e respectiva regulamentação, em consonância com os objectivosdo serviço público e com os imperativos constitucionais.

De seguida, o presidente da Assembleia Nacional, Fernando Dias dos Santos, autorizou o início do debate, recordando o tempo de intervenção que cabe a cada uma das bancadas parlamentares, em função do número de deputados na casa das leis, nomeadamente 15 minutos para a FNLA, PRS e CASA-CE cada, 60 para a UNITA, e 328 para o MPLA. Clarice Caputo foi a primeira deputada a pedir a palavra, mas passou-a para o presidente da bancada do seu partido, UNITA, Raul Danda. Este entrou a atacar o Ministério da Comunicação Social e o director do Jornal de Angola.

Raul Danda consumiu 15 minutos a dizer que a ausência do ministro da Comunicação Social e dos gestores das empresas públicas de Comunicação Social “mostra o desprezo que merecemos do Executivo e que os angolanos estavam à espera que o debate fosse transmitido pela Televisão Pública de Angola e que logo vamos ver é o debate com censura”.

O Jornal de Angola, acrescentou Raul Danda, “anda com gasolina e fósforos para incendiar o país e meter angolanos contra angolanos, isto por culpa do MPLA que legitimou os editoriais”. Disse mais: “Tenho comigo um contrato de um cidadão estrangeiro no Jornal de Angola que ganha oito mil euros, mais 150 mil kwanzas para a manutenção da casa e três viagens anuais para passar férias no exterior com subsídio de oito mil euros”.

Alcides Sakala tomou a palavra depois de Raul Danda e afirmou que “Angola continua na retaguardaem matéria de pluralismo e liberdade de imprensa”. “A imprensa pública e escrita, como o Jornal de Angola, quando fala da UNITA, só vê inimigos, em vez de parceiros no processo de paz”, disse para acrescentar que “quem semeia ventos, colhe tempestades”. Afirmação que recebeu apupos por parte dos deputados da bancada do MPLA.

Reavivar a memória

Boaventura Cardoso, deputado do MPLA, o quinto a intervir, lembrou aos deputados da oposição que os órgãos públicos de Comunicação Social sempre desempenharam  um trabalho de utilidade pública e fez reavivar a memória com as seguintes palavras: “Não podemos nos esquecer que foram os jornalistas desses órgãos, que vocês estão a dizer que trabalham apenas para o MPLA, que durante a guerra indicaram a localização dos nossos familiares, denunciavam os raptos e agora tudo têm feito para a reconciliação nacional e manter a chama da paz”.

Outro deputado do MPLA que interveio no debate foi Pereira de Almeida. Durante a sua alocução, disse que para se falar sobre o papel da comunicação social pública num Estado Democrático de Direito é preciso revisitar a sociedade de informação, que abarca três aspectos: viver num território, aprender e comunicar e interagir.

Com conhecimento de causa, adiantou Pereira de Almeida, a “Rádio Despertar”, ontem “Vorgan”, onde trabalhou Raul Danda, tem passado “a mensagem do ódio, da desunião e da desobediência”, mas – asseverou a deputada – “fiquem descansados à sombra da bananeira que os órgãos públicos de Comunicação Social estão ao serviço da paz e da reconciliação nacional\".

Benedito Daniel, deputado do Partido de Renovação Social (PRS),  afirmou que há necessidade de os órgãos públicos terem uma actuação dinâmica e cultivar a troca de ideias, não fazer apenas a propaganda do Executivo. Daniel reprovou programas transmitidos pelo Canal 2 da TPA, como o estilo kuduro. “É um canal que está a promover a homossexualidade e tem apresentadores, principalmente no kuduro, incultos”, afirmou.

Raul Danda pediu um ponto de ordem e disse que “a oposição reprova veementemente a expulsão, por agentes dessa casa, dos jornalistas que vieram aqui assistir o debate”. O presidente da Assembleia Nacional respondeu: “A informação que tenho é que o jornalista da Rádio Despertar, aproveitando a tecnologia aqui instalada, estava a transmitir em directo o debate, quando não está autorizado”.

O deputado Lindo Bernardo Tito, da Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) acusou os órgãos públicos de comunicação social de estarem partidarizados, porque “não abordam a questão dos assassinatos e não transmitem a repressão policial que se regista um pouco por todo o país”.

Leonel Gomes, da CASA-CE, que tomou a palavra depois do presidente da FNLA, Lucas Ngonda, disse que “informação plural não é escorraçar jornalistas”, referindo-se à Rádio Despertar. Eugénio Manuvakola, deputado da UNITA, afirmou que não acredita que os órgãos de comunicação social públicos estejam ao serviçodo MPLA, porque o MPLA no seu programa diz precisamente o contrário. 

Clarice Kaputo, da UNITA, voltou a tomar a palavra parar afirmar que a Rádio Despertar, embora privada, é plural: “já convidamos vários deputados do MPLA e nunca compareceram porque, se calhar, não têm capacidade”.

Essas palavras levaram o deputado do MPLA, Sérgio Rescova, a recordar que a UNITA é o único partido político que tem uma rádio, que os seus responsáveis orientam para o ódio. Aos deputados da oposição recordou que a paz contou com todos os seus filhos, mas teve um timoneiro que é o Presidente de todos os angolanos, José Eduardo dos Santos. Sobre o Jornal de Angola, fez também lembrar que o diário é também um jornal crítico.“Só não sabe quem não quer”, e apontou como exemplo a rubrica “Janela da Cidade”.

A deputada Ana Bela Gunga, do MPLA, depois de ouvir as intervenções da oposição, disse que a UNITA só sabe insultar e não se preocupa com a unidade da Nação. “O propósito da UNITA, além de estar contra os jornalistas dos órgãos públicos, é apenas ofender os órgãos de soberania, incluindo o Presidente da República”, disse Ana Bela. 

Objectivos atingidos

O presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, reconheceu que o debate foi proveitoso e sublinhou que os objectivos foram atingidos. Fernando da Piedade Dias dos Santos elogiou o trabalho feito pelos deputados da VI Comissão da Assembleia Nacional, que elaborou o documento que serviu de base para a discussão e apresentou conclusões e recomendações que não foram contestadas e por isso foram adoptadas pelo plenário e são agora remetidas aos órgãos competentes.

Fernando da Piedade Dias dos Santos disse esperar que os deputados continuem a aprender com os aspectos positivos, a melhorar os próximos debates e encorajou a sua continuação.
Segundo o documento, a Assembleia Nacional quer que se continue a criar estratégias para a promoção da imagem de Angola no exterior e os deputados entendem que se deve aproveitar os meios de comunicação social para desenvolver projectos educativos que contribuam para ampliar o nível de conhecimento dos cidadãos.

O documentosaúda a modernização técnica e tecnológica da agência noticiosa nacional e a expansão da rede de correspondentes da ANGOP em todos os municípios do país, que contribui para o aumento da cobertura informativa e torna o serviço noticioso mais nacional.

Elogio às Edições Novembro

Ao apresentar o documento aprovado pela Assembleia Nacional, a deputada Luísa Damião destacou os esforços das actividades desenvolvida pelas Edições Novembro, proprietária dos títulos Jornal de Angola,  “Jornal dos Desportos”, “Jornal de Economia & Finanças”, jornal “Cultura” e a melhoria registada nas suas versões on-line, factos que a oposição não contestou.

Luísa Damião referiu ainda que se deve apoiar o projecto de construção dos centros de produção gráfica regionais, de modo a facilitar uma melhor e atempada distribuição dos produtos das Edições Novembro a todas as províncias. O Parlamento considera, no documento aprovado, que se deve investir numa comunicação social cada vez mais virada para a cidadania e que desempenhe o seu papel na construção da identidade nacional, fortalecimento da unidade nacional e resgate dos valores éticos, culturais, morais e cívicos. 

O documento diz que os meios de comunicação social públicos devem continuar a contribuir para a formação do cidadão, oferecendo-lhe uma cobertura abrangente, profissional, responsável e objectiva dos factos, contribuindo para o reforço da democracia.

O relatório recomenda ainda a promoção do exercício do“bom jornalismo”, através da divulgação de mensagens adequadas e eficazes, tendo em conta que a vitalidade da democracia reside fundamentalmente na possibilidade, cada vez maior, da participação e intervenção dos cidadãos na formulação e tomada das decisões.

A deputada Luísa Damião frisou o facto de a UNITA não ter avançado propostas concretas para ajudar a fortalecer o papel da Comunicação Social num Estado Democrático de Direito.

“Viemos para este debate profundamente convencidos de que teríamos contribuições sólidas que ajudariam a melhorar o rumo  da comunicação social. Infelizmente, da UNITA só se ouviu falácias e foi até insultada a classe jornalística e encorajo os jornalistas como autores que desempenham um papel relevante na sociedade”, disse a relatora da VI Comissão da Assembleia Nacional. 

Os deputados concluíram que o sector público de comunicação social prima pela manutenção dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, nomeadamente, a liberdade de imprensa, o direito de informar, de informar e ser informado através do livre exercício da actividade de imprensa, sem impedimentos.

Foto Santos Pedro

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