Ana
Sá Lopes – jornal i, editorial
Cameron
não avaliou os estragos e assinou um atestado de menoridade
Independentemente
do que se pense sobre Jean-Claude Juncker – e há vários motivos para se pensar
mal – foi um avanço para a incipiente democracia europeia que Juncker tenha
sido indicado para suceder a Durão Barroso em vez de os governos cozinharem,
nas costas dos eleitores, uma solução qualquer. Desta vez, os partidos europeus
tinham apresentado candidatos à presidência da Comissão Europeia e, por uma
vez, os líderes decidiram não torpedear os mínimos de democracia a que a Europa
se condenou. Mesmo contra a sua própria vontade, Angela Merkel lá acabou a
apoiar Juncker – não é segredo no mainstream europeu que Angela partilhava com
os socialistas uma preferência por Martin Schulz, personagem eminente do SPD,
com quem Angela agora tem um acordo de governo que não passa, por exemplo, pela
institucionalização de eurobonds.
Juncker
é favorável aos eurobonds e, num debate recente com Schulz, conseguiu ser mais
peremptório do que o candidato social-democrata em defesa de um instrumento
essencial para a protecção dos países frágeis que, como nós, estão dentro do
euro disfuncional.
Merkel
foi obrigada a aceitar Juncker contra vontade e isso é uma vantagem para todos
os que não se revêem na Europa alemã – e aí Juncker é totalmente diferente do
cessante presidente da Comissão, aquele que há 10 anos abandonou o governo
português para ir lá para fora lutar pela vida e, alegadamente, pelos
interesses de Portugal. Chama-se José Manuel Barroso e conseguiu estar no olho
do furacão sem ficar para a história.
Se
a vitória do PPE (magrinha, mas vitória) obrigava em consequência à indicação
do candidato Juncker, o stress pós-traumático destas europeias não vai ser
resolvido do pé para a mão – e não vamos falar de Portugal, só para desenjoar.
O eurocéptico Cameron (retirou os tories do PPE, lembram-se?) tornou-se cada
vez mais eurocéptico desde que Nigel Farage conseguiu pôr o UKIP a ganhar as
europeias no Reino Unido. E, num statement mais para consumo interno do que
externo, decidiu anunciar a retirada do Reino Unido da União Europeia caso
Juncker viesse a presidir à Comissão. Cameron não avaliou bem os estragos: a
economia britânica, refugiada na libra esterlina, lucra bastante com a pertença
à União Europeia – e bloqueia várias mudanças em defesa dos especuladores da
City. Como Cameron não vai fazer o que prometeu, assinou o seu atestado de
menoridade.
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