segunda-feira, 30 de junho de 2014

EUROPEIAS: O STRESS PÓS-TRAUMÁTICO



Ana Sá Lopes – jornal i, editorial

Cameron não avaliou os estragos e assinou um atestado de menoridade

Independentemente do que se pense sobre Jean-Claude Juncker – e há vários motivos para se pensar mal – foi um avanço para a incipiente democracia europeia que Juncker tenha sido indicado para suceder a Durão Barroso em vez de os governos cozinharem, nas costas dos eleitores, uma solução qualquer. Desta vez, os partidos europeus tinham apresentado candidatos à presidência da Comissão Europeia e, por uma vez, os líderes decidiram não torpedear os mínimos de democracia a que a Europa se condenou. Mesmo contra a sua própria vontade, Angela Merkel lá acabou a apoiar Juncker – não é segredo no mainstream europeu que Angela partilhava com os socialistas uma preferência por Martin Schulz, personagem eminente do SPD, com quem Angela agora tem um acordo de governo que não passa, por exemplo, pela institucionalização de eurobonds.

Juncker é favorável aos eurobonds e, num debate recente com Schulz, conseguiu ser mais peremptório do que o candidato social-democrata em defesa de um instrumento essencial para a protecção dos países frágeis que, como nós, estão dentro do euro disfuncional.

Merkel foi obrigada a aceitar Juncker contra vontade e isso é uma vantagem para todos os que não se revêem na Europa alemã – e aí Juncker é totalmente diferente do cessante presidente da Comissão, aquele que há 10 anos abandonou o governo português para ir lá para fora lutar pela vida e, alegadamente, pelos interesses de Portugal. Chama-se José Manuel Barroso e conseguiu estar no olho do furacão sem ficar para a história.

Se a vitória do PPE (magrinha, mas vitória) obrigava em consequência à indicação do candidato Juncker, o stress pós-traumático destas europeias não vai ser resolvido do pé para a mão – e não vamos falar de Portugal, só para desenjoar. O eurocéptico Cameron (retirou os tories do PPE, lembram-se?) tornou-se cada vez mais eurocéptico desde que Nigel Farage conseguiu pôr o UKIP a ganhar as europeias no Reino Unido. E, num statement mais para consumo interno do que externo, decidiu anunciar a retirada do Reino Unido da União Europeia caso Juncker viesse a presidir à Comissão. Cameron não avaliou bem os estragos: a economia britânica, refugiada na libra esterlina, lucra bastante com a pertença à União Europeia – e bloqueia várias mudanças em defesa dos especuladores da City. Como Cameron não vai fazer o que prometeu, assinou o seu atestado de menoridade.

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