Ana
Sá Lopes – jornal i, editorial
Não
deixa de espantar a onda de sebastianismo a crescer à volta de Costa
A
sério, isto não aconteceu com ninguém. Não aconteceu com Durão Barroso (um
desastre como líder da oposição), não aconteceu com Guterres ("a
picareta"), não aconteceu com Sócrates (o homem do aparelho,
excessivamente à direita e que dava entrevistas atulhadas de citações), não
aconteceu com Cavaco (o "provinciano"que só falava de números e que
era tão à direita que fez implodir o bloco central), não aconteceu com Soares,
nem aconteceu com Jorge Sampaio, que não teve hipótese de lá chegar. Talvez
tenha acontecido com Ramalho Eanes uma vez - e com o partido que inventou
outra. Por outras palavras, tudo isto é muito esquisito.
Há
pessoas que acreditam há muitos anos que António Costa dava um bom
secretário-geral do PS. Por razões que nunca foram convenientemente
esclarecidas, ele sempre recusou avançar. Deixou Sócrates fazê-lo em 2004
(fizeram um pacto em que só um deles avançaria), não quis em 2011 e deixou o
caminho aberto a Seguro. Recuou novamente há um ano e meio numa comissão
política "em nome da unidade do partido", sabe Deus porquê. Se o
objectivo de tantas recusas, recuos, suspenses, volta atrás, palavras
cuidadosamente medidas sobre a sua capacidade de ser secretário-geral e um livro
- o "caminho aberto" para qualquer lado - era conseguir que no dia em
que quebrasse o tabu tinha uma passadeira vermelha, então esse objectivo está
conseguido. A liderança de Seguro foi em muitos aspectos desastrada - mas
também decorreu no pior momento possível, e logo a seguir ao governo PS mais
odiado pelos portugueses, o que tinha assinado o Memorando da troika.
Não
deixa de espantar esta onda de sebastianismo a crescer à volta de António
Costa, que junta gente muito muito à esquerda do PS com gente muito, mas muito
à direita do PS, numa salada de frutas inesperada. Uns acreditam que Costa será
o homem que fará a ponte à esquerda (com os exemplos de Roseta e Sá Fernandes
em Lisboa). Outros que fará o bloco central com Rui Rio ou com alguém do PSD
que não se chame Coelho. Outros ainda que "a abrangência" fará o PS
conquistar num ápice a maioria absoluta. António Costa está a ser santificado
na praça pública: o Messias está a chegar ao Largo do Rato.
Convinha
que se discutisse política. Retirando a saudação à herança Sócrates e uma
avaliação mais correcta das origens da crise, Costa não disse nada que ficasse
no ouvido. Mas parece que a sedução chega.
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