domingo, 15 de junho de 2014

Portugal: VERGONHA E ESPERANÇA



Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião

No espaço de dois dias, duas deputadas do PSD fizeram declarações sobre o último acórdão do Tribunal Constitucional e o conflito institucional que o Governo e alguns sectores do PSD pretendem criar.

No passado domingo, Francisca Almeida, no Expresso, escreveu um artigo em que critica a deliberação do TC duma forma equilibrada, sustentada, com argumentos sérios e pertinentes, mas sem nunca pôr em causa a instituição, nem o seu papel na arquitetura do nosso Estado de direito, nem os juízes. No mesmo texto interpela o primeiro-ministro perguntando "a quem serve e de que serve juntar aos constrangimentos da decisão constitucional um conflito institucional?", põe em causa as infelicíssimas declarações de Passos Coelho sobre a suposta falta de legitimidade democrática dos juízes (dando-lhe uma lição sobre a forma como são escolhidos), explica que certos princípios que estarão sempre presentes em Constituições de países democráticos serão sempre alvo de interpretação subjetiva e que a inclinação partidária não é, evidentemente e felizmente, garantia de decisão neste ou naquele sentido.

Na terça-feira, Teresa Leal Coelho, em entrevista ao Público, faz o mais descabelado, ignorante e vergonhoso ataque ao TC de que há memória.

A deputada, entre outros despropósitos, sugere sanções jurídicas "para os casos em que os poderes que são distribuídos, incluindo ao TC, são extravasados". Trocando por miúdos: Teresa Leal Coelho quer sanções jurídicas ao TC, sempre que este não delibere segundo a sua interpretação da Constituição ou sempre que ela pense que exista usurpação de poderes - provavelmente a deputada não saberá, mas é do que acusa o TC . Entretanto, esquece-se, claro está, de esclarecer que tribunal julgaria o TC ou se ela mesmo se encarregaria dessa tarefa.

A senhora também lamenta que alguns juízes tenham iludido quem os escolheu. Portanto, segundo a professora de direito Teresa Leal Coelho, os malandros dos juízes iludiram os atuais responsáveis do PSD. A prova disso é que até os designados com a sua ajuda não decidem segundo a "visão filosófica-política que seria compatível com aquilo que é o projeto reformista que temos para o País", diz a deputada. Em termos simples: os bons juízes são os que respeitarem sempre as propostas legislativas de quem os indicou. Isso do respeito pela Constituição, pela lei, pela independência dos juízes serão detalhes, talvez mesmo sinais de falta de "maturidade política", que segundo Teresa Leal Coelho parece faltar aos senhores e senhoras do TC. Mas, se assim fosse, para que serviria o TC? Punham--se uns fantoches no Palácio Ratton e estava o assunto resolvido, até se poupava dinheiro.

Tivesse o PSD ao seu leme gente que respeitasse o legado do partido e percebesse que acima das lutas políticas conjunturais estão princípios básicos da democracia liberal e do Estado de direito, e Teresa Leal Coelho seria imediatamente destituída de vice-presidente do partido e não mais falaria pelo PSD. Mas, claro está, quando é o próprio líder do partido e do Governo a pôr em causa um pilar do Estado de direito, é de esperar ver acólitos, para quem a fidelidade pessoal é mais importante que as responsabilidades com a comunidade, a serem mais fundamentalistas que o chefe.

Declarações do teor das da vice-presidente do PSD são indignas de alguém que é representante do povo e devia pugnar pela defesa do Estado de direito acima de tudo. Claramente, é essa a dimensão mais grave dos dislates que proferiu. Mas são, por isso mesmo, também um insulto à história do PSD e aos princípios que o partido sempre defendeu. Um partido defensor das instituições, um partido reformador, não esta caricatura de movimento revolucionário que se permite ter gente que cospe na herança e nos contributos do partido para a evolução do País, como fez o inefável Bruno Maçães, qual Trostski de trazer por casa, ou, agora, Teresa Leal Coelho, qual nova Passionaria.

Francisca Almeida, com 31 anos de idade e sem responsabilidades de monta no PSD, está mais consciente do que deve ser a postura institucional dum Governo, mais alinhada com o papel de defesa das instituições típica dum partido de centro-direita e mais lembrada do conjunto de valores e princípios que o PSD sempre defendeu do que uma vice-presidente do partido e do que o próprio primeiro-ministro. Há, de facto, outro PSD que não este que não percebe o Estado de direito e que não hesita em pôr em causa o equilíbrio institucional por medíocres objetivos táticos. O PSD em que, estou firmemente convicto, os seus eleitores tradicionais se reveem.

E não, os políticos não são todos iguais. Há políticos que envergonham esse nome e há outros que merecem esse tão nobre título.

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